Foi na casa de Alexandre Cabral, então com 15 anos de idade, que em 1995 nasceu uma biblioteca que hoje possui 13 mil livros e 40 mil pessoas associadas dentro de Paraisópolis, a maior favela de São Paulo.
“Não é um mar de rosas, enfrentamos muitas coisas, mas olho para trás e lembro que a biblioteca era num barraquinho e hoje temos esse acervo todo, sinto orgulho”, diz Alexandre sobre a Becei (Biblioteca Escola de Crescimento Infantil), que completa 30 anos.
Já no ano seguinte, a Becei ostentava a Medalha de Honra ao Mérito do Livro, que recebeu do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, além do reconhecimento da Biblioteca Nacional como a primeira biblioteca de periferia do Brasil.
Em 2018, cerca de 87% desses espaços comunitários estavam nas zonas periféricas das cidades, mostrou o levantamento “Bibliotecas Comunitárias no Brasil: Impacto na Formação de Leitores”. Dessas iniciativas, 35,7% foram criadas por coletivos e grupos de pessoas e 30,8% por movimentos sociais.
Para Rhuan Barreto, morador de Paraisópolis e voluntário da biblioteca local, o trabalho desenvolvido por meio do acesso aos livros é muito importante para o avanço da favela. “Acredito que ter leitura e educação é uma forma de ascensão social, é uma maneira de pensar num futuro melhor para a comunidade.”
Em meio à falta de acesso a espaços culturais e de investimento, as bibliotecas comunitárias representam a força de pessoas que decidiram contrariar a realidade e sonhar com um mundo diferente dentro das favelas.
No distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, está localizada a Biblioteca Luiza Erundina. O projeto, nascido em 2008 no coração da favela da Erundina como um espaço de acolhimento para crianças, tornou-se uma biblioteca comunitária devido à necessidade de incentivo e proteção à leitura das crianças do bairro.
“A gente é meio maluco. Queremos transformar uma favela em uma comunidade leitora, brinca Mariana Brito, que além de professora de escola pública é coordenadora institucional do Bloco do Beco, instituição que conduz o projeto. “Não é um trabalho fácil, há muitas coisas para competir com a gente, como a própria dinâmica da favela e as questões de vulnerabilidade”, diz.
A biblioteca está inserida no projeto Território Educador, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que busca tornar a favela da Erundina uma comunidade leitora. Com esse desafio, o projeto iniciou um programa de alfabetização dentro do próprio espaço, além do incentivo à leitura em parceria com escolas do bairro e distribuição de livros para crianças.
O projeto propõe que as famílias das crianças que frequentam a biblioteca também sejam incentivadas ao hábito de leitura. Uma vez por semana, uma criança é sorteada com a missão de ler um livro com seus familiares.
Com dois filhos que frequentam o espaço diariamente, Solange Silva cita a importância que a leitura ganhou na rotina da sua família, por meio das atividades da biblioteca. “A gente volta a ser criança e aprende junto com eles. Aqui em casa, a hora da leitura é no final de semana. Eu e meu marido sempre acompanhamos.”
Atualmente, a biblioteca recebe em média cerca 50 crianças e adolescentes por semana para atividades como contação de histórias, aulas de maracatu, arteterapia e saraus.
Em abril de 2025, o governo federal, por meio do Ministério da Cultura, lançou o Novo Plano Nacional de Livro e Leitura, revisando as metas estipuladas anteriormente, visando a promover a valorização do livro, da leitura, da escrita e das bibliotecas nos próximos dez anos.
O plano possui quatro pilares: democratização do acesso, fomento e leitura, valorização institucional da leitura e fomento à cadeia produtiva do livro —assim como fortalecer as bibliotecas públicas e comunitárias em todo o Brasil.
Em 2024, foi assinado o decreto 12.021, que determina que as bibliotecas comunitárias sejam cadastradas no Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, para que esses espaços recebam periodicamente obras literárias para a ampliação e atualização de seus acervos.
Também na zona sul está a Biblioteca Fátima Viana, criada em 2024 pelo Instituto Jatobás, que atua há 19 anos. A iniciativa no distrito de Campo Belo homenageia em vida a líder comunitária e educadora do território.
Emile Machado, diretora de operações da entidade, conta que o espaço possui um perfil diferente do senso comum das bibliotecas mais tradicionais, tendo como guia o letramento, não apenas por meio dos livros, mas também do teatro e mediação de leitura, oficinas e jogos.
“A gente chama de biblioteca viva, porque não se propõe a ser um espaço onde apenas se pega os livros, é um espaço de interação e acolhimento. É um lugar onde a gente não quer silêncio. O projeto atende cerca de 8.000 famílias dentro das 24 favelas que estão ao redor do instituto, como a favela do Canão, no Brooklin, e a favela do Morro Piolho, próximo ao aeroporto de Congonhas.”
Segundo o Mapa da Desigualdade de 2024, o distrito de Campo Belo ocupa a 73ª posição entre os 95 distritos paulistas no quesito disposição de equipamentos públicos de cultura. A região não possui, por exemplo, CEUs (Centro de Educação Unificada), casas ou fábricas de cultura.
“O acesso à leitura e a oportunidade de ampliar a visão da realidade também são formas de contribuir com a diminuição da desigualdade”, diz Emile.
Os dados da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, realizada pelo Instituto Pró Livro em parceria com o Ministério da Cultura em 2024, revela que 53% dos brasileiros não leram um livro nos últimos três meses.
Desde a última edição da pesquisa, feita em 2019, o Brasil perdeu cerca de 7 milhões de leitores. Atualmente, existem 93 milhões de leitores.
Fonte ==> Folha SP