Estigma afeta combate a doenças crônicas – 18/07/2025 – Seminários Folha

A imagem mostra um painel de debate com várias pessoas sentadas em cadeiras, discutindo sobre as limitações das políticas públicas para doenças crônicas. Ao fundo, há uma tela com gráficos e textos que abordam os desafios do diagnóstico. Os participantes estão em um ambiente de conferência, com uma plateia visível na parte inferior da imagem.

Ainda que condições de duração longa e evolução lenta, como obesidade e Alzheimer, sejam, em teoria, entendidas como doenças pela população e pelo sistema de saúde, há estigmas que, na prática, afetam a prevenção, atrasam o diagnóstico e dificultam o acesso aos tratamentos adequados.

O cenário foi discutido no primeiro painel do seminário Limitações das Políticas Públicas para Doenças Crônicas, promovido pela Folha na última quinta-feira (17), no hotel Hilton São Paulo Morumbi, na zona sul da capital, com patrocínio da empresa farmacêutica Eli Lilly. A mediação foi feita pela repórter especial Cláudia Collucci.

Na obesidade, o debate é muito concentrado em estratégias de prevenção —importantes para evitar o aumento do índice, já que 31% dos brasileiros vivem com a doença, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025—, mas falta entender que o tratamento também é fundamental, diz Bruno Halpern, presidente eleito da Federação Mundial de Obesidade.

O endocrinologista ressalta a oferta da estrutura necessária para pessoas com obesidade nos serviços de saúde como outro ponto essencial, mas ainda pouco pautado nas discussões, para reduzir o estigma sobre a doença. Ele relembra o caso de Vitor Augusto Marcos de Oliveira, que morreu em 2023, aos 25 anos, após esperar mais de quatro horas por atendimento dentro de uma ambulância porque dois hospitais públicos não tinham maca adequada.

Halpern avalia que a obesidade está “em todo lugar e em nenhum” ao mesmo tempo. Ou seja, ela permeia muitos debates porque pode levar a outras condições crônicas, como diabetes e doenças hepáticas, renais e cardiovasculares, mas nunca é assumida como prioridade a ponto de ter uma linha de cuidado própria.

“A obesidade é tão esquecida que não foi colocada nem entre as 15 principais prioridades de um grupo mundial para reduzir a mortalidade precoce até 2050, e nós [Federação Mundial de Obesidade] escrevemos uma carta para o The Lancet [revista científica que coordena o grupo responsável pelo relatório Global Health 2050] sobre isso. Se não reconhecemos o problema, não temos como tratar.”

A pesquisa “Percepção da população brasileira sobre doenças crônicas“, na qual o Datafolha entrevistou 2.007 pessoas com mais de 16 anos entre os dias 2 e 4 de junho deste ano, mostra que 82% dos brasileiros consideram a obesidade como doença, mas 45% concordam que as pessoas que vivem com a condição não emagrecem porque não têm força de vontade. Os resultados foram apresentados por Luciana Chong, diretora do Datafolha, na abertura do seminário.

Na prática, a obesidade é compreendida pelas pessoas e até no sistema de saúde como consequência de comportamentos, não como condição que envolve aspectos multifatoriais, fator que leva à estigmatização de quem vive com a condição, diz Luis Fernando Villaça Meyer, diretor do Instituto Cordial, responsável pelo Painel Brasileiro da Obesidade.

“É importante falar de prevenção pensando no ambiente obesogênico, que passa por aspectos sociais e contextos que fazem com que as pessoas desenvolvam obesidade. A alimentação é o principal elemento, mas também há questões psicológicas e de vida ativa. As secretarias de mobilidade, por exemplo, nunca falam do assunto, mas intervir nas calçadas da cidade para facilitar que as pessoas se desloquem fomenta a vida ativa e faz diferença.”

Meyer afirma que a desestigmatização passa inclusive pela inclusão da obesidade nas diretrizes curriculares dos cursos da área da saúde, o que ajudaria a melhorar o acolhimento nos serviços de saúde, a promover a conscientização da população e a tornar o tratamento mais efetivo—os novos medicamentos podem contribuir, mas os médicos precisam saber prescrevê-los, explica Halpern, também crítico à falta de formação.

“Temos que refletir sobre a qualidade dos médicos que estamos formando. Não é possível que um país se diga sério sem controlar os especialistas que forma de acordo com sua necessidade social, e nós não temos isso”, diz Eleuses Paiva, secretário de saúde do estado de São Paulo.

Se na obesidade o tratamento é pouco discutido, nas demências isso acontece com a prevenção, que deveria ocorrer ao longo da vida por meio de ações como o combate à baixa escolaridade desde a infância e à prevalência de hipertensão, diabetes e da própria obesidade na vida adulta, afirma Celene Pinheiro, presidente da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer). Segundo a geriatra, ainda há mais efeito nessas estratégias que no tratamento farmacológico.

“O Brasil é conhecido mundialmente por programas substanciais, como o Programa Nacional de Imunização, então estamos falando de estruturas que o SUS já tem, e que nós só precisamos focar na prevenção de demência e na construção de um envelhecimento bem-sucedido. Nós já fazemos, só precisamos aprimorar.”

Os principais problemas estão ligados —falta de formação, poucos especialistas em demência, subdiagnóstico e, consequentemente, atraso no diagnóstico— e têm fortes impactos sociais e econômicos, explica Pinheiro.

A especialista também ressalta a importância de desestigmatizar a demência entre a população, para que as pessoas busquem atendimento nos primeiros sintomas. Segundo a pesquisa Datafolha, 96% dos brasileiros reconhecem o Alzheimer como doença, mas 68% acreditam que perdas de memória são naturais do envelhecimento e 53% concordam que a condição afeta apenas e memória.



Fonte ==> Folha SP

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