Obras de Raul Seixas uniram estilos em seus 26 anos de carreira

Obras de Raul Seixas uniram estilos em seus 26 anos de carreira

Com uma obra musical composta por 17 discos e mais de 300 músicas, lançados durante 26 anos de carreira, Raul Seixas completaria neste sábado (28) 80 anos de vida. Considerado pai do rock brasileiro e cultuado por sucessivas gerações, o soteropolitano era um adolescente quando o rock surgiu no cenário musical, nos anos 50, e chegou ao Brasil. Influenciado e fascinado por toda a efervescência cultural da época, o artista criou um estilo próprio, combinando o ritmo ao baião, com referências a Elvis Presley.

A lista de canções memoráveis de Raul Seixas é longa, com letras contestadoras valorizam a crítica social e a liberdade individual: Maluco Beleza, Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Eu nasci há 10 mil anos atrás, Sociedade Alternativa, Gita, Cowboy fora-da-lei, Tente outra Vez, Medo da Chuva, O trem das 7, Capim Guiné, Como vovô já dizia, Carimbador maluco, Al Capone, Mosca na sopa, Meu amigo Pedro, O dia em que a Terra parou, S.O.S., Aluga-se, Eu também vou reclamar.

Segundo o pesquisador de música popular e cultura Herom Vargas, o sucesso de Raul Seixas demorou a acontecer. Ainda em Salvador, formou sua primeira banda, os Panteras, na época da Jovem Guarda, no final dos anos 1960. O grupo conheceu o cantor Jerry Adriani, que os convidou para ir ao Rio de Janeiro. Rebatizada de Raulzito e os Panteras, a banda gravou então seu primeiro disco. O pesquisador conta que essa foi a primeira tentativa de atingir um público mais amplo e nacional.

“É claro que, em Salvador, ele já era conhecido, mas, no Rio e no resto do Brasil, ainda não. Só que o disco não fez sucesso, e uma parte da banda voltou para Salvador, enquanto ele continuou no Rio, sem nenhum dinheiro. Aquilo que ele fala na música Ouro de Tolo é verdade. Ele passou um perrengue no Rio de Janeiro”, explicou Vargas.

Em seguida, Raul foi produtor na gravadora CBS, e esse período durou até surgir uma nova oportunidade para que se unisse a mais três cantores: Miriam Batucada, Sérgio Sampaio e Ed Star. “E esses quatro fizeram um disco chamado Sociedade da Grã Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10. É um disco de 71. Um disco experimental, difícil de de ouvir, que obviamente não fez sucesso. Essa foi a segunda tentativa”.

Raul Seixas continuou trabalhando, e em 1972, se inscreveu no Festival Internacional da Canção, com a a música Let Me Sing, Let Me Sing. Ele não ganhou o festival, mas a música teve alguma repercussão, abrindo as portas de outra gravadora, a Philips Records, na qual lançou um compacto com Ouro de Tolo. Logo depois, veio seu primeiro disco solo, o Krig-ha, Bandolo!, de 1973.

“Esse é um disco clássico que, ainda hoje em dia, é um dos que sempre aparecem nas listas dos melhores discos da música brasileira. Tem Mosca na Sopa, Rockixe, As minas do Rei Salomão e uma série de de músicas bem legais do Raul. Foi aí que ele ficou conhecido nacionalmente. Batalhando desde 66, 67, só chegou no grande público em 73. É uma história bem interessante esse início de carreira, os perrengues todos, e as idas e vindas de um compositor e de um cantor. Ainda bem que deu certo”, disse Vargas.

O compositor também explorou temas como misticismo, filosofia e contracultura, expressos em sua parceria com Paulo Coelho, principalmente no início da década de 1970. Já Cláudio Roberto foi o parceiro mais frequente de Raul depois da fase com Paulo Coelho, com a composição de mais de 50 músicas ? com 31 delas gravadas entre 1975 e 1988. Raul ainda teve como parceiros Marcelo Motta, em canções como A Maçã e Se Ainda Existe Amor; e Marcelo Nova, no álbum A Panela do Diabo, em 1989, marcando uma parceria importante no final da carreira de Raul.

Ocultismo e misticismo

Ao contrário do que muitos pensam, Raul Seixas nunca teve um vínculo propriamente dito com o misticismo ou com o ocultismo, sendo apenas um estudioso desses temas, disse o fã e amigo Sylvio Passos.

“Com o ocultismo, ele tinha lá suas reservas e olhava sempre com um olhar mais filosófico do que propriamente devoto, ocultista ou qualquer coisa desse sentido. O ocultista, na verdade, era o Paulo Coelho, que sempre foi um cara ligado mais a questões religiosas, metafísicas e tal. O Raul, não. O Raul era anarquista, como ele mesmo se definia. Uma metamorfose ambulante, um materialista dialético”.

Na definição de Passos, que acompanhou a carreira de roqueiro e se tornou amigo do cantor, da família e de amigos, Raul Seixas tratava de temas complexos sendo um cantor popular, um “cara” do rock e da música brasileira como um todo. Isso imprimia a ele a singularidade e a importância dentro de todo cenário artístico brasileiro, já que ele trazia esses temas “para um povo que nem sequer lia”.

“O mais curioso é que o Raul, sendo materialista dialético, uma metamorfose ambulante, a obra toda carrega uma pluralidade. Raul era plural, um investigador da história da humanidade, de por que o ser humano é o que é, por que se comporta da maneira que com se comporta. Ele olhava para o mundo, absorvia tudo isso e transformava em música. Ele dizia o seguinte: “se você quer me conhecer de fato, ouça meus discos, eu estou inteiro lá””, afirmou Passos.

Segundo Passos, a transição da carreira de Raul Seixas, ao passar da pessoa que amava Elvis Presley e se inspirava nele para outra fase, se enquadra em um processo evolutivo comum a todos os seres humanos. Para o fã e amigo, a loucura por Elvis Presley pode ter sido o gatilho para que ele se tornasse o adolescente questionador, que chegou no adulto que, com 27 anos de idade, gravou seu primeiro disco.

“E com aquilo que ele coloca em todas as faixas e continua dali para frente. Então, tem toda essa cronologia do ser humano, do indivíduo, que vai evoluindo, e de alguma forma melhorando ou piorando. O Raul sempre foi melhorando, sempre mais questionador, sempre mais voltado para si mesmo, tentando entender o que acontecia no mundo e no seu entorno”.

Raul Seixas enfrentou o alcoolismo e teve vários problemas de saúde provocados pela doença, como diabetes, hipertensão, problemas no fígado e a pancreatite que o levou à morte, em 1989, aos 44 anos, vítima de uma parada cardíaca. Ele foi encontrado morto no apartamento em que vivia, em São Paulo.

Passeatas

Com tema A Onda Está Certa, bloco Toca Rauuul relembra entrevista de Raul Seixas em 1977. Foto: Divulgação

Desde então, fãs e admiradores da obra reúnem-se anualmente na data para a conhecida Passeata Raulseixista em homenagem ao cantor e compositor. A concentração geralmente acontece em frente ao Theatro Municipal de São Paulo.

A assessora de imprensa Mayara Grosso, 30 anos, começou a participar do evento aos 8 anos de idade, levada pelos pais, fãs do cantor. Familiarizada com a obra, já que seu irmão mais velho ouvia os discos com frequência, ela cresceu frequentando a passeata anualmente e conhecendo muitos dos fãs que se tornaram amigos de sua família.

Foi daí que surgiu a ideia de, como trabalho de conclusão de curso, escrever um livro-reportagem chamado A Semente da Nova Idade, que aborda a trajetória de Raul Seixas, com ênfase na passeata raulseixista.

“Durante esse processo, eu fui descobrindo e entendendo a história de muitos fãs. Além de uma celebração de Raul, virou também um grande encontro de amigos. É onde a galera se encontra. Então, vem muita gente de muitos estados, cidades diferentes e acaba virando um grande culto. É uma emoção muito particular para cada um, porque Raul Seixas representa muita coisa. Para mim, representa família. É uma memória que pega bastante, porque meu pai já faleceu e gostava muito de ir à passeata”.



Fonte ==> Bahia Notícias

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