Mark Carney estava a apenas alguns dias de anunciar a candidatura à liderança do Partido Liberal do Canadá, em janeiro, quando seu rosto apareceu em uma página viral de direita no Facebook.
Duas fotografias mostravam Carney, que se tornou primeiro-ministro no mês passado, em uma festa ao lado de Ghislaine Maxwell, ex-companheira do financista Jeffrey Epstein e condenada por proxenetismo (exploração da prostituição) de menores. Não havia evidências de que Carney e Maxwell fossem próximos, e a equipe do político disse que as fotos registraram uma interação social passageira ocorrida há mais de uma década atrás.
Mas as imagens foram o material perfeito para o Canada Proud, uma página de direita no Facebook com mais de 620 mil seguidores. Durante dias, o perfil publicou conteúdos sobre as fotografias, inclusive em anúncios pagos que acusavam Carney de “conviver com traficantes sexuais”.
Esse tipo de conteúdo online se tornou frequente nos feeds do Facebook e do Instagram da população canadense enquanto o país se aproxima de uma eleição nacional, marcada para o dia 28 de abril.
Embora tais publicações tenham se tornado comuns em campanhas políticas de todos os lugares, o conteúdo se espalhou especialmente no Canadá após o primeiro banimento de longo prazo no mundo de notícias no Facebook e no Instagram.
A Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, bloqueou notícias em seus aplicativos no Canadá, em 2023, após uma nova lei exigir que a gigante das redes sociais pagasse os veículos pela publicação de seus conteúdos. A proibição se aplica a todos os veículos de imprensa, independentemente da origem, incluindo o jornal The New York Times.
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Em meio ao vazio de notícias, o Canada Proud e dezenas de outras páginas políticas estão ganhando popularidade no Facebook e no Instagram antes da eleição. Ao mesmo tempo, golpes com criptomoedas e anúncios que imitam fontes de notícias legítimas proliferam nas plataformas. Poucos eleitores, no entanto, estão cientes dessa mudança —pesquisas mostram que apenas 1 a cada 5 canadenses sabe que as notícias foram banidas dos feeds das redes sociais.
O resultado é uma “espiral contínua” para o ambiente virtual do Canadá em direção à desinformação e divisão, disse Aengus Bridgman, diretor do Media Ecosystem Observatory, um projeto canadense que estuda as redes sociais durante a eleição.
A decisão da Meta deixou os canadenses “mais vulneráveis à inteligência artificial generativa, a sites de notícias falsas, além de menos propensos a encontrar ideias e fatos que desafiem suas visões de mundo”, acrescentou Bridgman.
Em comunicado, um porta-voz da Meta disse que a empresa foi “forçada a tomar a difícil decisão comercial de encerrar a disponibilidade de notícias para cumprir a lei”. Isso poderia mudar se a legislação fosse revertida, acrescentou ele.
Pagar aos veículos provavelmente custaria à Meta, que gerou US$ 164,5 bilhões em receita no ano passado, 62 milhões de dólares canadenses por ano (cerca de US$ 44 milhões).
O Canada Proud, que agora é uma das páginas políticas mais populares do Facebook no Canadá e tem mais seguidores do que os principais partidos do país, emergiu como uma arma potente contra o Partido Liberal e Carney.
Desde que Carney convocou eleições antecipadas no mês passado, o Canada Proud tem obtido uma média de quase 200 mil engajamentos por dia, rivalizando com os números das contas oficiais no Facebook dos líderes dos principais partidos políticos, de acordo com uma análise do New York Times.
Desde janeiro, o Canada Proud teve mais de 9 milhões de engajamentos em suas publicações, e seus vídeos foram vistos quase 60 milhões de vezes, apontou a análise.
China, terra do meio
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O Canada Proud com frequência publica atualizações de notícias citando veículos tradicionais que estão proibidos de compartilharem conteúdo no Facebook. Mas as publicações às vezes adicionam detalhes enganosos não encontrados nas reportagens originais, de acordo com a análise do Times.
Um dos posts dizia que Carney havia suspendido sua campanha devido a “conexões com a China” e citou um importante veículo de notícias canadense, o Global News, como fonte. Mas o texto do Global News não mencionava conexões com a China. Carney havia, em vez disso, pausado a campanha para retornar a Ottawa, a capital, para lidar com as tarifas impostas ao Canadá pelo presidente Donald Trump.
“O Canada Proud tem sido muito bem-sucedido”, disse Bridgman. As redes sociais, acrescentou, “mudaram para a direita e continuam assim”.
O Canada Proud, que se descreve como um “grupo de base de canadenses” preocupados com a direção do país, é administrado pelo Mobilize Media Group, uma empresa de relações públicas que trabalhou para candidatos do Partido Conservador.
O grupo foi fundado por Jeff Ballingall, um agente político conservador que tem provocado impactos nas eleições nacionais e provinciais no Canadá desde que fundou a Mobilize Media, em 2016.
O Canada Proud, que também tem centenas de milhares de seguidores nas plataformas X e no TikTok, não divulga suas fontes de financiamento. O grupo aceita doações e vende produtos.
Ballingall disse que as publicações do Canada Proud “falam por si mesmas”. “Encorajamos as pessoas a assistir e ler todo o nosso conteúdo antes de tirar conclusões precipitadas”. A influência do Canada Proud na eleição foi relatada anteriormente pelo The Logic.
O Canada Proud também investiu mais de US$ 250 mil em anúncios no Facebook e Instagram desde janeiro, de acordo com o rastreador de anúncios do Facebook, tornando-se o 15º maior comprador no Canadá durante esse período.
Um anúncio, publicado no mês passado no Facebook e no Instagram, incluía a foto de Carney com Maxwell. Foi visto mais de 100 mil vezes.
Dezenas de anúncios políticos de outras fontes com conteúdo gerado por inteligência artificial também inundaram os feeds do Facebook dos canadenses nas últimas semanas. Os anúncios frequentemente se disfarçam como reportagens legítimas, mas direcionam para sites falsos que se assemelham aos de veículos tradicionais como o Canadian Broadcasting Corp., a emissora pública nacional.
Os meios de comunicação canadense responderam à proibição de notícias no Facebook e Instagram concentrando-se em outras plataformas, principalmente o TikTok. Um estudo do ano passado feito pelo Media Ecosystem Observatory apontou que, após um ano, o engajamento nas redes sociais com veículos de notícias canadenses caiu pela metade.
Fonte ==> Folha SP