América Latina deve se unir para expandir programas nucleares e Banco do BRICS pode ajudar

América Latina deve se unir para expandir programas nucleares e Banco do BRICS pode ajudar

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que financiamento e comprometimento com projetos de longo prazo estão entre os obstáculos para a consolidação da matriz energética na região.

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será realizada em Belém, no estado do Pará, no próximo mês, as conversas sobre energia limpa se intensificam e ganham maior atenção do público. Uma opção para avanços significativos nessa área passa desapercebida pela maioria das pessoas: a energia nuclear.

Apesar do temor das pessoas com essa fonte de energia, países da América Latina, como Argentina, Brasil e México, possuem usinas nucleares que geram energia para suas respectivas populações, ainda que de maneira incipiente. Segundo a Associação Nuclear Mundial, os reatores dessas nações geram cerca de 5% da eletricidade total dos sistemas nacionais.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam que a dificuldade de financiamento e a falta de comprometimento com projetos de longo prazo são algumas das barreiras para a expansão das usinas nucleares na América Latina.

Astrid Cazalbón, coordenadora de projetos do Observatório Latino-Americano da Geopolítica Energética, entende que o grande impasse na América Latina é a falta de crédito a longo prazo. Segundo a analista, que é doutoranda de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o desenvolvimento nuclear requer planejamento e uma grande mobilização, tanto financeira como da sociedade.

“Na medida em que a gente não faz isso, a gente depende de potências externas que dão financiamento de maneira mais fácil, que a gente não precisa estar tão bem-planejado assim. E aí a gente depende deles, das tecnologias. Então isso é uma questão nossa, dos nossos países. Ou seja, basicamente, nossos países são os que têm que tomar a decisão, que têm que enxergar esse caráter estratégico da energia nuclear.”

Cazalbón acredita que essa matriz é a melhor solução para os países da América Latina que estão em busca de energia limpa e, principalmente, estável. Segundo a especialista, é preciso enxergar o campo nuclear como a chance de desenvolver diferentes vertentes da tecnologia de um país.

“Se a gente considerar de maneira sistêmica, a energia nuclear não é tão cara como se fala que é. Se considerar todos os benefícios que ela tem, de não ter cortes, de fazer com que outros setores também se desenvolvam […] — que é o setor do agro, de aplicações tecnológicas, de aplicações na parte da indústria, da medicina —, se a gente considerar o conjunto, é difícil de calcular os benefícios da energia nuclear.”

Leonam Guimarães, coordenador do Comitê Científico e Tecnológico da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul), diretor técnico da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) e ex-presidente da Eletronuclear, afirma que uma fonte viável para o financiamento de projetos nucleares na América Latina seria o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), melhor conhecido como banco do BRICS.

O especialista destaca que os cinco países originais do agrupamento têm capacidade nuclear, dando ênfase à Rússia e a seu pioneirismo na construção de usinas ao redor do mundo.

“O poder econômico do banco do BRICS pode alavancar a tecnologia nuclear nos novos países aderentes e nos próprios países que já fazem parte desse núcleo inicial. Ao mesmo tempo, considerando que a Rússia e a China são países que têm um desenvolvimento na área nuclear bastante elevado, sendo a Rússia o país que mais exporta usinas nucleares no mundo […], o BRICS pode ser uma grande alavanca, especialmente do ponto de vista do financiamento.”

Assim como Cazalbón, Guimarães afirmou que a energia nuclear eleva a autonomia de abastecimento com geração firme e reduz a vulnerabilidade à hidrologia, o consumo de fósseis importados e a volatilidade de preços dos combustíveis. O ex-presidente da Eletronuclear não acredita que seja possível ser autônomo em uma era de globalização, mas confia que a América Latina pode cooperar entre si em busca de uma cadeia produtiva independente em pontos críticos.

“Políticas realistas, transferência contratual de tecnologia, coprodução, pesquisa e desenvolvimento doméstico contínuo, e consolidação de cadeias regionais é a maneira de superar o colonialismo tecnológico, ou seja, reduzir a dependência e ter um setor mais autônomo.”

Indústria nuclear na América Latina

Apesar da crise econômica que a Argentina vive ao longo dos últimos anos, o país possui uma planta nuclear consolidada ao nível de América Latina, em especial no campo dos reatores de pesquisa, sendo Buenos Aires um exportador de rádios ópticos para uso médico.

Cazalbón destaca que a Argentina é o principal parceiro do Brasil no campo nuclear em número de acordos, mas ela enfatiza que não é possível ter a real dimensão da qualidade desses tratados, ou seja, qual o impacto no desenvolvimento da energia nuclear. O México também já foi um grande interessado em tratados com as duas nações sul-americanas, mas dificuldades políticas impediram o progresso entre as partes.

“Mais ou menos na década de 1980, foram assinados vários acordos, principalmente [entre] Brasil e Argentina, e ali eles se comprometiam, digamos, a impulsionar a transferência tecnológica, a pesquisa conjunta, por exemplo, a desenvolver a indústria, mas isso ficou meio que para trás, com governos que depois não tiveram muito interesse em avançar, infelizmente.”

Guimarães entende que o afastamento político entre Brasília e Buenos Aires é algo momentâneo e que o longo histórico de cooperação nuclear pode ser retomado, também reforçando a importância de trazer o México para a conversa.

“Nós esperamos que essa tormenta política que tem acontecido se acalme ao longo do tempo, porque Brasil e Argentina são indissociáveis e, juntos, são muito mais fortes […]. Então eu acredito que, sem dúvida nenhuma, essa cooperação deve aumentar e nós devemos trazer para a cooperação o México também, que infelizmente é um pouco afastado nessas atividades.”

O analista conta que o Brasil fez um grande investimento em formação técnica e pesquisa no campo nuclear até o início dos anos 1980, mas esse foco governamental se perdeu e somente foi retomado no fim dos anos 2000. Em sua opinião, há espaço no país para investimentos em diferentes tipos de instalações nucleares, em especial as que utilizam pequenos reatores modulares (SMR, na sigla em inglês) para geração de energia em lugares isolados.

“Os pequenos reatores modulares também têm um papel importantíssimo no Brasil. Um desses papéis é gerar eletricidade em locais isolados. Lembrando que a gente tem um enorme sistema interligado nacional, mas a gente tem uma enorme parte da Amazônia que opera em sistemas isolados. É uma região com baixa densidade populacional, não valeria a pena, do ponto de vista econômico nem ambiental, fazer linhas de transmissão para interligar esses relativamente pequenos núcleos de consumo.”



Fonte ==> Bahia Notícias

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