Enquanto o governo Lula (PT) é pressionado para cortar gastos, o ministro da Educação, Camilo Santana, defende ampliar os investimentos em educação, inclusive para universalizar o programa de bolsas do ensino médio, o Pé-de-Meia, a principal vitrine da atual gestão.
Em entrevista à Folha, Camilo diz ser “terminantemente contra” qualquer corte na área, apesar de reconhecer a necessidade do equilíbrio fiscal.
Nos últimos debates sobre medidas fiscais, aventou-se a possibilidade de reduzir a parcela da União no Fundeb (mecanismo de custeio da educação básica) e o fim do piso constitucional de investimento na educação e saúde. Por enquanto, isso não avançou, o que é comemorado pelo ministro.
“A gente tem de investir forte na juventude e não ficar sempre nesse passo lento em relação a outros países que conseguiram dar um salto de forma mais rápida”, diz.
Camilo cobra o Congresso, sobretudo com relação ao volume de emendas parlamentares. “As emendas poderiam fazer parte de uma estratégia da política do governo”, diz. “Quem foi eleito para governar o país foi o presidente.”
Ele defende que parte das emendas vá para a educação, inclusive para universalizar o Pé-de-Meia. O programa custa R$ 12 bilhões por ano ao contemplar só quem está no Cadastro Único, atendendo 4 milhões de alunos. As redes públicas somam 6,7 milhões de alunos na etapa.
Como o sr. vê os maiores desafios para o MEC e como se sente no cargo?
Estou otimista. Claro que são desafios enormes em um país continental, com limitações orçamentárias. A educação precisa andar mais rápido neste país. Mas acho que temos um presidente muito sensível à educação.
O grande desafio está na educação básica, e essa foi a orientação do presidente. Quando um terço da população não conclui a educação básica, é um prejuízo para um país. Do ponto de vista social e econômico.
O nosso objetivo é melhorar os indicadores e tem a questão de qualidade dos professores, aprendizagem, permanência e equidade. Se você analisar todas as nossas políticas, estão focadas nesse sentido. Quando a gente cria o Compromisso da Criação Alfabetizada, o programa de escola de tempo integral. O tempo integral é a maior política que este país pode fazer, e com impacto na segurança pública.
Mas haverá avanços no tempo integral? Porque o orçamento foi impactado.
Vai ser dentro desse limite. Nós temos uma meta de um milhão [de matrículas] por ano. Chegamos a quase um milhão no ano passado, neste ano também. Essa política depende muito do regime de colaboração, não depende só do Ministério da Educação.
A entrega de obras de educação, inclusive para retomar as paradas, tem sido um gargalo. Como destravar?
Fizemos uma lei para garantir a atualização dos valores das obras, desburocratizar, e cabe também aos municípios e estados. Mas há um conjunto de fatores que independem, muitas vezes, só da nossa decisão. E há uma série de problemas muitas vezes alheios às vontades do prefeito, do governador ou do ministro. Mas, em relação às obras, nenhuma teve problema de recurso, diferentemente do passado. A meta é entregar todas até o final de 2026.
Pode observar que toda a estratégia do Plano Nacional de Educação [PNE] está vinculada à estratégia do ministério. São obras de escola integral, creches, para cumprir as metas. Quando a gente fez as mudanças no ensino médio, uma consulta pública mostrou que a maioria dos alunos quer ensino técnico. E o ensino técnico e o integral custam mais caro. Estudante tem de se alimentar, ter mais professores, laboratório. Não se faz só com boa vontade, precisa ter condições.
O governo tem sido pressionado para cortar gastos. Como vê essa pressão dentro de uma pasta que concentra grande parcela do orçamento?
Sou terminantemente contra qualquer corte em educação. Porém, fui gestor e sei que para o governo atender a demandas sociais e fazer investimento precisa ter equilíbrio fiscal. Precisamos fazer um debate mais profundo. O Brasil é um país muito desigual e a concentração de renda é muito grande. Então, quem tem mais precisa pagar mais. A grande justiça tributária precisa ser feita.
Acho que o governo não deveria ter proposto déficit zero logo no primeiro ano. Isso amarrou, engessou a capacidade de investimento do governo. Poderíamos ter estabelecido uma transição, mas há reformas importantes que precisam ser feitas. São R$ 800 bilhões de subsídios. É mais dinheiro do que os orçamentos do Ministério da Educação, da Saúde, do Desenvolvimento Social.
Como vê a questão das emendas, em que o Congresso controla uma parcela tão expressiva do orçamento?
Nada contra as emendas, mas as emendas poderiam fazer parte de uma estratégia da política do governo. Porque, gente, é o seguinte: quem foi eleito para governar o país foi o presidente, a partir de propostas que foram apresentadas à população. O papel do Legislativo é, além de legislar, preparar o orçamento, mas dentro do que o governo estabeleceu como prioridade, até porque, repito, estamos numa democracia e o governo foi eleito. O crescimento das emendas foi uma coisa… Eram R$ 8 bilhões, hoje são mais de R$ 50 bilhões. E a gente manda o orçamento para o Congresso, já com restrições, e ainda cortam. Como cortaram quase R$ 3 bilhões neste ano [do MEC]. Isso mexe com os objetivos e resultados.
A responsabilidade está na mão dos parlamentares?
Claro que está na mão dos parlamentares. Eu falei isso no Congresso. A gente fala tanto da importância da saúde, que a educação é o grande caminho para o país, mas se corta e não prioriza. Por que eu não estabeleço que parte das emendas vá para a educação? E que vá para dentro dos programas, para alfabetizar as crianças, para garantir tempo integral, para garantir o Pé-de-Meia e universalizá-lo para todos os jovens. Porque, às vezes, a diferença de um colega na mesma escola que recebe ou não recebe é de R$ 10, R$ 20 [de renda familiar].
Universalizar o Pé-de-Meia é um plano do senhor e do presidente Lula?
É o que eu gostaria muito. E é um desejo do presidente também. Mas limita com essa questão orçamentária. Se a gente pudesse implementar, assim como ampliar o tempo integral, vai ter um impacto na ponta enorme. Acredito que esse debate pode ser feito.
Por que o Pé-de-Meia não tem metas de redução da evasão?
Estudos mostram que ele é capaz de reduzir 25% da evasão. Nossa ideia é reduzir a zero. Mas sempre digo que o Pé-de-Meia não é isolado, ele é um dos instrumentos. É preciso ter uma escola que acolha o aluno, com infraestrutura, internet, ter um bom professor.
O Pé-de-Meia busca garantir que o jovem não precise sair da escola para trabalhar, mas não é só um programa de transferência, há contrapartidas. Se ele não frequenta a aula, não recebe. Também não recebe a poupança se não passar de ano. E ainda envolve educação financeira, a autoestima do jovem.
O Pé-de-Meia representa gastos de R$ 12 bilhões. Recursos para alfabetização e tempo integral não passam de R$ 2 bilhões, e as universidades federais enfrentam dificuldades. Não é um orçamento muito alto e desequilibrado?
Você está olhando para as despesas discricionárias. Mas hoje o Fundeb fica em torno de R$ 350 bilhões. A complementação da União ao fundo é de R$ 56 bilhões. Com ensino superior são mais de R$ 80 bilhões.
Esse é um grande investimento do país porque não está só no aspecto da permanência. Há impacto na economia futura, com a qualificação de mão de obra, e impacto social, porque esse menino não vai para a droga, criminalidade. Multiplica-se muitas vezes o impacto do ponto de vista social e econômico.
O plano é universalizar o Pé-de-Meia já no ano que vem?
Eu vou lutar por isso. O [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad curtiu isso.
Na discussão sobre compensação para IOF, aventou-se reduzir a parcela da União ao Fundeb, o que acabou ficando de fora. Como vê essa proposta?
Eu me posiciono totalmente contra. O investimento por aluno no ensino superior no Brasil já é no nível dos países desenvolvidos. Mas, quando vai para o ensino básico, é um terço. Então é importante ter mais. Agora, claro que precisamos melhorar a governança, cobrar mais resultados.
Também reapareceu a ideia de acabar com os pisos de gastos em educação e saúde.
Também sou contra. Se tira, cria condições para reduzir. E, ao contrário, devemos aumentar e garantir que o país cumpra a lei que está aprovada, que é o PNE, de garantir 10% do PIB para a educação.
Por outro lado, o governo incluiu o Pé-de-Meia no cálculo do piso constitucional, o que pode reduzir o orçamento do MEC. Qual será o impacto?
Não acredito que vá ter repercussão. Nem pode. Temos uma despesa obrigatória, programas em andamento. Defendi que a educação estivesse fora do arcabouço. Precisamos fazer investimento forte e aproveitar essa janela de oportunidade enquanto o Brasil está começando a envelhecer. A gente tem de investir forte na juventude e não ficar sempre nesse passo lento em relação a outros países que conseguiram dar um salto de forma mais rápida.
Hoje o Pé-de-Meia é a principal vitrine do governo, mas o senhor acha que ações do MEC podem colaborar para reverter a baixa popularidade de Lula de olho nas eleições?
Quando começarmos a debater, vamos comparar. Ir para uma reeleição sempre é um plebiscito. Vamos comparar os quatro anos do Bolsonaro com os quatro anos do Lula. Não estou falando só numa área, mas em todas. Inflação melhor, temos pleno emprego, menor índice de desigualdade, aumentamos a renda média, PIB crescendo, o Brasil tirou, em um ano, 15 milhões de brasileiros da fome. Lula é um candidato imbatível, independentemente de quem seja o concorrente.
Raio-X
Camilo Santana, 57, é ministro da Educação desde 2023. É engenheiro agrônomo, com mestrado em desenvolvimento e meio ambiente. Foi duas vezes governador do Ceará e, em 2022, elegeu-se senador pelo PT.
Fonte ==> Folha SP