Luis Lobianco: ‘Não me interessa pregar para convertido’ – 06/12/2025 – Mônica Bergamo

Homem de perfil vestindo camisa preta, chapéu preto e óculos escuros ajusta os óculos com as mãos. Fundo neutro cinza claro.

Se você ainda não assistiu a “Titanique”, que se escreve assim mesmo, com quê u e no final, uma sátira musical do filme “Titanic”, para tudo e compra já o seu ingresso. Este texto continuará aqui, além do que, a entrevista com Lobianco está gravada também em vídeo, na TV Folha, então dá para ler ou ver depois.

Já “Titanique”, o musical, gerador das melhores e mais inesperadas gargalhadas que eu e um grupo de quatro pré-adolescentes demos, juntas, no teatro Sabesp Frei Caneca, só tem mais quatro sessões: duas no sábado (13), às 17h e às 20h, e duas no domingo (14), às 15h e às 18h. E aí, fim.

“A peça vai ter mais uma temporada no Rio de Janeiro e estamos tentando viajar pelo Brasil, mas até agora só temos garantido mesmo o Rio, e ainda nem temos datas definidas”, me diz o ator Luis Lobianco, que interpreta a personagem Ruth, mãe de Rose. Foi o papel de Kate Winslet No longa-metragem de que a peça tira o maior sarro.

Pois é, o mesmo ator que passou longos meses interpretando o assistente Freitas – abusado pelo chefe calhorda Marco Aurélio, papel de Alexandre Nero na última novela das nove, “Vale Tudo” agora está de vestido e um chapéu com uma pomba na cabeça em um musical hilário, imperdível, mas que está saindo de cartaz.

“Em toda apresentação alguém grita da plateia algum comentário sobre a novela, ou sobre o Marco Aurélio, e eu paro a peça para me aproveitar daquela situação, adoro”, afirma o ator, que não tirou nem a barba para viver em cena a matriarca durona que aposta tudo no casamento da filha com um marido rico para salvar tanto as finanças quanto a reputação de sua família.

“Titanique” é bem absurdista desde a premissa: no musical, a cantora canadense Celine Dion, que interpretou a música-tema do filme de 1997, “My Heart Will Go On”, vencedora do Oscar de melhor canção (um dos 11 Oscars de “Titanic”) é vivida pela atriz Alessandra Maestrini, que conduz o espetáculo.

Ela conta que Dion seria uma das sobreviventes do naufrágio. Portanto, é também testemunha de tudo o que aconteceu no navio, desde o romance de Jack (personagem de Leonardo DiCaprio) e Rose até a batalha pelos coletes salva-vidas e pelos botes infláveis, passando pelas tretas entre os passageiros da primeira-classe e os da terceira. E vai contar como as coisas aconteceram de verdade, já que a versão do filme é toda errada.

E é com os maiores hits da cantora canadense que a história é revisitada. “É um grande besteirol, um gênero de teatro muito brasileiro que nasceu nos anos 1980 com o Miguel Falabella, o Ney Latorraca, o Miguel Magno, e se misturou com o teatro de revista da Dercy Gonçalves”, afirma Lapobianco.

“Nossa montagem tem um pouco de tudo, é uma adaptação de um sucesso off Broadway, que são sempre os espetáculos mais travessos, eu digo sempre que é um espetáculo que tem o erê solto, mas com texto, direção de arte, cenários e figurinos afiadíssimos e um elenco impecável. Toda sessão é uma apoteose, a plateia enlouquece”, segue ele.

Pergunto se ele não sente um frio na barriga quando entra em cena barbado, de vestido e com um chapéu de pomba na cabeça toda noite, mas Lobianco já passou por tanta patrulha na vida que diz que quer mais é ver o circo pegar fogo. “O humor me protege. E eu não tenho o mínimo interesse em pregar para convertido”.

Em 2017, logo que saiu do coletivo Porta dos Fundos, de que fez parte desde o início, em 2012, para “tentar uma carreira solo e deixar aquela oportunidade para outros atores”, Lobianco estreou um monólogo dramático chamado “Gisberta”, fruto de uma pesquisa de anos do ator.

“Gisberta era uma mulher transexual de São Paulo que, nos anos 1980, depois de sofrer muito abuso e preconceito, decidiu ir embora do Brasil e se estabeleceu no Porto, em Portugal”, conta o ator. “Mas, lá, ela também foi muito maltratada e teve um final horrível, trágico. Ela foi torturada durante vários dias por um grupo de adolescentes e acabou morrendo. O corpo dela foi descoberto no poço do elevador do prédio em que morava”.

“Em Portugal, a morte de Gisberta tomou conta do noticiário. O governo português chegou a fazer mudanças na legislação do país por causa da tragédia, para oferecer alguma proteção a pessoas transexuais”. Lobianco conheceu essa história por meio de uma música, “Balada de Gisberta”, gravada por Maria Bethânia. “Bethânia está sempre na frente”.

Lobianco fez uma longa pesquisa sobre o caso, se conectou com a família de Gisberta, foi a Portugal conhecer o lugar onde ela morreu e leu todo o processo. “Os assassinos dela foram inocentados, não cumpriram nenhum tipo de pena”, diz o ator, que dedicou um ano à formatação do que virou o monólogo “Gisberta”, um de seus trabalhos mais marcantes.

Quando a peça entrou em cartaz, no entanto, foi alvo de críticas duras da própria comunidade LGBT, principalmente de transexuais, mas também de estudiosos da causa, que se revoltaram com o fato de ele não ter o tal do lugar de fala. “A turbulência toda partiu de pessoas que nem assistiram ao espetáculo. Elas achavam que eu interpretava a Gisberta, e a peça não era isso. Ao contrário, era uma peça que falava sobre a ausência dela”.

“Minha sorte é que tudo aconteceu em uma época pré-cancelamento”, afirma. Se bem que, atualmente, isso não aconteceria. Luis Lobianco agora é um nome estabelecido no imaginário coletivo, um artista com conjunto de obra, que acabou de ter um papel fundamental no final mais esperado de uma novela da Globo. Mas, se mesmo assim acontecesse, não tiraria nem meia hora de sono do ator. “Desculpe o termo, mas estou cagando para o que os outros pensam”.

com DIEGO ALEJANDRO, KARINA MATIAS e VICTÓRIA CÓCOLO



Fonte ==> Folha SP

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