Agricultores de Parelheiros trocam hortaliças por frutas – 27/06/2025 – Ambiente

Um homem está posando em uma estufa de cultivo, cercado por fileiras de mudas de alface. Ele usa um boné azul e óculos, e está vestido com uma camisa xadrez sobre uma camiseta cinza. A estufa é feita de madeira e plástico transparente, permitindo a entrada de luz natural. O ambiente é bem iluminado e as plantas parecem saudáveis.

Alterações nos padrões das estações do ano atingem agricultores familiares de Parelheiros, distrito no extremo sul de São Paulo, e mudam tradições de gerações. As perdas da produção de hortaliças devido ao aumento da temperatura e à chuva excessiva levam ao cultivo de alimentos adaptados ao calor, antes inviáveis na região. As mudanças climáticas afetam itens importantes para a dieta humana e trazem prejuízos nutricionais.

Parelheiros está situado na zona rural da capital paulista, em uma área de mananciais e reservas naturais. O distrito concentra 29% das propriedades agropecuárias da cidade, de acordo com a plataforma Sampa+Rural, da Prefeitura de São Paulo, e 1,3% da população do município, com 153,6 mil habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O agricultor orgânico Mauri da Silva, 48, faz parte da terceira geração de produtores da família. Ele perdeu 80% de toda a produção de hortaliças com chuvas inesperadas no início deste ano.

“O inverno é quase um outono, e o outono é quase uma primavera. A primavera é praticamente um verão, e o verão se tornou uma fornalha. Meus avós comentavam que o clima na época deles era certo, não tinha tanta surpresa. Hoje, você calcula uma coisa e pode ser que não aconteça nada daquilo que planejou”, diz Mauri.

Segundo a prefeitura, das 232 unidades de produção agropecuária registradas em Parelheiros, 47% se dedicam à horticultura (cultivo de plantas, hortaliças e frutas) e 40%, à fruticultura (cultivo exclusivo de frutas).

“Eu vivo mesmo é das verduras, mas, pensando no futuro, é fruta”, diz Mauri. As dificuldades com o clima motivam o interesse do agricultor por espécies mais resistentes a altas temperaturas.

Banana, quiabo e batata-doce, alimentos adaptados ao calor e antes inviáveis na região por causa do frio, se desenvolvem bem e ganham espaço. “É uma maluquice. Se eu falar que estou colhendo quiabo em Parelheiros, ninguém acredita. Isso não é normal”, conta.

Mauri lamenta a troca do brócolis ramoso, mais vulnerável ao clima, pelo brócolis ninja, menos nutritivo. Ana Bertolini, doutoranda em saúde global e sustentabilidade na USP, diz que as alterações climáticas podem levar à perda de alimentos importantes para uma dieta equilibrada, como a alface e a couve, caso as quebras de safras se tornem frequentes.

Segundo Eduardo Assad, pesquisador de agricultura e clima na Fundação Getulio Vargas, o problema se estende pela região Sudeste. “Do jeito que as hortaliças são produzidas hoje, é o cultivo que mais vai sofrer com as mudanças climáticas”, diz. Ele se refere ao predomínio de plantações ao ar livre.

Mauri tem uma estufa para mudas há 14 anos e planeja ter mais sombreamento nas hortas. “A agricultura é delicada, não é um jogo de cartas que você pode ficar arriscando. A certeza é que muita gente vai deixar de plantar certas coisas, porque não quer ter perdas.”

Como Mauri, a agricultora Ana Zilda Coutinho, 62, tem se interessado pela produção de frutas para compensar os estragos nas hortaliças. É o caso do figo, da banana e do abacate.

O cacau, comum em locais quentes, é outra novidade na propriedade de Ana. Ela tem duas mudas da espécie, que estão crescendo e ainda não frutificaram. A planta sequer germinava no passado.

“Se nunca teve cacau em São Paulo, é porque não nascia. Sempre tem gente testando plantas novas. O agricultor é o maior cientista do que dá certo e errado num lugar”, diz.

Ana utiliza o sistema agroflorestal, que concilia o plantio com a preservação da vegetação nativa, há 35 anos. Ela dá continuidade ao legado da mãe, Zulmira Rodrigues, 93. Zuca, como é chamada, vê diferenças entre a agricultura do passado e a praticada hoje pela filha. “A natureza está enfraquecendo, a começar pela terra”, diz.

Paulo Coutinho, 26, filho de Ana, saiu da propriedade para cursar farmácia e planeja voltar ao sítio da família para trabalhar com plantas medicinais.

O programa Sampa+Rural distribui mudas de frutos que não eram comuns em Parelheiros e são mais adaptados ao calor. Até junho de 2025 haviam sido entregues 390 mudas de cacau, 350 de banana e 289 de abacate somente na zona sul, segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET).

David Pereira, coordenador dos técnicos da prefeitura que auxiliam os agricultores da região, afirma que a diversificação dos cultivos é uma saída paliativa. Para ele, as plantações protegidas, como as realizadas em estufas, envolvem menos riscos. “A produção é maior e acaba sendo uma saída mais interessante”, diz.

O Sampa+Rural também destina verbas e apoio técnico para projetos de estufas, por meio da iniciativa Acelerando Hortas, que repassa até R$ 30 mil para agricultores selecionados em toda a cidade. Em 2024, os projetos escolhidos envolveram cultivos protegidos e irrigação, segundo Lia Palm, coordenadora de agricultura da SMDET.

Pereira acrescenta o problema das pragas, que cresceu com as estações indefinidas. Insetos que morreriam com o frio sobrevivem em um clima aquecido e atacam as plantas.

O agricultor Ernesto Oyama, 47, percebe isso no dia a dia. Ele planta hortaliças e legumes orgânicos na terra que pertence à família de imigrantes japoneses há mais de cem anos e trabalha com a mãe, Tereza Oyama, 82.

“Por causa de muita chuva, a gente começou a ter mais doenças nas plantas. Tem coisas que eu conseguia plantar antigamente e hoje não consigo, como pepino e tomate”, diz Ernesto.

David Pereira afirma que a melhor saída, hoje, remete ao passado. “Os povos tradicionais, índios e quilombolas, faziam um plantio no meio da mata, com o entorno todo protegido. Hoje a gente vem tentando reconstruir as paisagens para criar esse microclima e proteger os cultivos, porque essa saída é mais duradoura do que trocar de cultura.”


Esta reportagem foi produzida durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.



Fonte ==> Folha SP

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