Pankararus enfrentam desafios para manter rituais – 27/06/2025 – Ambiente

Um jovem com cabelo curto e encaracolado está posando para a foto. Ele usa uma camisa verde e tem uma expressão séria. Nas costas, ele carrega um cocar feita de palha. O fundo é de cor verde escura, criando um contraste com a roupa do jovem.

Indígenas pankararus enfrentam desafios crescentes para manter vivas suas tradições. No Real Parque, na zona sul de São Paulo, a vida urbana e a falta de identificação das novas gerações dificultam a continuidade de rituais ancestrais; enquanto isso, na aldeia Brejo dos Padres, em Pernambuco, local originalmente habitado por eles, a escassez de plantas nativas essenciais à confecção de trajes rituais ameaça práticas centrais da cultura pankararu.

A dualidade vivida pelo povo pankararu expõe os diferentes impactos do deslocamento territorial e das mudanças ambientais sobre as culturas indígenas no Brasil. No contexto urbano de São Paulo, a juventude aprende sobre os rituais no YouTube enquanto a comunidade precisa adaptar suas celebrações a espaços improvisados, como quadras de esporte, e lidar com limitações de tempo e barulho para não incomodar vizinhos não indígenas.

Instalada em São Paulo desde 1940, a etnia compõe um dos maiores agrupamentos em contexto urbano do país, segundo a Associação Indígena SOS Comunidade Pankararu. A comunidade tem hoje cerca de 500 pessoas, que vivem em um conjunto habitacional no bairro do Real Parque, no distrito do Morumbi. Os primeiros moradores deixaram a aldeia Brejo dos Padres para trabalhar na construção civil, incluindo as obras do estádio do Morumbi e do Palácio dos Bandeirantes.

Clarice Pankararu, 37, liderança indígena no Real Parque, afirma ter sentido um grande impacto quando se mudou de Pernambuco para São Paulo, em 2003. “Na aldeia, víamos os rios, as árvores, as estrelas a todo momento. A minha avó me contava histórias sobre cada uma das estrelas, que aqui a gente não vê. Demorei para entender que aquele esgoto de Pinheiros era um rio. Um rio com nascente.”

Além da redução da relação com a natureza, outro problema apontado por Clarice é que a maior parte dos rituais só é possível em Brejo dos Padres.

“Lá temos mais liberdade. Aqui a gente faz o que dá. Todo ano temos que reservar a quadra do bairro para fazer nosso encontro. Também começamos e terminamos mais cedo para não atrapalhar os vizinhos, que não são indígenas”, conta. “Na aldeia, são cem praiás [entidades que usam trajes feitos de penas e fibras da planta cruá], aqui são só seis.”.

Clarice diz que carrega a espiritualidade ancestral para onde quer que vá, mas a impossibilidade de realizar rituais afeta o vínculo cultural da população que mora em São Paulo, principalmente no caso dos mais jovens.

“A gente tenta realizar o que é possível para que as crianças e os jovens cresçam sabendo que são de um determinado povo, de uma determinada cultura”, conta. Muitos, diz, nunca participaram de rituais e atividades tradicionais dos pankararus.

O adolescente Hiram Miranda Silva, 12, morador do Real Parque, diz que participou do ritual menino do rancho quando tinha quatro anos e outra vez aos 12, durante celebrações em Brejo dos Padres. O rito, pelo qual alguns meninos passam, consiste em celebrar e agradecer a um encantado —espíritos protetores associados à natureza e aos ancestrais— pela cura de alguma doença ou proteção espiritual.

Hiram conta que tudo que sabia antes de visitar a aldeia, em janeiro de 2025, tinha aprendido com seus tios e vendo vídeos no YouTube. “Lá em Brejo tudo é diferente. A gente acorda e já vai brincar. Tem fruta boa no pé, o ritual do menino do rancho. Não tem prédio em volta nem gente filmando os rituais. Lá todo mundo já sabe o que pode e o que não pode. Eu me senti mais livre”, lembra.

Engajado na cultura, Hiram participa de danças, debates e ações relacionadas à herança pankararu. Na sua visão, os jovens indígenas da cidade se afastam dos costumes tradicionais e espiritualidade ancestral.

”Aqui em São Paulo o povo joga lixo no chão, destrói planta, e ainda tem gente que entra nos nossos lugares sagrados como se fosse qualquer coisa. Eles não entendem que quebrar uma árvore também é acabar com a nossa tradição”, ponderou.

O psicólogo Tiago Miranda, que trabalha no CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) do Real Parque, onde crianças e adolescentes do bairro passam o dia, diz que há uma grande falta de identificação entre os mais jovens, que não se associam à cultura pankararu nem se percebem como indígenas. Ele também aponta que os poucos que se identificam levam isso para a vida, como Hiram, que vê como um caso excepcional.

Já em Brejo dos Padres, onde a participação nos rituais e identificação com a cultura pankararu é bastante presente entre jovens e mais velhos, Eline Pureza Pankararu, 24, relata que o problema é outro. Segundo ela, as mudanças climáticas têm afetado os ciclos da região e os recursos necessários aos rituais.

Eline aponta que a preparação dos rituais hoje em dia exige maior cuidado com o tempo e com os materiais usados nas práticas, como a planta cruá, que está escassa e é essencial na confecção dos trajes dos praiás.

De acordo com o boletim informativo de 2019 da Coordenação-Geral de Gestão Ambiental da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), as folhas do cruá estão no centro da cultura pankararu. Típica da caatinga, a planta fornece as fibras para a confecção dos praiás, bem como de tecidos, linhas de pesca, bolsas, esteiras e produtos decorativos.

A seca, reflexo das mudanças climáticas, tem contribuído para a morte ou o desenvolvimento tardio das plantas, sobretudo o cruá.

Segundo levantamento da rede MapBiomas, em 2024 foram desmatados 174.511 hectares de floresta na caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro. É o equivalente a cerca de 245 mil campos de futebol. O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, disse em 2024 em um seminário técnico-científico sobre o tema que 40% da caatinga já foi desmatada e seguia rumo à desertificação —o que já acontece em 10% do bioma.

Para Eline, que divide sua vida entre os trabalhos na aldeia e os estudos de ciências sociais na UFBA (Universidade Federal da Bahia), a terra e a espiritualidade estão conectadas. ”A luta agora é com a caneta, não com o arco e flecha, mas nunca deixarei minha terra. Eu sou o território, e o território sou eu. Minha relação com a terra é espiritual.”


Esta reportagem foi produzida durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.



Fonte ==> Folha SP

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