A aparente disposição da China em negociar com Donald Trump sobre as tarifas e resultados do mercado de trabalho melhores que o esperado nos Estados Unidos trouxeram alívio aos mercados globais nesta sexta-feira (2).
Em Bolsas americanas, as ações dispararam e recuperaram as perdas após o anúncio do tarifaço de Trump no “Dia da Libertação”, há um mês. O índice S&P 500 subiu 1,5%, marcando o nono pregão consecutivo de alta —a sequência mais longa desde 2004 e uma das maiores da história, segundo análise do Financial Times.
No Brasil, o dólar encerrou o pregão de sexta com queda de 0,35%, cotado a R$ 5,654. Já o Ibovespa teve alta tímida de 0,04%.
Segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, foram criados 177 mil empregos em abril, acima dos 135 mil previstos por economistas consultados pela Bloomberg, embora o número represente uma desaceleração relação a março.
“De modo geral, isso indica que o mercado de trabalho ainda não está enfraquecendo”, disse Gennadiy Goldberg, chefe de estratégia de juros nos EUA da TD Securities. “Mas os investidores ainda estão apreensivos, esperando que outro problema surja. Só não sabemos quando.”
O dia nos mercados também foi fortemente influenciado pelas declarações do governo da China, que disse ter sido contatado pelos americanos e anunciou que avalia iniciar as negociações para afrouxar as taxas.
Logo pela manhã de sexta, o Ministério do Comércio da China afirmou que o governo americano “tomou recentemente a iniciativa de transmitir mensagens ao lado chinês por meio de canais relevantes” e que Pequim agora avalia conversas diretas com Washington.
Os chineses, porém, disseram que os americanos precisam “demonstrar sua sinceridade nas negociações, estando preparados para agir em questões como corrigir suas práticas erradas e suspender tarifas unilaterais”. O tom adotado leva a crer que Pequim dificilmente aceitará flexibilizar suas tarifas se os americanos não reverterem as taxas anunciadas por Trump em abril.
Produtos chineses importados pelos EUA são alvo atualmente de uma tarifa de até 145%. O percentual é resultado da soma da taxa anunciada por Trump de 125%, a uma tarifa de 20% aplicada no início deste ano. Em reação, também no mês passado, a China impôs uma tarifa de 125% sobre os produtos americanos e restringiu exportações para os Estados Unidos de minerais e ímãs que são necessários para muitas indústrias.
Segundo o porta-voz do Ministério do Comércio chinês, “falar uma coisa e fazer outra ou usar as negociações para tentar coerção ou extorsão não funcionará com a China”. Se não houver ações concretas por parte dos EUA, “isso vai mostrar sua total falta de sinceridade e solapar ainda mais a confiança mútua”.
Analistas avaliam que, quando cobra de Washington a suspensão das “tarifas unilaterais” para aceitar negociações, Pequim se refere aos 125% de abril.
Embora o anúncio de Pequim tenha sido duro, o simples fato de os chineses terem confirmado o contato formal entre os dois países e anunciado a intenção de iniciar as negociações já animou os mercados globais.
“Negociações entre China e EUA para resolver o conflito tarifário são bem-vindas para os ativos de risco em todo o mundo, que reavaliam se as preocupações foram exageradas. Ambas as potências estão adotando um tom mais conciliador, permitindo que os investidores voltem a se posicionar em risco”, disse Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.
Até esta sexta, EUA e China divergiam até mesmo no que, em outros momentos, parecia indiscutível: se os dois países haviam ou não já iniciado conversas formais. Na semana passada, Trump disse que o líder chinês, Xi Jinping, o ligou para conversar sobre o assunto, o que a China prontamente negou. “Os Estados Unidos não devem confundir o público”, disse na sexta passada Guo Jiakun, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China.
Agora, uma semana depois, foi a China que disse ter sido procurada repetidas vezes por autoridades americanas que buscavam o início das negociações. O jornal New York Times tentou, mas funcionários da Casa Branca e do Departamento do Tesouro não responderam aos pedidos de comentários sobre se tal contato havia realmente ocorrido.
A partir da sinalização de interesse mútuo em conversar, resta agora saber como essas negociações acontecerão. Trump sugeriu que Xi deveria telefonar-lhe pessoalmente para iniciar as conversas, destacando o forte relacionamento pessoal entre eles. Mas não é assim que a China normalmente lida com questões econômicas importantes. Os Estados Unidos e a China tradicionalmente resolvem suas diferenças econômicas por meio de um diálogo estruturado com reuniões formais e grupos de trabalho liderados por um alto funcionário econômico de cada país.
Além disso, analistas observam que a disputa comercial se tornou um importante ponto de orgulho nacional para a China, que também quer evitar pressões midiáticas de Trump, a exemplo do que ele fez com o presidente ucraniano Volodimir Zelenski em fevereiro, ao gritar com o aliado e exigir seus agradecimentos pelo apoio à guerra contra a Rússia.
Fato é que o custo econômico desse toma lá dá cá está começando a ficar claro. O Fundo Monetário Internacional no mês passado reduziu sua perspectiva de crescimento mundial, inclusive para os dois países, alertando que as tarifas tornaram uma recessão mais provável. Dados governamentais divulgados esta semana mostraram a atividade fabril chinesa desacelerando em abril e o crescimento do primeiro trimestre nos Estados Unidos enfraquecendo.
Durante uma reunião de gabinete na quarta na Casa Branca, Trump por exemplo reconheceu que crianças nos Estados Unidos podem acabar com menos bonecas que custam mais. Mas insistiu que continuaria a pressionar por um “acordo justo” com a China, que ele descreveu como o “principal candidato a maior trapaceiro”.
Por outro lado, a administração Trump está focada em acordos comerciais com cerca de 18 dos parceiros comerciais mais importantes dos EUA que estão sujeitos às tarifas recíprocas, suspensas por 90 dias para viabilizar as negociações.
Já os chineses, mais pensando em sua própria economia do que em reatar laços com os americanos, começaram discretamente a isentar alguns produtos dos Estados Unidos, apontou a Bloomberg. O valor dessas importações chegam a US$ 40 bilhões (R$ 226 bilhões), cerca de 24% das importações chinesas dos EUA em 2024.
Do lado europeu, Bruxelas indicou o desejo de aumentar as compras de produtos americanos em 50 bilhões de euros para resolver o problema na relação comercial, disse o principal negociador da UE (União Europeia), acrescentando que o bloco está fazendo certo progresso para fechar um acordo.
Mas Maroš Šefčovič, comissário de comércio da UE, sugeriu em entrevista ao Financial Times que o bloco não aceitaria que Washington mantivesse tarifas de 10% sobre seus produtos como uma resolução justa para as negociações comerciais.
Fonte ==> Folha SP