Quarks e glúons são os nomes de duas partículas que fazem parte do vocabulário da física Dyana Duarte. Ela estuda todo tipo de matéria formada pelos quarks, como os prótons e nêutrons, partículas maiores que compõem o núcleo do átomo. Os glúons vêm junto porque agem como uma cola –são eles que mantêm os quarks ligados uns aos outros. Em outras palavras, os glúons seriam as “cascas de bala” dos quarks (se você não conhece a canção viral do cantor Thullio Milionário e do compositor Flávio Pizada Quente, entenda primeiro).
Simplificando ainda mais: assim como uma casa é composta por vários pequenos tijolos colados uns nos outros com cimento, o universo inteiro também é composto por partículas minúsculas (quarks) que estão coladas umas nas outras (pelos glúons, a cola) a partir de uma interação entre todas elas.
Voltando: o que não se sabe, e é justamente um dos problemas que Duarte busca resolver, é o mecanismo de funcionamento que mantém essas partículas unidas e coesas formando o núcleo.
À teoria que busca explicar as interações entre os quarks, os físicos deram o nome de cromodinâmica quântica (QCD, na sigla em inglês). Formulada nos anos 1970, é a atual área de estudo de Duarte, que atua na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
Até aqui o problema não resolvido já é grande. Mas a teoria não para por aí, porque os físicos nucleares também querem entender o comportamento dessa matéria em condições extremas, como em variações bruscas de temperatura e altíssima densidade. Ou seja, situações que só ocorrem em outro ponto do Universo, bem longe da Terra.
“Com os métodos que conhecemos, a QCD ainda não tem uma solução exata”, afirma Duarte. “Para se chegar a uma possível resposta, um dos métodos possíveis é a formulação de modelos matemáticos.”
Atualmente, nenhum acelerador de partículas consegue reproduzir o ambiente com altas densidades. Quanto maior o número de partículas apertadas num volume ínfimo, maior a densidade. Nos experimentos dos aceleradores disponíveis, o máximo que se consegue alcançar é até duas vezes a densidade do núcleo atômico. Mas Duarte está interessada em mais: cinco a seis vezes da mesma unidade nuclear.
Em regimes de alta densidade, fenômenos curiosos podem ocorrer com a matéria, como a mudança de uma fase confinada para a não confinada. O confinamento é uma das propriedades da QCD e pode ser entendido como matéria unida numa determinada região.
A pesquisadora explica: “quando aumentamos muito a escala de energia, a interação que mantém as partículas de quarks unidas e coesas formando prótons e nêutrons começa a enfraquecer. Então, em energias extremamente altas, as partículas se desconfinam”. Comparando com casas novamente, é como se o cimento que mantém os tijolos unidos começasse a derreter, fazendo com que toda a estrutura ficasse comprometida ou até mesmo que a casa desabasse. O porquê disso ninguém sabe, já que se trata de um comportamento inesperado.
A detecção de ondas gravitacionais preenche algumas lacunas. Elas são ondulações no espaço-tempo que surgem sempre que grandes massas são aceleradas. Até então, tudo o que se conhecia sobre o regime de altas densidades era pura especulação fundamentada em modelos matemáticos extremamente complexos. “Não havia experimentos que dissessem se tais modelos estavam certos ou errados”, observa a cientista. “A detecção dessas ondas trouxe, pela primeira vez, a possibilidade de termos algo similar a um laboratório de onde tirar observações.”
Na detecção de agosto de 2017, duas estrelas de nêutrons se fundiram, oferecendo aos pesquisadores duas medidas: a massa máxima da estrela final e o seu raio. A partir desses valores, Duarte está testando modelos matemáticos e tentando obter a equação de estado correspondente, que basicamente informa como a pressão do sistema varia conforme a densidade muda.
“Quais ingredientes você precisa ter no seu sistema matemático para que a equação de estado gere os valores observacionais das ondas gravitacionais?”, indaga a física. Nesse caso, o modelo matemático informa o que tem no sistema: quais partículas existem, se haverá transição de fase, se vai ter surgimento de novas partículas e outras variáveis.
Como cada tipo de modelo tem os seus próprios ingredientes e isso leva a uma única equação de estado, a pesquisadora está justamente na etapa de pensar e testar os possíveis ingredientes correspondentes aos valores observados. É um raciocínio de trás para frente. Os cálculos, portanto, continuam.
E afinal de contas, para que serve estudar tudo isso? O conhecimento da equação de estado nos permite dar passos importantes na compreensão da matéria que compõe o universo, principalmente em altas densidades, complementando as informações que já podemos obter em aceleradores de partículas.
“O estudo tem, portanto, potencial de um avanço significativo do nosso conhecimento sobre a natureza da matéria, da gravidade e a evolução do universo como um todo”, completa Dyana Duarte.
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Renata Fontanetto é jornalista.
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Fonte ==> Folha SP