Quando chegou aos cinemas em março de 2000, “Premonição” fazia parte da revitalização do horror juvenil promovida por “Pânico” quatro anos antes. A sátira de Wes Craven tinha sido referenciada em tempo recorde antes da virada do século, fosse na sequência “Pânico 2” como nos derivativos “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” e “Lenda Urbana”, entre muitos outros. A fórmula, antes revigorada, começava a cansar.
Nesse contexto, o estúdio New Line adquiriu um roteiro que Jeffrey Reddick tinha escrito com o objetivo de enviar à Fox e transformá-lo num episódio de “Arquivo X”, série em alta na época. Na origem, os personagens eram adultos, mas o apelo pós-“Pânico” fez com que isso fosse alterado para protagonistas quase adolescentes, o que poderia aproximar o projeto da nova tendência. Algo disso funcionou, pois “Premonição”, de James Wong, custou US$ 23 milhões e arrecadou cinco vezes a mais. Mas não foi só a aparente similaridade com os novos filmes de matança que cativou o público.
Em vez de colocar em cena um assassino misterioso a massacrar um grupo de amigos e fazer disso um exercício de autoconsciência sobre o gênero, “Premonição” propôs outra lógica. Sem um matador específico, sem maldições, sem lendas ou metalinguagem, o horror vinha da simples e inevitável certeza da morte. Ou, na fantasia proposta, a morte como entidade atuante que não aceita ser enganada por quem se esquiva dela.
O filme rendeu quatro sequências ao longo de uma década. Um sexto capítulo foi lançado nos cinemas em maio deste ano, quase 15 anos depois do anterior. “Premonição: Laços de Sangue” celebra os 25 anos do original e reapresenta a fórmula a uma nova geração, que cresceu vendo memes e vídeos com diversas das extravagantes cenas de acidente. Ou você nunca ficou inquieto ao dirigir atrás de um caminhão com toras de madeira?
Para evitar a mera repetição e se ajustar a ansiedades modernas, o novo longa tem mudanças estruturais sem trair as premissas básicas. A maior alteração é remover dramas juvenis insossos e inserir um núcleo familiar como centro da ameaça. A protagonista vivida por Kaitlyn Santa Juana sai em busca da árvore genealógica que a conecta a uma quase tragédia nos anos 1960 e, de certa forma, explica todos os demais acidentes dos cinco títulos de antes. Fãs na internet estão em polvorosa encontrando cada uma das relações entre os seis filmes.
O barato da franquia nunca foi a continuidade de rostos como se tornou a sina de “Pânico” e “Halloween”, ou os desdobramentos alucinados de trama, caso de “Jogos Mortais”, nem mesmo a presença hipnótica de um mesmo antagonista, como nos recentes “Terrifier”. Em “Premonição”, a efemeridade dos sobreviventes está em prol das maneiras mais criativas e sádicas deles serem eliminados, filme a filme, por incidentes sem controle numa cadeia aleatória de acontecimentos.
Xícara trincada, ralo entupido, escada escorregadia, queda de um poste, surgimento repentino de um carro ou trem, um parafuso que se solta, um tombo —o menor dos detalhes pode ser fatal.
Sem maiores pontos a se sustentar e sem nenhum filme brilhante, “Premonição” virou parte do imaginário popular e ilustra sentidos de um contexto cultural ao qual foi sendo incorporada. Meméticos, antes de o termo se popularizar, os filmes da série se tornaram simbólicos do medo do cotidiano, ao mostrar que tudo ao seu redor tem potencial de ser uma armadilha. “Premonição” foi capturando uma sensibilidade pessimista vinda com o século 21, especialmente depois do ataque ao World Trade Center em 2001.
A percepção de que a vida pode acabar repentinamente por atos de terceiros ganhou contornos globais. Nos filmes, escapa-se de grandes tragédias apenas para descobrir que a sobrevida é provisória.
A morte, tratada como força impessoal, retorna para corrigir o erro no curso natural das coisas. No instável mundo da geração millennial, impactado pelo 11 de Setembro, pela crise financeira de 2008, por crises climáticas, pela pandemia de Covid-19, por massacres promovidos por governos autocráticos, e agora até pela política agressiva da nova Era Trump, o sentimento constante é de insegurança e de que, por mais que você escape, o colapso te pegará e você não tem muitas chances de escapar.
Nos filmes “Premonição”, a morte não é entidade maligna, punitiva nem religiosa, e sim o curso natural de uma função que precisa ser cumprida em parâmetros pré-estabelecidos. O grande perigo, bem típico do século 21, não tem rosto. Ele é um sistema funcional, quase burocrático, que te atinge com precisão matemática porque assim precisa ser.
Negociação ou empatia não integram o vocabulário da morte nesses filmes. Resta tentar driblá-la, mas quem viu toda a franquia, e isso vale para o novo “Laços de Sangue”, sabe que a vigilância é inútil. Por isso, afinal, é tão divertido ver como os realizadores inventam formas de matar os personagens. Se o fim virá, que seja de um jeito criativo.
Fonte ==> Folha SP