O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda adiar, a pedido das empresas, a entrada em vigor das mudanças na NR-1 (Norma Regulamentadora 1), que trata sobre os riscos ocupacionais do ambiente de trabalho.
As alterações, aprovadas pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) em março de 2024 após um ano de debates com representantes de empregados e empregadores, passariam a valer em 26 de maio e incluem o mapeamento dos riscos de doenças psicossociais, além de plano de ação para coibir ou diminuir afastamentos por burnout e depressão, entre outros.
Dados da Previdência Social mostram que, em 2024, o INSS concedeu 472 mil auxílios-doença por saúde mental dos 3,5 milhões de afastamentos. No ano anterior, foram 283 mil. Em dez anos, o aumento é 67% —em 2014, foram 203 mil auxílios do tipo.
As mudanças da norma incluem o fim de metas abusivas e das jornadas excessivas, maior interação interpessoal no ambiente de trabalho, treinamento de gestores contra práticas de assédio moral e sexual, e a concessão de mais autonomia ao funcionário.
O pedido de adiamento chegou ao MTE na semana passada e deve ser oficializado em portaria. O novo prazo pode ser de 90 dias, sendo passível de renovação —como ocorreu com a norma referente ao trabalho nos feriados—, ou de um ano, como pede os empregadores. Procurado, o ministério não se manifestou.
A solicitação de adiamento partiu do setor empresarial e não deve ter oposição de representantes dos trabalhadores. Segundo Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), as empresas têm se mostrado sensíveis ao tema e pretendem implantar as mudanças.
“Representamos setores como o de comércio, serviços e transporte por aplicativo. Sabemos que são setores complicados, e estamos vendo que os patrões querem implantar as medidas. Não nos opomos a dar mais tempo a eles”, afirma.
Valdizar Albuquerque, presidente do Sintesp (Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo), que participou da comissão do MTE, diz que as mudanças na NR-1 não criam “nada novo”, mas defende o adiamento.
“A nova norma tão somente deixou explícito o que já era exigência da NR-17 e que as empresas e profissionais da área de saúde do trabalho não estavam se atentando ao realizar as ações de prevenção”, diz. As alterações da NR-17 foram feitas em 2021.
Comércio e indústria defendem o adiamento. Já os bancos dizem estar prontos para as mudanças. “O setor bancário não solicitou e não defende o adiamento”, diz nota da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) enviada à Folha.
“As regras foram divulgadas em 25 de março de 2024, para início de vigência a partir de 26 de maio de 2025. Durante esse período, diversos estudos foram realizados setorialmente, com a participação dos bancos, com vistas ao cumprimento do cronograma fixado”, afirma a entidade.
A federação diz que as convenções coletivas negociadas entre junho e agosto de 2024 já trazem cláusulas para “prevenção e controle dos riscos psicossociais, tendo em vista o impacto dos assédios moral, sexual e outras formas de violência no trabalho” nos empregados.
“Essas cláusulas regulam questões como a declaração de repúdio a qualquer ato de assédio moral, sexual e outras formas de violência no trabalho; a disponibilização de informações aos empregados sobre os tipos de assédio e sobre as atitudes que podem ser tomadas diante dessas circunstâncias”, diz texto.
Folha Mercado
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Do lado dos comerciantes, a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de SP) realizou uma live última semana, na qual defendeu o adiamento das novas normas por pelo menos mais um ano.
Segundo o presidente da entidade, Ivo Dall’Acqua Junior, o motivo é que ainda não teria sido publicado o guia do Ministério do Trabalho para as empresas. Ele entende que, como todas deverão se adaptar, é preciso um padrão.
“Virou uma avenida de oportunismos, com pessoas oferecendo consultorias. Pedimos um olhar mais racional. O guia quase pronto, mas não foi publicado”, disse.
Para a CNC (Confederação Nacional do Comércio), é preciso mais prazo porque faltam esclarecimentos para que a implantação não se transforme em uma insegurança jurídica, com crescimento do número de ações trabalhistas contra falhas na adaptação do ambientes de trabalho.
“Caso seja confirmado o adiamento da entrada em vigor das alterações, ele será de extrema importância para que seja possível o amadurecimento dos debates, que terão como objetivo aproximar a norma da realidade do dia a dia das relações trabalhistas”, diz nota.
Paulo Henrique Schoueri, diretor titular do departamento de desenvolvimento intersindical da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP), afirma que mudanças são necessárias para o desenvolvimento da sociedade, mas mesmo com uma comissão tripartite entre empresas, empregados e governo, não havia consenso sobre as normas.
“Até que o Ministério do Trabalho arbitrou essa mudança de uma forma que não dá segurança jurídica suficiente para as empresas. São doenças com subjetividade, mas o diálogo com o governo é bom. Não são as empresas que estão despreparadas, é a sociedade inteira que está confusa com o tema.”
Glauco Callia, especialista em medicina do trabalho, acompanha há mais de dez anos questões ligadas à saúde ocupacional em todo o mundo. Segundo ele, o Brasil é das últimas grandes democracias a adotar essas normas em lei.
“Já existem ações por dano moral de mais de R$ 100 milhões nesta área e, com base na minha experiência internacional na tratativa de riscos, o Brasil é uma das últimas grandes democracias a adotar essa legislação”, diz.
Callia desenvolveu uma plataforma de saúde mental, a Zenith, que usa a inteligência artificial para medir o estresse organizacional e prevenir doenças como burnout, estresse ocupacional e absenteísmo.
Para ele, mapear e encontrar a causa-raiz ajuda na produtividade e faz com que a companhia perca menos dinheiro.
O advogado trabalhista Vitor Nagib Eluf, sócio do Eluf, Jouvin, Rezek e Serpa Advogados Associados, diz que as empresas podem adotar medidas simples, que vão ao encontro do que pede a norma, fazendo com que cumpram a legislação o quanto antes.
“A empresa vai ter de tomar medidas efetivas para prevenir doenças do trabalho, em uma atuação mais conjunta do empregador com o empregado. Essa parte da saúde psicológica do empregado mudou, hoje em dia é algo que é muito valorizado”, diz.
“Os empresários têm de modernizar também a forma de tratar o empregado. O que o empregador agora tem que fazer? Tem que fazer não só uma conscientização dos seus gestores como de todos da empresa em relação ao respeito, a como passar ordens, chamar atenção. Não expor o empregado na frente de seus colegas, isso configura assédio moral, que é algo muito relevante”, afirma.
Ana Carolina Rangel, especialista em felicidade corporativa, diz que a felicidade no ambiente de trabalho não significa ter funcionários que nunca ficam tristes ou fazer de conta que os problemas não existem.
“A gente tem de explicar para as pessoas o que é felicidade real, porque senão a pessoa vai estar sempre na busca da felicidade utópica, e vai estar sempre se frustrando”, afirma.
Fonte ==> Folha SP