Brasil veta classificar facções como terroristas em acordo – 05/06/2025 – Cotidiano

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Durante as negociações para a assinatura de um acordo entre Brasil, Argentina e Paraguai para cooperação na segurança da região da tríplice fronteira, o Itamaraty atuou para excluir trechos que afirmavam haver uma relação entre o terrorismo e o crime organizado incluindo facções como o Comando Vermelho e o PCC.

A Folha teve acesso a um ofício no qual o Ministério das Relações Exteriores demonstra ao Ministério da Justiça preocupação com trechos da minuta do acordo, ainda em sua versão preliminar.

“Há aspectos substantivos do texto que merecem reconsideração junto aos demais partícipes, em particular as referências à ‘convergência’ entre crime organizado transnacional e terrorismo“, afirma o documento.

O ofício cita especificamente dois trechos da proposta, mas não dá maiores explicações sobre quais seriam seus problemas.

A Folha teve acesso tanto à minuta inicial da proposta quanto à versão ratificada entre os países, e ambos os pontos mencionados pelo Itamaraty foram apagados do documento final.

Trocas de email apontam ainda que foi a Argentina que propôs incluir pelo menos um desses trechos sobre terrorismo, mas que acabaram deletados, e que a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da Polícia Federal brasileira era favorável ao acréscimo.

Procurados, a PF e a embaixada do Paraguai não responderam. A Argentina disse que não iria comentar o assunto.

O Itamaraty afirmou que o repúdio ao terrorismo é um princípio da Constituição e das relações internacionais do Brasil, e que o acordo foi consensuado entre os signatários, e representa um avanço no combate ao crime na região.

“Eventuais vínculos entre terrorismo e crime organizado transnacional não podem ser tratados como automáticos ou universais. Trata-se de fenômenos com motivações diferentes e objetos de tratamento distinto sob a lei brasileira e o direito internacional”, disse a pasta.

“Nesse sentido, não é cabível, de acordo com a legislação brasileira, o enquadramento de organizações criminosas como terroristas”, completou.

Já o Ministério da Justiça disse que alterações textuais fazem parte das negociações, mas que só o documento ratificado é que “corresponde à expressão comum da vontade das partes” e que ele “reflete o alto grau de convergência entre os três países quanto à prioridade conferida ao combate ao crime organizado transnacional em nossa região”.

O ministério não respondeu se a exclusão dos trechos atendeu à demanda do Itamaraty ou se concordou com ela.

A caracterização de facções como terroristas se tornou um tema sensível no Ministério das Relações Exteriores. O governo dos Estados Unidos vem pressionando o Brasil para classificar facções criminosas como organizações terroristas.

A coluna Painel, da Folha, mostrou que o próprio governo brasileiro já disse a diplomatas americanos discordar deste entendimento.

A afirmação foi feita em conversas entre os países, durante a vinda de uma comitiva do Departamento de Estado americano (equivalente do Itamaraty) ao Brasil, no início de maio. A viagem teve como objetivo discutir justamente temas ligados a terrorismo e segurança pública.

“Não consideramos as facções organizações terroristas. Em primeiro lugar, porque isso não se adequa ao nosso sistema legal, sendo que nossas facções não atuam em defesa de uma causa ou ideologia. Elas buscam o lucro através dos mais variados ilícitos”, disse o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo —ele não participou das conversas.

Atualmente, há um projeto de lei na Câmara dos Deputados, do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que tem como objetivo enquadrar as facções como grupos terroristas. Ele já teve urgência aprovada e deve ser pautado no plenário nas próximas semanas.

O Ministério da Justiça também deve apresentar nos próximos meses um projeto de lei para mudar a classificação de organizações criminosas no país, apelidado de PL antimáfia —na proposta, a expressão usada é “organização criminosa qualificada”.

Na versão atual do texto, essas organizações qualificadas se diferenciariam de quadrilhas convencionais quando exercem domínio sobre um território, controlam atividades econômicas locais, influenciam eleições e fazem lavagem de dinheiro.

Os documentos aos quais a Folha teve acesso apontam que o tema não é sensível apenas para a relação entre Brasil e Estados Unidos, mas também com outros países —neste caso, Argentina e Paraguai.

A tríplice fronteira entre os países é uma das principais rotas do tráfico de drogas que abastece as duas maiores facções brasileiras, o PCC e o Comando Vermelho.

A negociação para o acordo foi comandada pelo Ministério da Justiça.

Uma versão de janeiro do texto ao qual a Folha teve acesso diz que a necessidade de atualizar o acordo se dá em razão do “crescimento constante do crime organizado transnacional e dos delitos relacionados, bem como dada a convergência entre organizações do crime organizado […] com organizações e facilitadores de atividades terroristas.”

Na troca de comunicados sobre o tema entre os órgãos brasileiros, a PF aponta que a frase sobre “facilitadores de atividade terrorista” foi uma proposta da Argentina, para atender demandas do Mercosul, e a corporação diz concordar com sua inclusão ao documento.

Esse, porém, é um dos dois trechos que o Itamaraty pede que seja reconsiderado. Na versão final do acordo, a redação vai até os delitos relacionados, mas não segue adiante, quando trataria do terrorismo.

Em seu segundo apontamento, a pasta pede que a frase “o fenômeno da convergência entre o crime organizado trasnacional e o terrorismo, seus facilitadores e financiamento” seja reconsiderada.

O trecho, de teor semelhante ao primeiro, também consta apenas no rascunho, mas não na versão final.

O ofício foi enviado pelo Itamaraty ao Ministério da Justiça em 8 de maio. No dia 29, o ministro Ricardo Lewandowski assinou o acordo com Paraguai e Argentina.

O Comando Tripartite existe desde 1996, para cuidar da intersecção entre as cidades de Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina).

Ele tem como objetivo a formação de profissionais, a integração de dados entre as nações e o compromisso no combate ao crime organizado e na cooperação em temas de segurança pública.



Fonte ==> Folha SP

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