O apóstolo Estevam Hernandes, que idealizou em 1993 a Marcha para Jesus, diverge de colegas pastores que só veem uma possibilidade política para quem se diz cristão: o conservadorismo.
“Se cristão quiser ir para o céu, ele pode ser de direita ou de esquerda”, diz Hernandes, que estará nesta quinta-feira (19) à frente da 33ª edição da marcha pelas ruas da região central e zona norte de São Paulo.
Claro que há uma “incompatibilidade de pautas”, sobretudo no campo dos costumes, mas seria pretensão exigir que um fiel não vote no PT, por exemplo, ele diz à Folha.
O apóstolo, que fundou nos anos 1980 a Igreja Renascer em Cristo, apoiou Jair Bolsonaro (PL) em 2022. Para a próxima eleição, aposta numa chapa presidencial com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Michelle Bolsonaro (PL) de vice. Também gostaria de ver o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), na cadeira de governador.
Hernandes fala ainda sobre dois fenômenos ruidosos no evangelicalismo brasileiro: desigrejados e pastores mirins.
São mais de três décadas de marcha. Como a comunidade evangélica mudou nesse meio-tempo? Tínhamos muitas barreiras denominacionais, e isso era um impeditivo para que a gente muitas vezes fizesse um evento como a Marcha para Jesus, com unidade entre nós. Por outro lado, a introdução da juventude trouxe uma oxigenação muito, muito importante.
E a percepção pública geral sobre os crentes, também se alterou?
O estereótipo estimulado era o do crente careta, a pessoa não participativa [na sociedade]. Hoje, não. A gente vê os cristãos em todas as áreas de atividade, e isso também mudou bastante essa imagem, porque as pessoas passaram a fazer uma leitura mais adequada daquilo que é realmente, entre aspas, “ser crente”.
O Censo 2022 revelou um número de evangélicos menor do que o esperado. O que aconteceu?
Acho que o Censo está defasado em termos de informação. Até porque foi feito logo após a pandemia, e, particularmente, acho que não reflete a realidade. Acredito que, no mínimo, temos 35% de evangélicos. Tem alguns ajustes [a serem feitos].
O sr. fala em 35%. Qual é a base para essa afirmação?
A base é o sentimento que a gente tem. Por quê? Quando iniciamos a marcha, por exemplo, a gente deveria ter em média 4%, 5% da sociedade. E dificilmente você encontrava uma pessoa que professava claramente que era crente. Hoje você vai em todos os lugares, e sempre tem pessoas que são evangélicas. Esse retrato da sociedade demonstra que essa participação é maior do que aquilo que o Censo está mostrando.
Alguns líderes evangélicos veem falha na metodologia, outros acham que é o número correto, e que mostra o potencial de crescimento evangélico. E tem quem fale numa suposta má-fé ideológica, de que o Censo seria aparelhado por uma esquerda anticrente.
Acho que é mais uma questão metodológica. Não acredito que há manipulação ideológica nisso.
Vemos muito católico não praticante, que se declara assim por herança geracional, porque o pai, o avô eram católicos. Veremos o evangélico não praticante como fenômeno futuro?
Esse risco não tem como não correr, né? Com o próprio crescimento, com mais gerações [de evangélicos], pode acabar sucedendo. E hoje a gente tem um fenômeno, os considerados desigrejados, que são pessoas evangélicas, praticam todos os princípios da Bíblia e tudo mais, só que por opção não frequentam a igreja. Isso é muito preocupante, quando a pessoa acaba sendo apenas nominal. Como aquela que fala que é católica só porque foi batizada quando criança, mas, na verdade, nunca pôs o pé na igreja, não desenvolve sua fé.
Especialistas atribuem essa tendência a uma insatisfação com as instituições religiosas de modo geral. Concorda?
É claro que insatisfações existem. Mas não creio que seja significativo. Temos aí uma multiplicidade de igrejas, e isso é muito interessante. O pessoal procura se adaptar àquilo que é a comunicação que gosta, ao meio social que está buscando. Esse aspecto de termos muitas igrejas acaba favorecendo. Tem pessoas que podem falar que mudaram de igreja por insatisfação, que talvez é o que mais aconteça hoje. Mas não que a pessoa deixe de ser evangélica.
A polarização poderia ter afastado alguns fiéis, que preferiam uma igreja sem essa tensão política?
Pode ter tido influência, sem dúvida nenhuma. Toda radicalização acaba não sendo benéfica. O grande risco é o extremismo. E isso, às vezes, bate de frente com as pessoas e gera insatisfação.
Onde o sr. observou extremismo nesses últimos anos, seja pelo lado de Bolsonaro, que contou com seu apoio, ou por algum outro?
Vi acontecer. Até por falta de uma consciência política mais adequada, às vezes, as pessoas acabam misturando muito o aspecto espiritual.
Há a ideia difundida em algumas igrejas de que um cristão de verdade não pode ser de esquerda. O sr. já discordou dela no passado. Mantém a opinião?
Se o cristão quiser ir para o céu, ele pode ser de direita ou de esquerda. O que eu falei e repito é sobre a incompatibilidade de pautas, mas não que a pessoa não pode votar no PT ou ser de esquerda. Seria uma pretensão muito grande, e seria também você querer inibir as pessoas daquilo que é opção pessoal.
Essa deve ser mais uma marcha a que o presidente Lula não irá. Enviou algum recado, como ele fez em 2023?
Até agora, não. Ano passado ele mandou os representantes [como seu advogado-geral da União, o batista Jorge Messias].
Acha que Lula deveria comparecer?
Todo mundo deveria, né?
Neymar participou da divulgação da marcha, o que atraiu críticas. Uma delas dizia: “Gosto do Neymar como jogador, mas ele está muito longe da vontade de Deus, vive com a mãe de sua filha e não é casado, o que a Bíblia condena”. O que acha?
Dentro daquilo que é o padrão bíblico, a pessoa julga que isso está inadequado. Por outro lado, bate de frente com aquilo que Jesus falou, que a gente não deve julgar para não ser julgado. Não vejo absolutamente nenhum tipo de problema a pessoa confessar o nome de Jesus e ter uma opção de vida diferente daquela que é a minha, entendeu?
Vemos o fenômeno de pastores mirins…
“Of the king, the power [citação ao missionário Miguel Oliveira, 15].”
A marcha já teve cantor gospel menor de idade, como a Maria Marçal. Criança e adolescente podem servir de instrumento de Deus?
Com título de pastor, não é de maneira nenhuma adequada. Agora, quanto a ser um instrumento de Deus, é possível, porque nós temos exemplos bíblicos. Jesus mesmo, quando tinha 12 anos, foi ao templo, e ali surpreendeu todos os sábios. Temos outro exemplo, do profeta Samuel, que jovem começou a ser usado por Deus.
Agora, vamos pegar a concepção clara do que é um pastor. É aquele que cuida de pessoas, tem um peso espiritual. Não é adequado para uma criança assumir uma responsabilidade tão grande. Diferentemente de um louvor. Você citou a Maria Marçal. É uma adolescente que louva e adora, amém? Sem problema nenhum, não está assumindo a responsabilidade pela vida de outras pessoas.
Bolsonaro está inelegível. Que chapa lhe agradaria para 2026?
A ideal seria Tarcísio de Freitas com a Michelle Bolsonaro [de vice], que representa todo esse patrimônio político do Bolsonaro. Tarcísio, para mim, é o grande nome, seria uma superopção para a direita.
E para o governo de São Paulo, se Tarcísio não tentar a reeleição?
O ideal seria o Ricardo Nunes, até pela experiência como gestor. Uma opção muito interessante.
Estamos acompanhando o julgamento sobre a suposta trama golpista no 8 de janeiro. Bolsonaro será condenado?
Olha, é muito difícil responder essa sua pergunta. A gente vê que todas as coisas se encaminham para que ele seja condenado. Acho que não houve crime, tá muito distante de você falar que houve efetivamente uma tentativa de golpe na qual se mobilizaram forças, se executou alguma coisa.
Há uma crítica recorrente de que a marcha, e as igrejas evangélicas de modo geral, não deveriam ter uso político, por serem um espaço de acolhimento espiritual.
Todos nós somos políticos e sabemos qual a importância da própria política na sociedade. Temos, por exemplo, o Tarcísio. Um homem cristão, que participa [da Marcha]. Claro que tem a conotação política daquilo que é a figura dele. Mas não é que nós estamos fazendo um evento para o político. Nós estamos fazendo um evento para Jesus, e que ele, como autoridade, vai ter seu lugar de destaque.
RAIO-X
Estevam Hernandes Filho, 71
São Paulo (SP), 1954. Nascido em São Paulo, fundou a Igreja Apostólica Renascer em Cristo em 1986, com a mulher, a bispa Sonia Hernandes. No braço de mídia, o casal é dono da Rede Gospel e da Gospel FM. Em 1993, o apóstolo lançou a primeira Marcha para Jesus, que se tornou o maior evento do calendário evangélico da América Latina. Em 2009, o então presidente Lula (PT) sancionou a lei que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus.
Fonte ==> Folha SP