Não é preciso nem meia hora de navegação às margens da costa e de praias para alguém gritar “borrifou ali” e todos no barco virarem para algum ponto no mar à espera de um salto ou de uma batida de cauda. A migração de baleias-jubarte no litoral norte paulista promete recorde de avistamentos em 2025.
Apesar de a temporada de turismo de observação ter sido aberta oficialmente em Ilhabela e São Sebastião no dia último 3, esses cetáceos vindos da região antártica rumo a Bahia para reprodução no litoral brasileiro, já passam por ali há um mês e meio.
Conforme estatísticas do ProBaV (Projeto Baleia à Vista), entre 28 de abril e quarta-feira (4) foram avistadas 159 baleias-jubarte nessa faixa do litoral norte de São Paulo —no mesmo período do ano passado foram 63, ou seja, quase o dobro.
“Estamos batendo recordes incríveis neste ano”, diz Júlio Cardoso, colaborador do projeto. “Elas estão vindo nessa rota costeira em número muito maior por algum fator que não sabemos. Pode ser clima ou oferta de alimentos”, afirma.
Também há casos de baleias que ficam na região por três ou quatro meses. “No ano passado identificamos umas dez juvenis [jovens] que ficaram meses aqui. Neste ano estamos acompanhando algumas há uns 20 dias.”
Em 2024, aponta Cardoso, houve o registro de 561 jubartes na região. O recorde é de 2023, com 786.
A passagem desses animais na costa do litoral norte começou a chamar a atenção há cerca de uma década, explica a bióloga Rafaela Souza, coordenadora da base do Instituto Baleia Jubarte em Ilhabela.
“Com a proibição da caça [em 1986], essa população começou a reocupar áreas que ocupavam historicamente, como em Ilhabela”, diz a especialista.
Durante pouco mais de quatro horas, a reportagem acompanhou a primeira saída oficial para avistamento de baleias-jubarte em Ilhabela na terça passada. Foram vistos ao menos sete exemplares —em dois locais, na Ponta da Sela e próximo à praia do Bonete, no sul da ilha, três delas deram “shows” de tirar o fôlego, com enormes saltos —um deles duplo, inclusive.
Uma das jubartes avistadas pela Folha nadava próxima a um homem em um pequeno barco a remo a menos de 500 metros da praia da Feiticeira, uma das mais frequentadas na ilha.
São espetáculos como esses que devem atrair até o fim de agosto —quando normalmente termina a migração das baleias— cerca de 120 mil pessoas a Ilhabela e São Sebastião, de acordo com o Ciet (Centro de Inteligência da Economia do Turista), órgão ligado à Setur-SP (Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo).
No ano passado, 12 mil turistas participaram de passeios de observação de cetáceos na região.
Ao todo, Ilhabela espera receber 630 mil pessoas, de maio a agosto, de acordo com o Observatório de Turismo do município —no mesmo período do ano passado foram 535 mil visitantes.
A movimentação financeira direta com essa modalidade de turismo é estimada em R$ 138 milhões, dinheiro vindo dos que partem para o mar para avistamentos, e de parentes e amigos que ficam em terra firme (ou na areia).
“A baleia é uma atração que ajuda a manter o turismo em alta, mesmo no período mais frio”, afirma o prefeito Toninho Colucci (PL). “É uma ruptura com a sazonalidade”, diz Roberto de Lucena, secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo.
A partir de informações das dez maiores operadoras da região, a pasta estadual afirma que as saídas náuticas para avistar baleias já faturam mais no inverno do que em passeios de verão.
“São saídas mais longas, para um público que investe e valoriza este tipo de experiência”, afirma Gustavo Benedito, que coordena grupos de avistamento de baleias da operadora Capitão Ximango, de São Sebastião.
O valor por pessoa varia de R$ 200 a R$ 500. No caso da Maremar, de Ilhabela, um biólogo acompanha o passeio, que individualmente custa R$ 400 e dura, em média, quatro horas.
Para tentar evitar riscos a esses mamíferos que podem chegar a quase 20 metros de comprimento e aos próprios turistas, Ilhabela capacitou mais de 200 pessoas, como marinheiros e operadores de turismo, para seguirem uma portaria do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com regras de observação.
Por exemplo, é preciso manter uma distância mínima de 100 metros de uma baleia. O motor do barco deve ser mantido ligado, mas com hélice parada.
A capacitação, conforme Colucci, envolveu o Corpo de Bombeiros, para ajudar na fiscalização, além da Defesa Civil e biólogos.
Assim como em São Sebastião, empresas da cidade que passam pelo treinamento ganham um selo para estimular práticas de avistamento responsável.
Para a bióloga Daniela, o turismo agrega valor à preservação do animal porque sensibiliza as pessoas. “Quem vê uma baleia se emociona, não esquece e acaba se conectando com a questão da conservação”, diz. “Mas precisa ser feito de forma responsável.”
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Na quarta-feira passada, biólogas no deck de observação do Viva Instituto Verde e Azul, no sul da ilha, analisavam de três a quatro baleias, quando um grupo de nove barcos se aglomerou no entorno e afugentou os animais. “Elas mudaram para um comportamento evasivo naquela grande confusão”, diz Maria Emilia Morete, a Mia, presidente da instituição.
Para ela, é preciso educação contínua e mais fiscalização. “São 18 mil barcos registrados aqui.”
De acordo com a prefeitura, quando há o flagrante de um barco que se aproxima além do permitido de uma baleia, um vídeo é gravado e as informações são passadas para que o Ibama possa fazer a atuação —segundo a lei, molestar de forma intencional qualquer espécie de cetáceo, pinípede ou sirênio em águas jurisdicionais brasileiras pode render multa de R$ 2.500.
Instalado desde 2019, a Viva faz o avistamento em terra, a partir de um deck a 110 metros do nível do mar, com raio de visão de aproximadamente 200 km. Todas as baleias e golfinhos observados ali são catalogados.
Jornalistas viajaram a convite da Prefeitura de Ilhabela
Fonte ==> Folha SP