Claudia Roquette-Pinto se consolida como poeta relevante – 02/05/2025 – Ilustrada

Claudia Roquette-Pinto, autora de

Poucas vozes na poesia brasileira são tão originais e complexas quanto a da carioca Claudia Roquette-Pinto. A autora, que começou na década de 1980, está sendo redescoberta com o lançamento da antologia “A Extração dos Dias: Poesia 1984-2005”.

Organizada pelo professor de literatura Gustavo Silveira Ribeiro, da Universidade Federal de Minas Gerais, é uma reunião de seus cinco primeiros livros: “Os Dias Gagos”, “Saxífraga”, “Zona de Sombra”, “Corola” e “Margem de Manobra”, além de uma seleta de poemas inéditos do início de sua obra.

Com a primeira publicação na década de 1990, época marcada pela forte experimentação na forma e na linguagem do poema, Roquette-Pinto não passou despercebida. Ela foi, ao mesmo tempo, vista como poeta de mão cheia, que misturava elementos visuais e de caráter existencial, e como poeta burguesa, que apenas pairava sobre o Rio de Janeiro e falava de seu jardim.

“Já fui muito atacada. Quem dizia isso, que eu escrevia sobre um mundo fechado, não estava entendendo nada da minha poesia. O jardim é a transa, a vida, a morte, tudo”, diz em entrevista.

Seja nos seus primeiros livros ou no que marcou o início de seu retorno, “Alma Corsária”, finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos depois de um hiato de 17 anos sem publicar poesia, há uma escrita que transita entre a observação visual e plástica do mundo, as indagações interiores urgentes e os elementos metalinguísticos.

A impressão, como no primeiro poema do livro “Corola”, é de espanto, diante de um mundo natural deslocado, e vertigem, impulsionada pelos cortes abruptos dos versos: “O dia inteiro perseguindo uma ideia:/ vagalumes tontos contra a teia/ das especulações, e nenhuma/ floração, nem ao menos/ um botão incipiente/ no recorte da janela/ empresta foco ao hipotético jardim”.

Espanto e vertigem estão no cerne da poética de Roquette-Pinto. “O espanto tem a ver com o olhar da criança, mas não um olhar infantil no sentido regredido. É tentar fazer o olho ficar puro para absorver algo. Para escrever um poema, você tem que ficar imóvel, num estado meditativo, receptiva aos fenômenos. Ao mesmo tempo, é algo vertiginoso, porque você está fundando uma coisa que existia, e isso dá um medo danado.”

Para a poesia, ser um observador hiper-atento é fundamental, e Roquette-Pinto afinou essa prática com a filosofia budista. “Já foi muito difícil carregar esta quantidade de sensibilidade que tenho, mas agora me reconciliei. Entendi que se eu não tivesse isso eu não seria poeta. É uma abertura. No meu primeiro retiro, senti um reconhecimento, a sensação de não precisar de mais nada.”

Ela teve uma infância “encharcada de livros” pelos pais —desde muito nova, lia Manuel Bandeira, Olavo Bilac, Florbela Espanca e Shakespeare—, depois uma graduação em tradução literária pela PUC-Rio e leituras de Sylvia Plath, Paul Celan, Giuseppi Ungaretti e Ferreira Gullar.

Roquette-Pinto conta que isso criou nela “uma segunda natureza”, algo instintivo relacionado à sonoridade, e muito rigor na construção de seus poemas. São elementos já observados em seu primeiro livro, como nos versos “catódica essa luminosidade/ estranha o sol repele o sol. intacto/ o tique que quedou meus dias gagos”.

Nas palavras de Silveira Ribeiro, no posfácio da antologia, Roquette-Pinto é dona de um “lirismo exigente”, em que a oposição de forças é o grande motor de sua poesia. “A flor ambígua e turbulenta —mas ainda assim flor— da poesia de Claudia Roquette-Pinto aproxima, sem resolver, o baixo e o alto, a degradação e a beleza, o chão e o céu”, escreve.

A autora confirma. “Existe muito esse fora e dentro. Alguma coisa acontece fora, mas o corpo quer se apropriar daquilo. E tem esse inquirir-se sobre o que eu estou fazendo aqui, essa parte filosofante está ligada ao meu ímpeto criativo.”

Com sua obra esgotada há anos nas livrarias, Roquette-Pinto está feliz com esse renascimento. “Ficar tanto tempo sem publicar, ainda que eu estivesse sempre escrevendo, gerou a impressão de que a

fonte tinha secado. Muitos possíveis leitores ficaram sem conhecer a minha poesia, então é uma celebração.”

Sobre o cenário atual na literatura, ela também comemora: “Acho lindo ver as mulheres terem muito mais visibilidade, conseguirem ser publicadas. No passado, você tinha lá três mulheres que apareciam e o resto morria na praia.”

Roquette-Pinto gosta de olhar para frente e acha triste quando “o artista vira um repetidor de fórmulas, um diluidor de si mesmo”. “O que me dá energia para continuar escrevendo é o que eu vou descobrir agora. Quando escrevo poesia é quando sou mais corajosa”, diz.

“Uma granada é um monte de explosivos num receptáculo. O poema é a granada. Você cerca uma ideia, com sons e imagens, condensa ao máximo, e, quando o leitor lê, aquilo explode”, finaliza. É justamente essa sensação que temos ao ler a obra da autora.



Fonte ==> Folha SP

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