Cidades inteligentes no Brics: IA, cooperação Sul-Sul e futuro urbano sustentável

Cidades inteligentes no Brics: IA, cooperação Sul-Sul e futuro urbano sustentável

Um dos temas centrais para o futuro do Brics é o desenvolvimento de cidades inteligentes, com o apoio de tecnologias emergentes, em especial, a inteligência artificial (IA), para desenvolver soluções em mobilidade urbana, gestão de resíduos, saneamento básico, gerenciamento energético e na prevenção de riscos e desastres. O conceito de smart cities tem sido ampliado, passando a incorporar os preceitos da sustentabilidade, acessibilidade e da resiliência.

Com a ampliação do Brics, incluindo países como Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, o agrupamento se consolida como um dos principais espaços de articulação do Sul Global. A expansão incrementa a diversidade do grupo e traz novos desafios e oportunidades, por exemplo no campo da urbanização sustentável emulada por meio da aplicação de tecnologias emergentes como a inteligência artificial (IA).

Enquanto o Brasil possui cerca de 86% da população vivendo em áreas urbanas, a Índia tem pouco mais de 35% da população em cidades, embora deva ultrapassar os 40% até 2030 (UN-Habitat, 2023). A China, por sua vez, transformou-se em uma sociedade predominantemente urbana, com cerca de 67% da população vivendo em centros urbanos em 2024, e expectativa de ultrapassar 75% até 2035 (World Bank, 2024). Essa diversidade nos estágios da urbanização dentro do Brics exige soluções adaptadas, mas também cria oportunidades de intercâmbio em políticas públicas em um contexto marcado pelas transições tecnológicas, energético-climáticas e demográficas.

Brics e as Agendas de Cidades

Em 2025, diversas reuniões e fóruns que envolvem cidades do Brics debaterão o fortalecimento da cooperação e o intercâmbio de boas práticas entre cidades.

O Fórum Internacional Municipal do Brics (IMBrics), por exemplo, realizará uma conferência no Rio de Janeiro em 27 e 28 de maio de 2025. Esse fórum serve como uma plataforma para a troca de experiências entre representantes de governos regionais e municipais dos países do Brics, promovendo a cooperação internacional em nível local.

O Rio de Janeiro, cidade sede do evento e da Cúpula do Brics, prevista para os dias 6 e 7 de julho de 2025, vem implementando um conjunto de iniciativas para integrar a inteligência artificial ao desenvolvimento urbano da cidade.

Entre os projetos, destaca-se o “Rio AI City”, lançado durante o Web Summit Rio 2025, em abril, que visa transformar o Parque Olímpico no maior núcleo de centros de processamento de dados da América Latina, com capacidade inicial de 1,8 gigawatts até 2027 e expansão para 3 gigawatts até 2032, utilizando energia limpa e amplo fornecimento de água. Além disso, a criação do SENSEable Rio Lab, em parceria com o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), permitirá o uso de IA visual para mapear e estudar assentamentos informais, contribuindo para o planejamento urbano e melhorias na cidade.

Iniciativas como as Naves do Conhecimento, ambientes colaborativos e criativos com equipamentos de alta tecnologia à disposição dos usuários, buscam promover a inclusão digital e capacitação em tecnologias emergentes para a população. Essas ações refletem o compromisso da cidade do Rio de Janeiro em se consolidar como um polo global de inovação e tecnologia, utilizando a IA para promover desenvolvimento sustentável e inclusão social.

Por sua vez, a Assembleia Geral da Associação Brics+ de Cidades e Municípios, programada para ocorrer entre maio e julho de 2025 em Maricá, no estado do Rio de Janeiro, reunirá representantes de cidades dos países membros do Brics e de outras nações parceiras para discutir estratégias de desenvolvimento urbano sustentável e cooperação intermunicipal.

Agendado para setembro de 2025 em Moscou, o Brics Urban Future Forum dará seguimento aos temas tratados durante a presidência brasileira, estimulando o debate sobre o desenvolvimento harmônico das megacidades do Brics, com foco em infraestrutura verde, tecnologia urbana, arquitetura resiliente e sustentabilidade, e em soluções baseadas na descarbonização e na geração de empregos em um contexto de intensificação das mudanças climáticas.

IA e cidades inteligentes no Brics: experiências em curso

A inteligência artificial tem sido aplicada de maneira crescente em grandes cidades dos países do Brics, com impactos significativos no planejamento urbano, na gestão de serviços públicos e na participação cidadã.

A China lidera o desenvolvimento de cidades inteligentes com IA, especialmente em Xangai e Shenzhen. Xangai utiliza uma plataforma de governança urbana baseada em IA chamada “City Brain”, que integra dados de transporte, saúde, segurança pública e meio ambiente para tomada de decisões em tempo real. Em Shenzhen, a IA também é usada para monitoramento da qualidade do ar e previsão de demanda energética, promovendo a eficiência na distribuição de energia elétrica.

Na Índia, a cidade de Pune desenvolve soluções de mobilidade inteligente com o apoio de IA, como o sistema de transporte público com base em análise de fluxo de passageiros, ajudando a planejar melhor as rotas e horários dos ônibus.

Johannesburgo e Cidade do Cabo, na África do Sul, têm investido em sistemas de vigilância urbana baseados em IA para prevenção de crimes e resposta rápida a emergências. Além disso, a IA tem sido usada para prever a geração de resíduos e planejar a logística de coleta, com foco na redução de impactos ambientais e melhoria do ambiente urbano.

Moscou tem implementado soluções de IA para gerir o trânsito, controlar o consumo energético de edifícios públicos e promover um ambiente urbano mais conectado. Cidades da Sibéria, como Novosibirsk, têm adotado tecnologias para melhorar o acesso ao saneamento e gerenciar redes elétricas descentralizadas.

No Brasil, além da experiência bem-sucedida do Centro de Operações da cidade do Rio de Janeiro, a implementação de sistemas baseados em IA no Centro de Gerenciamento de Tráfego tem permitido a otimização dos semáforos em tempo real em São Paulo, buscando reduzir congestionamentos e reduzindo o tempo de deslocamento.

Em Curitiba, sensores inteligentes e análise preditiva gerenciam o consumo de energia em prédios públicos, além de desenvolver projetos-piloto de coleta inteligente de resíduos sólidos, com rotas otimizadas via algoritmos; projeto que lhe rendeu o prêmio mundial de cidade inteligente em 2023.

Cidades Inteligentes e Resilientes em tempos de Mudanças Climáticas

Diante do aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais e enchentes, diversas cidades do Brics têm implementado soluções baseadas em inteligência artificial para mitigação de riscos hídricos e desenvolvimento de infraestrutura resiliente. Em cidades indianas como Chennai e Mumbai, algoritmos de IA são utilizados para prever áreas de alagamento com base em dados pluviométricos e de solo, permitindo ações preventivas mais rápidas e eficazes.

No Brasil, projetos em Recife e Rio de Janeiro integram mapas de risco com sensores em tempo real para alertas de enchentes e evacuação de áreas vulneráveis. Já na China, o conceito de “cidades-esponja” tem ganhado força, especialmente em Wuhan e Chongqing, onde a arquitetura urbana é redesenhada para absorver e reter águas pluviais por meio de parques alagáveis, pavimentos permeáveis e telhados verdes.

Tais abordagens combinam engenharia, planejamento urbano e IA para construir cidades mais adaptadas à mudança do clima, com infraestrutura resiliente e mais segurança para suas populações.

Cidades futuristas e soluções adaptadas a contextos locais

Projetos como NEOM (na Arábia Saudita) e a cidade de Masdar (nos Emirados Árabes) são ícones da urbanização baseada em IA e sustentabilidade. NEOM promete ser uma cidade totalmente inteligente e integrada, com IA no controle da mobilidade autônoma, gestão hídrica e geração de energia renovável. Em Masdar, sensores inteligentes ajudam a manter o consumo de energia no mínimo, e a IA é usada para prever picos de demanda.

No Egito, novas cidades como a Nova Capital Administrativa estão sendo planejadas com tecnologias digitais e IA, incluindo controle de iluminação pública inteligente e sistemas de vigilância urbana. Na Etiópia, projetos-piloto em Adis Abeba usam IA para mapear áreas com risco sanitário elevado, facilitando a ação pública para prevenção de doenças relacionadas ao saneamento.

Cooperação e boas práticas: o papel do Brics e do NDB

A pluralidade de experiências no Brics abre uma janela importante para o intercâmbio de boas práticas. A presidência brasileira do Brics em 2025 representa uma oportunidade estratégica para aprofundar a cooperação em tecnologias urbanas, reunindo especialistas, gestores públicos e atores da sociedade civil em fóruns temáticos sobre cidades inteligentes.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, Banco do Brics) tem papel central nesse processo. Criado para financiar infraestrutura sustentável nos países membros, o NDB pode ampliar suas linhas de crédito para projetos que usem IA para fins públicos, garantindo a democratização do acesso às tecnologias nos grandes centros urbanos. A construção de cidades inteligentes nos países do Brics deve ser mais do que uma vitrine de alta tecnologia. É preciso que a IA seja usada para reduzir desigualdades urbanas, promover a inclusão digital e garantir serviços públicos mais eficientes e acessíveis.

A cooperação Sul-Sul, por meio do Brics, oferece espaços de diálogo ativos, o bloco pode consolidar uma agenda urbana comum, baseada em sustentabilidade, justiça social e soberania digital.

Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e do Centro de Estudos em Cidades Inteligentes da PUC SP
Artigos de opinião publicados neste espaço são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não refletem a posição oficial da presidência brasileira do Brics ou do governo brasileiro. As opiniões expressas são independentes e destinam-se a promover o debate plural sobre temas relevantes à agenda do Sul Global.



Fonte ==> Bahia Notícias

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