Aliados de Bolsonaro mudam discurso público sobre anistia – 16/09/2025 – Poder

Um homem está em pé com os braços cruzados, usando uma camisa polo branca e calças escuras. Ele tem cabelo curto e está olhando para a frente. Ao fundo, há uma parede com uma porta e o número 3 visível. A imagem tem um efeito de grade, que obscurece parcialmente a visão do homem.

Desde as primeiras fases da discussão sobre anistia ao 8 de Janeiro na Câmara dos Deputados, especialistas apontavam que diferentes pontos dos projetos em análise traziam brechas que poderiam, em tese, beneficiar Jair Bolsonaro (PL).

O discurso corrente entre políticos bolsonaristas e o próprio ex-presidente era outro: não haveria o objetivo prioritário de incluí-lo na proposta, mas sim os presos do 8/1, sob a defesa do que chamavam de anistia humanitária.

Diante do novo impulso à pauta em meio ao julgamento de Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal), o que era evasivo passou a ser bandeira aberta no discurso de aliados, para quem o texto necessariamente tem que beneficiar o ex-presidente.

Um exemplo disso está na fala do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, que, no último dia 4, afirmou que só interessava ao partido uma anistia que incluísse Bolsonaro.

Em abril, o líder respondia à pergunta em tom bastante distinto. À época, questionado se o projeto incluiria Bolsonaro, ele respondeu à Folha: “Lógico que não. Ele não é transitado em julgado, ele não tem condenação. Como é que nós vamos anistiar alguém que não está condenado ainda?”.

Bolsonaro foi condenado na última quinta-feira (11) e o processo deve transitar em julgado nos próximos meses. A proposta articulada por Sóstenes agora pretende derrubar até mesmo penas de inelegibilidade declaradas pela Justiça Eleitoral.

No primeiro semestre, quando foram coletadas as assinaturas de apoio ao requerimento de urgência, o discurso era o de que a amplitude da proposta ainda seria discutida. Houve resistências da cúpula da Casa em pautar a urgência, e uma nova versão trouxe ajustes no texto, mas ainda com brecha para beneficiar Bolsonaro.

Ao longo desse período, a protagonista nos discursos em defesa da pauta da anistia era Débora Rodrigues, condenada a 14 anos de prisão pelo Supremo e que ficou conhecida por ter pichado a estátua “A Justiça” com batom.

Fazendo referência a ela, Bolsonaro chamou seus apoiadores para ato em São Paulo, afirmando que a medida era “o remédio para mais essa enorme injustiça” e, sem fazer qualquer menção a si próprio, que era pela “anistia dos reféns do 8 de janeiro”.

Em outro momento, durante visita ao Senado em fevereiro, respondeu evasivamente sobre o assunto, dizendo que o projeto de lei não tinha o nome dele e que ele nem sequer estava no Brasil no 8 de Janeiro.

Em junho do ano passado, o recém-designado relator da proposta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o deputado federal Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), chegou a afirmar que Bolsonaro tinha pedido “de maneira clara para que ele fosse excluído desse projeto de anistia”, adicionando que a proposta trataria apenas dos presos e dos que respondiam processos sobre o 8/1. O deputado dizia ainda que, quando chegasse o momento oportuno, esperava poder trabalhar para que Bolsonaro se tornasse elegível em 2026, mas que o projeto da anistia não tinha “nada a ver com isso”.

No último dia 5, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) escreveu que “partidos como PP, União Brasil, Republicanos e Podemos já estão apoiando a anistia aos perseguidos do 8 de janeiro, incluindo Jair Messias Bolsonaro”.

Na avaliação do deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), a maior parte das pessoas que assinaram a urgência do projeto de anistia no primeiro semestre não consideravam que ela abrangeria Bolsonaro e que esse era o discurso oficial dos que articulavam a proposta.

Ele vê, nas sanções impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma possível explicação para a mudança de postura. “Ficou mais claro que o objetivo final sempre foi o Bolsonaro, mas acho que sentiam que não tinham força política para fazer essa defesa”, diz Kataguiri à Folha, afirmando ainda que não votará a favor da anistia se ela incluir o ex-presidente e “o núcleo duro da tentativa de golpe”.

Já a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), que atuou como líder do partido na Casa até abril deste ano, vê a mudança como um impacto do contexto, frente ao sentimento de que haveria uma perseguição em curso e que os parlamentares estariam vendo as coisas passarem dos limites.

Ela diz ainda que, se antes se falava que o foco da anistia seriam os presos do 8/1, sem envolver Bolsonaro, agora mudou-se o entendimento e isso é tratado como algo que pode acontecer.

Fabio Wajngarten, que foi secretário de Comunicação no governo Bolsonaro e é um de seus principais aliados, diz que, a seu ver, a mudança no discurso se deve a um amadurecimento do debate e que a “anistia é um freio de arrumação necessário, inclusive, para a corte”.

Ele afirma ainda que “não há razão para o presidente estar inelegível” e que a proposta deve ser ampla. “Anistia para abarcar tudo e todos e de forma irrestrita, ilimitada e incondicional, inclusive para quem cometeu abuso de autoridade.”

A aprovação de texto que inclua a reversão da condenação eleitoral, no entanto, é apontada como improvável, especialmente porque não haveria interesse na medida por parte do centrão —que teria no governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu favorito para 2026.

Em post no último dia 5, o deputado federal Eduardo Bolsonaro escreveu que “querem tirar” seu pai da anistia para poder chantagear o ex-presidente a respeito das eleições de 2026 e que “qualquer anistia que não seja ampla e irrestrita” não seria aceita.

Em agosto, relatório da Polícia Federal revelou que, no mês anterior, Eduardo tinha enviado mensagem privada a seu pai afirmando que, se a “anistia light” passasse, a última ajuda vinda seria um post feito por Trump naquela data, que ele não teria mais amparo dos EUA, e “estaria igualmente condenado final de agosto”.

Eles rechaçam proposta alternativa, defendida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que reduza as penas dos condenados pelo 8 de Janeiro, mas sem a inclusão do andar de cima.



Fonte ==> Folha SP

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