Em uma remota ilha australiana, conhecida por sua beleza natural, pesquisadores fizeram uma descoberta macabra: aves marinhas ingeriram tanto plástico que fazem barulho quando tocadas.
A descoberta angustiante de plástico no estômago de aves, incluindo filhotes com menos de três meses de idade, é um alerta grave para a saúde de outras espécies no ambiente marinho, disse o ecologista Alex Bond, curador principal do Museu de História Natural da Inglaterra.
Bond retornou recentemente de uma visita à Ilha Lord Howe, um território remoto a cerca de 580 km da costa leste da Austrália. Ele faz parte de uma equipe de pesquisadores do Adrift Lab, grupo global que estuda o impacto da poluição plástica nos oceanos, que tem estudado as aves da ilha, pardelas-de-pés-carnudos, por quase duas décadas.
A última viagem levou à descoberta de uma ave morta com 778 pedaços de plástico compactados em seu estômago “como um tijolo”, disse Bond. Isso superou o triste recorde do ano passado, quando uma ave foi encontrada contendo cerca de 400 pedaços. Os pesquisadores acreditam que as aves marinhas têm pescado pedaços de plástico do oceano e dado como alimento aos seus filhotes.
“Não estamos falando de microplásticos“, disse Bond em uma entrevista por telefone. “Estamos falando de itens de tamanho de tampas de garrafas e tampas de embalagens tetra pak, talheres, prendedores de roupa, aquelas garrafinhas de molho de soja, em formato de peixe, que você recebe em restaurantes… Esse é o tipo de coisa que estamos encontrando nos estômagos desses filhotes de 80 dias de idade.”
‘Um som angustiante de estalido’
A Ilha Lord Howe é lar de apenas 445 pessoas e está listada no Patrimônio Mundial da ONU por sua paisagem vulcânica e numerosas espécies de aves. É o lar de cerca de 44 mil pardelas-de-pés-carnudos — também conhecidas como pardelas-de-asas-escuras ou aves-carneiro— que se reproduzem na ilha antes dos filhotes deixarem o ninho e voarem para o Japão, com cerca de 90 dias de idade, disse Bond. Elas passam até sete anos de suas vidas no mar antes de retornarem à ilha para se reproduzir.
Os pesquisadores vasculharam a praia em busca de aves mortas e realizaram necropsias para ver o conteúdo de seus estômagos. Eles também lavaram os estômagos de aves vivas com água em um procedimento que Bond disse ser inofensivo. Algumas delas foram encontradas contendo até 60 gramas de plástico —até 20% de sua massa corporal, disse Bond.
O plástico está sendo dado como alimento aos filhotes por seus pais, que o confundem com comida enquanto pescam no mar da Tasmânia devido ao sinal químico que ele emite, explicou. “Essas aves comem peixes e lulas, e, sabe, os pedaços que retiramos, não há como isso estar acidentalmente preso… a uma presa”, disse ele.
O plástico faz um “som angustiante de estalido” que pode ser ouvido pressionando logo abaixo do esterno da ave —semelhante a onde estaria um umbigo em um humano, disse Bond. “Nas aves mais severamente afetadas, você pode ouvir isso enquanto elas ainda estão vivas.”
Jack Rivers-Auty, professor de biomedicina da Universidade da Tasmânia, que tem visitado a Ilha Lord Howe nos últimos cinco anos, disse que enquanto algumas são “crocantes”, outras foram apelidadas de “aves-tijolo” pela equipe porque suas barrigas se tornaram “tijolos sólidos e compactos —provavelmente devido à sua dieta marinha oleosa.”
“Esses termos já foram raros, usados com uma espécie de novidade sombria. Este ano, nós os usamos todos os dias”, escreveu ele em um email. “A crise do plástico está acelerando e exigindo mais de todos nós.”
‘Canário na mina de carvão’
Especialistas disseram que as descobertas servem como um “canário na mina de carvão” para outras espécies. “As coisas que estamos vendo agora em pardelas-de-pés-carnudos são coisas que certamente veremos em muitas mais espécies nos próximos anos e décadas”, disse Bond.
Os humanos encheram os oceanos do mundo com mais de 170 trilhões de pedaços de plástico, de acordo com um estudo de 2023, criando uma poluição plástica que está dobrando a cada seis anos aproximadamente.
A taxa de produção também não está diminuindo, com mais de 460 milhões de toneladas métricas de plástico produzidas a cada ano, o equivalente a mais de 300 mil baleias azuis, de acordo com o Programa Ambiental da ONU. O plástico pode levar centenas de anos para se decompor, com pequenas partículas conhecidas como microplásticos encontradas em todos os lugares, desde a neve antártica até as nuvens acima do Monte Fuji, e dentro do corpo humano.
Rivers-Auty disse que inicialmente presumiu que o plástico afetaria as aves em seu estômago, fígado e rins. Mas as descobertas da equipe mostram que ele tem um impacto em “quase todos os sistemas de órgãos”.
“O mais perturbador é que o cérebro parece particularmente vulnerável. Estamos vendo marcadores de neurodegeneração —semelhantes à demência— em aves com menos de 100 dias de idade.” Ele disse que a pesquisa da equipe mostra que mesmo 1 a 2 gramas de plástico são suficientes para desencadear sérias consequências para as aves, levantando questões sobre a exposição entre outras espécies.
“Precisamos fazer essas perguntas, com urgência e coletivamente, porque os sinais já estão aqui.”
Planeta em Transe
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas
Fonte ==> Folha SP