A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) recusou pedido de conexão de um projeto de produção de hidrogênio verde da Solatio, com capacidade prevista de 3 GW por ano, a ser instalado na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Parnaíba, no estado do Piauí.
O indeferimento pela agência segue recomendação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), com justificativas de sobrecarga estrutural da rede que seria agravada pela conexão do projeto e riscos concretos de colapso de tensão em diversas subestações adjacentes.
Segundo o ONS, há ausência de reforços estruturantes previstos no curto prazo no Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (POTEE) capazes de mitigar esses problemas no horizonte de conexão pretendido.
A análise feita pelo ONS também foi usada pela autarquia em negativas semelhantes envolvendo os projetos de amônia verde e data center da Casa dos Ventos.
A Solatio previa a conexão do projeto à subestação Parnaíba III, com início da operação em dezembro de 2028. A empresa estima produzir hidrogênio verde a menos de US$ 3 por quilo, com foco nos mercados da Europa e da Ásia. Memorandos de intenção já foram assinados com potenciais compradores internacionais.
Segundo apuração da MegaWhat, a definição final dos investimentos no projeto depende apenas de trâmites formais, uma vez que a parte financeira já estaria equacionada.
DEFESA DA SOLATIO
Depois da Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME) reconhecer as alternativas de conexão à Rede Básica do empreendimento em agosto de 2024, a empresa protocolou junto ao ONS solicitação formal de acesso do projeto ao sistema de transmissão, tendo o pedido negado neste ano.
A empresa solicitou a revisão da decisão e alegou inconsistências técnicas nos estudos apresentados pelo ONS, criticando a falta de transparência nas premissas e metodologias utilizadas. Isso, segundo a Solatio, geraria insegurança jurídica.
Um dos pontos questionados foi a alegada sobrecarga na linha de transmissão de 500 kV entre Sol de Itaueira e Boa Esperança, bem como riscos de colapso nas subestações Teresina IV, Jaguaruana II, Sol de Itaueira e Parnaíba III. A empresa argumenta, com base em simulações da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que a sobrecarga estaria diretamente ligada ao despacho da geração das UFVs Sol de Itaueira (1.300 MW).
A Solatio propôs a flexibilização ou modularização do bipolo Graça Aranha–Silvânia como solução para mitigar os impactos. O bipolo, com 1.468 quilômetros de extensão em corrente contínua, foi arrematado pela State Grid em leilão de transmissão realizado em 2023.
A estrutura atravessará os estados do Maranhão, Tocantins e Goiás e é considerada essencial para o escoamento da energia renovável produzida no Nordeste para o restante do país.
A Solatio também contestou a alegação do ONS sobre a ausência de assinatura do Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST), documento obrigatório para o uso da infraestrutura por geradores e consumidores.
Para a empresa, a exigência de garantias financeiras viola o atual arcabouço regulatório, pois não há previsão legal para esse tipo de exigência em casos de consumidores livres.
Os impactos econômicos e institucionais também foram apontados pela companhia, sob a ótica de comprometimentos de investimentos estratégicos no setor de hidrogênio verde.
DECISÃO DA ANEEL
Segundo o processo administrativo da Aneel, o ONS ressaltou que o bipolo Graça Aranha–Silvânia foi projetado para otimizar o intercâmbio de energia entre regiões, considerando segurança operativa. A redução de sua capacidade para atender a cargas locais poderia levar à realocação da geração dentro do Nordeste e, na prática, causar cortes na geração regional (curtailment).
A Aneel afirmou que seria “irrealista” esperar que o sistema de transmissão mantenha capacidade ociosa para absorver, de forma imediata, dezenas de gigawatts em nova carga, pois poderia resultar em um sistema superdimensionado, caro e ineficiente, impactando diretamente as tarifas de energia dos consumidores.
“Se assim fosse, significaria um superdimensionamento altamente dispendioso e ineficiente da rede, acarretando tarifas mais elevadas para todos os usuários sem a real necessidade prática e em discordância com a eficiência da prestação de um serviço público e da modicidade tarifária”, destacou uma nota técnica da agência reguladora.
A agência também ponderou que os estudos da EPE citados pela Solatio não substituem o parecer técnico do ONS, que utiliza critérios conservadores e simula cenários de estresse para garantir a confiabilidade do sistema.
Quanto às garantias financeiras, a Aneel esclareceu que o decreto nº 5.597/2005 não exige esse tipo de garantia para acesso à rede de transmissão. A autarquia ressaltou que a possibilidade de exigência está em discussão no planejamento setorial e poderá ser formalizada futuramente.
Por fim, a Aneel afirmou que a inviabilidade da conexão é temporária, sendo que a empresa pode continuar desenvolvendo o projeto, enviar um novo pedido atualizado e/ou aguardar a execução de obras estruturais que viabilizem sua conexão de forma segura, ou ainda redimensioná-lo a um tamanho inicial que tenha espaço na rede.
Fonte ==> Folha SP