China quer ocupar lugar dos EUA na transição energética – 05/05/2025 – Mercado

A imagem mostra um pôr do sol com o sol visível no horizonte, cercado por nuvens. Em primeiro plano, há várias turbinas eólicas, que estão em silhueta contra o céu iluminado pelo sol. As lâminas das turbinas estão claramente visíveis, criando um contraste com a luz do sol.

As Filipinas, entre os países do Sudeste Asiático, tem o relacionamento mais incerto com a China: o país está envolvido em uma disputa territorial prolongada e de alto risco com Pequim no Mar do Sul da China, e acusou grupos patrocinados pelo Estado chinês de tentar interferir nas eleições de meio de mandato deste mês.

Mas essas tensões, e as preocupações associadas com a segurança nacional, não impediram as Filipinas de recorrer aos chineses para a infraestrutura de energia renovável necessária para seu desenvolvimento —principalmente porque a tecnologia verde fabricada na China é muito mais barata do que a americana e a europeia.

“A proposta chinesa foi muito menor do que a dos concorrentes europeus, então para nós foi um despertar”, disse Gerry P. Magbanua, presidente da Alternergy, empresa de energia renovável sediada em Manila, relembrando as ofertas que recebeu para construir dois parques eólicos nas Filipinas.

Isso já era verdade mesmo antes de Donald Trump assumir o cargo. Mas o esforço de Pequim para dominar o Sudeste Asiático —tanto em tecnologia verde quanto como superpotência regional— recebeu um impulso bem-vindo da decisão de Trump de cortar o financiamento climático destinado a impulsionar a transição energética, ao mesmo tempo em que ameaça a região com tarifas.

“A China não precisa fazer nada para vencer”, avalia Samantha Custer, diretora de análise de políticas da AidData, um grupo de pesquisa da universidade William & Mary. Pequim tem persistentemente tentado “semear a dúvida de que os EUA não são um parceiro econômico e de segurança confiável, e infelizmente as pessoas estão agora vendo os EUA reforçarem essas dúvidas”, acrescentou.

O líder chinês Xi Jinping procurou capitalizar isso no mês passado quando viajou pelo Vietnã, Malásia e Camboja —que enfrentam tarifas americanas de 46%, 47% e 49%, respectivamente— prometendo entregar “desenvolvimento verde” em toda a região através de acordos de infraestrutura de energia limpa.

A China assumiu nos últimos anos uma liderança global na tecnologia verde: o país fabrica e usa mais painéis solares, turbinas eólicas e veículos elétricos do que o resto do mundo combinado, e pode produzi-los a um custo menor do que seus rivais.

Os países em desenvolvimento precisam de quantidades massivas de energia renovável se esperam crescer suas economias sem piorar as mudanças climáticas, e a China está rapidamente se tornando o fornecedor preferencial.

Os acordos de investimento e construção de energia chinesa em países que aderiram à política de comércio e infraestrutura emblemática de Xi, a Iniciativa Cinturão e Rota, chegaram a quase US$ 40 bilhões no ano passado, e um recorde de US$ 11,8 bilhões foi destinado à energia verde, de acordo com análise da Universidade Griffith da Austrália.

Pequim agora está usando suas credenciais para ganhar vantagem em relação ao cético climático Trump. Após a turnê de Xi pelo Sudeste Asiático, o Ministério das Relações Exteriores da China declarou que “alguns” países —referindo-se aos EUA— estão aumentando os custos das energias renováveis para o mundo, enquanto Pequim “trabalha com todas as partes a fim de usar meios ‘verdes’ para capacitar o desenvolvimento”.

A gestão Trump está tentando impedir que a China use o Sudeste Asiático como um centro de fabricação e exportação para sua tecnologia verde destinada aos EUA. No mês passado, o Departamento de Comércio impôs tarifas de até 3.500% sobre fabricantes chineses de painéis solares baseados nos três países que Xi visitou, além da Tailândia, após determinar que estavam recebendo subsídios do governo chinês.

Trump havia anteriormente cortado o financiamento climático internacional, que aumentou durante o governo Biden de US$ 1,5 bilhão em 2021 para US$ 11 bilhões em 2024, e efetivamente encerrou o trabalho da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) na promoção de energia renovável no mundo em desenvolvimento.

“Se os EUA não forem uma alternativa, então não haverá escolha para os países da região além de maior interdependência e integração” com a China, disse um ex-funcionário do alto escalão da Usaid, que falou sob condição de anonimato por abordar um debate político sensível.

Em vez de tentar igualar a China em gastos, a Usaid vinha trabalhando com outras agências dos EUA para construir mercados transparentes, atrair investimentos diversos e incentivar a concorrência justa. O objetivo, segundo os funcionários, era “atrair” apoio de instituições internacionais e outros países desenvolvidos para que a China não fosse a única provedora de energia renovável no Sul Global.

O fim da assistência americana ao desenvolvimento para tecnologia verde “deixa o campo completamente incontestado” para a China, disse o ex-funcionário.

Isso piora o dilema enfrentado por países como as Filipinas. Um arquipélago com uma longa costa regularmente castigada por tufões tropicais, inundações e deslizamentos de terra, enfrenta risco elevado devido à intensificação de eventos climáticos extremos.

No entanto, enquanto tenta aumentar a participação de energia renovável de 22% atualmente para 35% em 2035, a administração do presidente Ferdinand Marcos Jr. tem se preocupado cada vez mais com o fato de que a dependência de Pequim poderia evoluir para uma vulnerabilidade de segurança nacional.

O aumento das tensões com Pequim sobre ilhas disputadas reviveu uma controvérsia sobre uma empresa estatal chinesa que possui participação de 40% na rede elétrica filipina. Barragens hidrelétricas apoiadas pelos chineses também foram examinadas por acusações de que os contratos favorecem os parceiros chineses.

O legislador filipino Joey Salceda, presidente do Comitê de Meios e Recursos da Câmara, alegou em uma audiência em janeiro que a State Grid Corporation of China havia estendido seu controle além do legalmente permitido e pediu uma investigação.

“Definitivamente a segurança nacional é uma questão aqui”, disse Salceda à mídia local na época.

Essa cautela pausou alguns acordos de infraestrutura assinados com a China sob o antecessor de Marcos, Rodrigo Duterte, mas empresas chinesas continuam envolvidas em muitos projetos de energia renovável.

O senador filipino Win Gatchalian, que pressionou por auditorias de segurança cibernética das linhas de transmissão de eletricidade apoiadas pela China como presidente do Comitê de Energia de 2016 a 2022, sugeriu que as tensões geopolíticas deveriam excluir a China de tais projetos.

Mas mesmo ele admite que os fornecedores chineses ainda são essenciais para a instalação de painéis solares e turbinas eólicas. “Não temos escolha a não ser comprar nossos painéis solares da China. Eles são os mais baratos do mundo.”

Políticos nas Filipinas estavam contando com os EUA e seus aliados para competir e impedir que empresas chinesas desenvolvessem um domínio sobre os sistemas energéticos locais. A Usaid ajudou a estabelecer leilões de energia renovável e um programa de segurança energética lançado em 2021 que visava atrair US$ 750 milhões em investimentos do setor privado.

Tão importante quanto o financiamento era o trabalho dos funcionários dos EUA com o governo das Filipinas em questões de política e planejamento, incluindo ajudar a mapear “zonas competitivas de energia renovável” sobre onde colocar parques eólicos, painéis solares e linhas de transmissão para que os projetos fossem economicamente atrativos e, ao mesmo tempo, atingissem metas de energia renovável.

Esse projeto foi visto como um modelo global de como trabalhar com um parceiro americano para tornar a energia renovável comercialmente atraente, observaJennifer Schuch-Page do Asia Group, uma empresa consultora estratégica sediada em Washington.

“Além da capacitação real que a Usaid fez, esse trabalho foi uma parte importante do poder e da diplomacia pública dos EUA”, disse Schuch-Page, que também trabalhou em um cargo importante na equipe climática do governo Biden. “A retirada disso inevitavelmente dá vantagem à China.”

Os EUA podem ter ajudado a traçar o caminho das Filipinas para a energia sustentável, mas as empresas chinesas estão concretizando isso.

Os parques eólicos que a Alternergy está construindo agora usam turbinas de 8 megawatts fabricadas pela Envision, com sede em Xangai, e serão as maiores instaladas nas Filipinas.

A entrega das turbinas no mês passado foi um marco na ambiciosa expansão da empresa privada chinesa para além da China.

“Podemos ver que eles estão realmente crescendo não apenas no mercado filipino, mas também em outros mercados internacionais”, disse Magbanua em uma entrevista. “Eles queriam entrar fortes [e liderar] a investida dos fabricantes chineses aqui.”

Colaboraram Vic Chiang em Taipei e Yasmin Coles em Manila



Fonte ==> Folha SP

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