Brasil quer liderar agenda ambiental internacional na COP30, mas corre risco de retrocessos em casa – 04/06/2025 – Ambiente

A imagem mostra uma vista aérea de uma área urbana à direita, com prédios e casas, contrastando com uma densa floresta à esquerda. A divisão entre a cidade e a floresta é bem definida, com a floresta apresentando uma vegetação verdejante e densa, enquanto a cidade é composta por estruturas urbanas e ruas.

Se fosse um aluno em idade escolar, o Brasil chegaria à próxima conferência do clima das Nações Unidas (COP30) com grandes chances de repetir o ano, segundo especialistas ouvidos pela Folha. O encontro global voltado para a ação climática acontece em Belém, em novembro.

O país está fazendo parte da lição de casa, mas acumula retrocessos importantes na área ambiental. Esses recuos são uma pedra no sapato do anfitrião da conferência, que pode chegar ao evento com menos do que o esperado para mostrar ao mundo —colocando em risco sua imagem internacional de aluno aplicado na agenda ambiental.

Mas o país tem pontuado bem em algumas áreas. Um relatório recente do MapBiomas mostra que em 2024 houve queda no desmatamento em todos os biomas brasileiros —pouco mais de 30% em relação a 2023. Segundo a organização, a redução acontece pela primeira vez em seis anos. A exceção foi a mata atlântica, que manteve uma taxa de desmatamento quase igual à de 2023 —depois de uma queda de quase 60% em relação a 2022.

“[A ministra Marina Silva] foi responsável pela redução dos desmatamentos, pelo Fundo Amazônia. Esse ano devemos ter o terceiro ano consecutivo de queda significativa”, diz Carlos Rittl, diretor de políticas públicas, florestas e mudança climática na Wildlife Conservation Society, organização internacional focada em conservação da natureza.

Nos últimos dois anos e meio, o Executivo tem tomado ações para reconstruir muito do que foi desmantelado em termos de governança ambiental e climática na gestão anterior. Segundo Taciana Stec, especialista em políticas climáticas do Instituto Talanoa, o Plano Clima, atualmente em desenvolvimento, é um passo importante neste sentido.

O Plano é um manual de ações de combate à mudança climática no Brasil até 2035, estabelecido pela Política Nacional sobre Mudança do Clima. O documento, segundo Stec, está bem estruturado. “Passou por um processo amplo de consulta pública sobre seus dois pilares (adaptação e mitigação da mudança do clima). Não estão finalizadas todas as etapas, mas acredito que essa vai ser uma grande entrega do Brasil até a COP30”, diz.

Ainda em termos de COP30, o Brasil tem reassumido seu papel na geopolítica global como anfitrião da conferência, diz Rittl. O engajamento não apenas de um corpo diplomático altamente qualificado, mas também de ministérios, como o da Fazenda, mostra que o país está empenhado em fazer bonito. “Estamos falando da mobilização de mais de 20 ministros de Finanças de países desenvolvidos e em desenvolvimento para olhar para a agenda do clima como um dos desafios globais no multilateralismo hoje”, continua ele.

A participação de lideranças indígenas e quilombolas como peças-chave na próxima COP é um fato inédito, diz Rittl ainda. A nomeação de enviados especiais globais e nacionais também é um sinal do esforço em curso pela conferência. “Nunca vi um nível de organização, de preparo, de esforço, e de engajamento diplomático como a presidência da COP30 está fazendo”, diz.

Nota baixa

Se no campo internacional o Brasil tem se mobilizado de maneira exemplar, em termos de política doméstica o atual governo ainda deixa muito a desejar, dizem os especialistas ouvidos pela Folha.

O choque entre o discurso para o exterior e a ação interna tem enviado muitos sinais trocados —sinais que podem minar a imagem que o Brasil pretende continuar projetando como líder na discussão ambiental global.

“A meu ver, a decisão de aumento expressivo da expansão de petróleo é a principal contradição na política ambiental do governo Lula 3”, diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

O Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Segundo o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), o país foi o oitavo maior produtor global em 2023. No ano passado, o país exportou mais da metade de sua produção. “O Brasil já é um dos grandes produtores — mas querer intensificar ainda mais essa produção em novas fronteiras exploratórias e áreas sensíveis [ambientalmente], a meu ver, deslegitima quem quer debater o afastamento de combustíveis fósseis na esfera internacional”, diz Araújo. O tema está entre os abordados na terceira carta pública da presidência da COP30, divulgada no fim de maio.

Enquanto isso, a ANP (Agência Nacional de Petróleo) prepara um leilão de novos blocos de exploração de petróleo —47 deles na bacia do Foz do Amazonas—, a acontecer no próximo dia 17. No fim de maio, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou à ANP a suspensão do leilão ou a retirada dos 47 blocos na Foz do Amazonas.

Outro tema que pode prejudicar a imagem do Brasil no exterior —e minar esforços de avanço ambiental no país— é o novo projeto de lei que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental. Aprovado no fim de maio pelo Senado, o texto aguarda votação na Câmara. O PL inclui uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que cria um novo tipo de licenciamento ambiental que acelera grandes empreendimentos, independentemente do seu risco ambiental.

“O licenciamento é a principal ferramenta de prevenção de danos à Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida em 1981”, diz Araújo. A exigência de licenciamento ambiental, que veio com a Política Nacional, foi responsável por transformar Cubatão, na região de Santos, em um lugar muito diferente do que era nos anos 1980 —quando era apelidada de “Vale da Morte”.

Licenciamento ambiental e avaliação de impactos ambientais são os dois pilares do controle ambiental no país. Grandes obras, como as barragens de rejeito de mineração de Brumadinho e Mariana, tiveram licença ambiental para sua construção. O que pode vir a seguir, temem ambientalistas, pode ser muito pior. “O licenciamento por vezes é moroso e burocrático? Sim. Mas ele precisa ser aperfeiçoado e modernizado, não destruído”, argumenta Araújo.

“O novo modelo de licenciamento que está sendo proposto mina as metas do Plano Clima”, observa Stec. Retrocessos em direitos indígenas também entram no pacote de preocupações. No dia 28 de maio, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que prevê a suspensão da demarcação de duas Terras Indígenas em Santa Catarina. O imbróglio judicial no entorno do Marco Temporal, adiciona ela, “está aprofundando o conflito em Terras Indígenas”.

Lição de casa

Para chegar à COP30 com a prática um pouco mais alinhada ao discurso, o Brasil tem muitas tarefas a cumprir, diz Stec. A primeira é pensar a governança climática e ambiental como um plano de Estado, não de governo. Estas políticas precisam resistir às mudanças de governo, diz ela.

Falta, também, alinhar o discurso dentro de casa. “Está faltando o governo federal falar a mesma língua. Falar para fora e falar para dentro”, diz Stec. Para isso, é necessário fazer um “mutirão interno” para alinhar as ideias. “O mutirão começa no Palácio do Planalto. Os ministros precisam chamar a COP30 [e a agenda ambiental] para si”, concorda Rittl.

O Brasil, além disso, precisa priorizar renda e justiça social deixando a floresta de pé, diz Araújo. “O país tem que optar por atividades produtivas que realmente tragam distribuição de renda. E o petróleo não faz isso”, diz.

É possível estimular a industrialização local tendo a questão ambiental como prioridade. “É possível gerar dinheiro a partir dos produtos locais, que são inúmeros”, diz Araújo.

Rittl resume: “o Brasil não pode entregar uma COP importantíssima para o mundo e chegar ao fim do ano com um dos maiores retrocessos da história”.



Fonte ==> Folha SP

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