Já no dia seguinte a ações na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, o chefe da comunicação da Polícia Militar chamou um dos casos, a morte de um homem rendido por dois PMs, de ilegal, mas especialistas questionam por que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário Guilherme Derrite não se manifestaram.
O coronel Emerson Massera, chefe da comunicação da PM paulista, afirmou em entrevista coletiva nesta sexta-feira (11) que “a ação dos policiais foi uma ação não legítima, uma ação ilegal”. Dois agentes foram presos.
Para Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a situação mostra falta de comando na segurança paulista.
“Quem fala é o coronel Massera, que é um quadro técnico, e há uma diferença muito grande entre um técnico e um político. Ele é a voz institucional. Cadê a voz dos políticos dizendo que isso é inadmissível? Mais uma vez se calam diante disso.”
Tarcísio e Derrite não se pronunciaram sobre a prisão dos dois policiais sob acusação de matar um suspeito durante a ação na favela. A Folha procurou o Palácio dos Bandeirantes às 12h20 desta sexta e não teve resposta.
É o que também diz a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.
“Parece uma postura diferente daquilo que temos visto até agora, mas sabemos que a Polícia Militar responde a pressões. Tanto nesse caso, notadamente de execução, como no do Guilherme [Ferreira, 26, morto por um PM de folga no último sábado (5)], também brutal, com erro de procedimento e atuação marcada por viés racial muito forte.”
Para Alcadipani, o posicionamento da PM pode estar ligado ao tom pretendido pelo comando do coronel José Augusto Coutinho, que assumiu o cargo em abril deste ano. “Parece que esse comando não tem muito compromisso com erro, digamos. E as câmeras influenciam, porque nesse caso havia imagens. É o mínimo que se espera das autoridades, que tenham responsabilidade e transparência com o público.”
O professor diz que, por outro lado, governador e secretário estão envolvidos em suas próprias agendas políticas —Tarcísio numa briga tarifária, diz ele, e Derrite pensando no próximo cargo eleitoral— em meio a uma situação atípica.
“Há muito eu não via pessoas tendo os carros atacados na rua. Com a gravidade do que aconteceu, era para termos governador falando. Talvez [a PM] tenha falado até para acalmar um pouco, dizendo que não vai encobertar esse tipo de situação”, afirmou o professor.
Segundo o diretor de litigância e incidência da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, as evidências no caso de Paraisópolis levaram à declaração da PM, algo que se contrapõe a uma gestão com histórico de desqualificar denúncias de abusos na segurança.
“Ainda assim, os citados reconhecimentos têm sido insuficientes, pois as medidas de desmantelamento das estruturas e políticas de controle da atividade policial seguem aplicadas.”
Para ele, faltam medidas concretas para reverter o problema para além dos casos de grande repercussão. “São Paulo desenvolveu boas práticas que foram abandonadas, como as câmeras de gravação ininterrupta, as comissões de mitigação e mais autonomia para afastamento de policiais com condutas suspeitas por parte dos comandantes de batalhões.”
Em janeiro deste ano, após a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cárdenas Acosta, 22, em novembro do ano passado, o governador disse que não pretendia fazer mudanças na condução da segurança paulista.
A posição foi a mesma em dezembro frente ao caso de um homem jogado de uma ponte durante abordagem em São Paulo. “Olha os números, você vai ver que [Derrite] está fazendo um bom trabalho”, disse Tarcísio.
Já no contexto das operações Escudo e Verão, o governador disse não estar “nem aí” para denúncias de abusos. Derrite afirmou que não reconhecia excessos, a menos que chegassem por vias oficiais das polícias.
Números mais recentes das mortes causadas por policiais somam 163 óbitos de janeiro a março deste ano. O número indica uma queda de 25% na comparação com o mesmo período do ano passado, que registrou 219 mortos. Apesar disso, o patamar da letalidade policial é mais alto do que nos anos de 2022 e 2023 —respectivamente, o último de João Doria (sem partido) à frente do governo paulista e o primeiro de Tarcísio.
A Operação Escudo, deflagrada no fim de julho de 2023 em Guarujá, na Baixada Santista, marcou a aceleração no crescimento da letalidade policial. O primeiro ano da gestão Tarcísio teve um total de 504 mortes provocadas por policiais, crescimento de quase 20% em relação ao ano anterior, último da gestão de Doria e Rodrigo Garcia. Já o ano passado teve um total de 814 mortes provocadas por policiais, um aumento de 63% em relação ao primeiro ano da gestão Tarcísio.
Colaborou Mariana Zylberkan
Fonte ==> Folha SP