O bilionário Elon Musk está deixando o governo de Donald Trump, após meses supervisionando cortes polêmicos de gastos e de pessoal por meio de sua criação, o Departamento de Eficiência Governamental dos Estados Unidos.
Musk e o Doge chegaram a Washington com grande estardalhaço, prometendo erradicar o que chamavam de desperdício, fraude e abuso no governo —agindo com a velocidade típica do Vale do Silício para infiltrar-se e assumir o controle de departamento após departamento.
O foco inicial foi fechar agências de que Musk não gostava, notadamente a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e o Escritório de Proteção Financeira do Consumidor (CFPB), ao qual Musk se despediu com um post no X, sua rede social: “RIP.” Outro objetivo era reduzir gastos e quadro de funcionários em todo o governo. Ainda outro era acessar volumosos bancos de dados federais, para depois usar essas informações para identificar e deportar imigrantes sem documentação — enquanto o Doge trabalhava para unificar esses bancos de dados em um repositório central e analisar tudo com inteligência artificial. Musk instituiu a exigência de que os funcionários enviassem e-mails listando cinco realizações de cada semana, medida que, segundo ele, aumentaria a responsabilização.
No início, o Doge parecia imparável. Adentrando prédios federais com cortes de cabelo desalinhados e roupas casuais, os muitas vezes jovens representantes do Doge rapidamente obtinham acesso a sistemas internos sensíveis, às vezes ligando para Musk e passando o telefone a servidores que resistiam.
Mas Musk e sua equipe de cortes logo encontraram problemas. Litígios retardaram ou bloquearam demissões em massa lideradas pelo Doge. O bilionário entrou em disputas com ministros que se irritaram com as tentativas de reformular suas agências —chegando a protagonizar uma discussão acalorada na com o secretário do Tesouro, Scott Bessent.
Um dos projetos de maior destaque do Doge —reformar a Administração da Previdência Social para combater fraudes— fracassou espetacularmente, pois revelou quase nenhuma irregularidade e ainda engasgou a capacidade da agência de funcionar e processar benefícios, até que o próprio governo reverteu as mudanças.
Pesquisas apontaram que o trabalho de Musk era impopular, e os lucros da Tesla despencaram, à medida que seu esforço no governo começava a manchar a imagem de seu império no setor privado.
Muitos cortes do Doge em programas federais mostraram-se acidentais ou efêmeros, e Musk logo teve de reduzir suas estimativas de economia: de US$ 2 trilhões para US$ 1 trilhão e, depois, para US$ 150 bilhões.
Musk afirma que o Doge continuará muito bem sem ele. “O Buda é necessário para o budismo?”, perguntou ele a jornalistas na Casa Branca neste mês.
A resposta a essa pergunta, assim como o status e o legado da equipe Doge, permanece incerta. Também não está claro como a pessoa mais rica do mundo continuará a se relacionar com Washington. Mas os efeitos ainda em curso de seu breve mandato em D.C. provavelmente terão impacto global nos próximos anos.
Lá Fora
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A seguir, alguns dos principais momentos de Musk com a equipe Trump.
1. Musk sobe ao palco
Musk endossou oficialmente a reeleição de Donald Trump em julho, após a tentativa de assassinato contra ele em Butler, Pensilvânia. Três meses depois, juntou-se a Trump no mesmo local, em aparição não oficial que serviu de ponte para seu ingresso na campanha e, depois, no governo.
Nas semanas seguintes à sua participação em Butler, o comitê de ação política (PAC) de Musk inundou estados-chave com voluntários para impulsionar a onda pró-Trump. Prometeu distribuir US$ 1 milhão por dia em sorteios para eleitores registrados que assinassem uma petição do PAC —compromisso mantido mesmo após uma carta do Departamento de Justiça alertar para possível ilegalidade em incentivar registros de eleitores com pagamento. Nas semanas finais da eleição, sua exposição na mídia, comícios e milhões em doações o transformaram na face pública da campanha de Trump.
2. O gesto de saudação na posse
Dentro de horas após Trump prestar novo juramento, Musk já gerava polêmica. Em discurso após a posse, agradeceu aos apoiadores de Trump colocando a mão no peito e, em seguida, levantando-a com a palma aberta —gesto que provocou preocupação internacional, com alguns comparando-o a uma saudação nazista.
Musk descartou a controvérsia como viés partidário e “propaganda pura” da “mídia tradicional”, e a Liga Antidifamação descreveu-o como “um gesto desajeitado num momento de entusiasmo, não uma saudação nazista”. Mas políticos e especialistas em extremismo expressaram receio de que tal gesto, vindo de um dos principais conselheiros de Trump —somado ao apoio de Musk ao partido alemão de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD)— sinalizasse objetivos mais amplos do governo.
3. Musk empunha uma motosserra contra agências federais
Uma semana após as eleições, Trump anunciou que nomearia Musk e o ex-executivo farmacêutico Vivek Ramaswamy para liderar uma nova comissão de cortes de gastos e regulação. Musk vinha defendendo há meses a criação do Departamento de Eficiência Governamental, e em fevereiro Trump assinou uma ordem executiva determinando que agências federais trabalhassem com o Serviço Doge dos EUA.
Nas semanas seguintes, a equipe de Musk lançou uma blitz caótica em Washington, desmantelando agências e demitindo centenas de milhares de servidores públicos. Com isso, agentes do Doge obtiveram acesso a registros altamente restritos de milhões de funcionários federais, para desalento de autoridades de segurança. E Musk parecia se deliciar no papel, exibindo uma motosserra que recebera do presidente argentino Javier Milei na Conservative Political Action Conference, em 20 de fevereiro.
Diversas ações judiciais surgiram para frear o avanço do Doge. Uma coalizão de sindicatos, governos locais e ONGs processou o governo Trump em abril para impedir demissões em massa. Uma aliança de 24 estados e o Distrito de Columbia entrou com ação contra a dissolução do AmeriCorps. Dezenove procuradores-gerais estaduais processaram o Doge no Departamento do Tesouro para barrar seu acesso a sistemas de dados financeiros sensíveis.
Uma análise do The Washington Post em fevereiro concluiu que o Doge havia superestimado suas economias de US$ 55 bilhões, incluindo na conta mais de 1.100 contratos já concluídos e pagos. O Doge corrigiu os dados posteriormente, reduzindo em US$ 9,3 bilhões o valor divulgado inicialmente.
Em entrevista ao The Washington Post nesta semana, Musk admitiu que reduzir o tamanho do governo federal foi mais difícil do que esperava e lamentou as críticas ao Doge.
“O Doge está virando o bode expiatório de tudo”, afirmou ele.
4. Teslas na Casa Branca
A cena de Trump procurando um novo Tesla em março —quando a entrada da Casa Branca foi brevemente transformada num estacionamento improvisado— simbolizou o apoio presidencial a Musk. Mas o episódio também suscitou questões éticas sobre a promoção comercial de uma empresa privada pelo presidente.
Não demorou para que a Tesla se tornasse alvo de protestos: lojas e estações de recarga foram vandalizadas, e veículos atacados, enquanto manifestantes se reuniam em frente à sede da SpaceX. A Tesla registrou queda de 71% nos lucros no primeiro trimestre em relação ao ano anterior, e analistas atribuem parte desse desempenho à ligação de Musk com o governo Trump.
O envolvimento de Musk na Tesla também o colocou em rota de colisão com o governo em tema de tarifas. Embora suas críticas públicas tenham mirado conselheiros de Trump, e não o presidente, Musk se opõe a tarifas desde o primeiro mandato de Trump —com China e EUA sendo polos fundamentais de fabricação e consumo para a Tesla.
5. Muito dinheiro —mas nenhuma vitória— na disputa pela Suprema Corte de Wisconsin
Musk causou furor ao entregar cheques de US$ 1 milhão a dois eleitores de Wisconsin enquanto tentava ajudar conservadores a conquistar a Suprema Corte estadual. Mas, apesar do pesado engajamento e dos gastos astronômicos —a disputa tornou-se a mais cara da história judiciária dos EUA— seu candidato, Brad Schimel, perdeu por 10 pontos percentuais para a democrata Susan Crawford.
Mesmo antes da votação em 1º de abril —vista como referendo sobre Musk e Trump— pesquisas já indicavam queda na popularidade de Musk. E, embora falte consenso sobre o impacto direto de sua atuação, o Partido Republicano teve desempenho pior nessa disputa judicial do que na eleição para superintendente escolar, onde Musk não atuou.
A derrota fez republicanos questionarem o papel de Musk em outras eleições e seu futuro no governo Trump.
Fonte ==> Folha SP