Concluindo o que o mundo começou na Conferência do Oceano da ONU – 27/06/2025 – Ambiente

A imagem mostra um painel com o logotipo da Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, que ocorrerá em Nice, França, em 2025. Ao fundo, é possível ver um porto com barcos e edifícios à beira-mar, além de montanhas ao longe. O céu está claro e a cena transmite uma atmosfera de evento ao ar livre.

Quando o sol se pôs na terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, em Nice, havia muito o que comemorar, mas também muitos assuntos pendentes para o mundo tratar na COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Belém no fim deste ano.

Num cenário de incerteza global e de dúvidas sobre se os processos multilaterais ainda podem dar resultados, os países representados em Nice estiveram amplamente unidos quanto à necessidade de uma resposta mais ambiciosa aos desafios enfrentados pelo nosso oceano. Mas essa foi só a primeira etapa da jornada. Para proteger a tempo esse bem comum global que preserva a vida, muito mais deve ser feito antes da COP30.

Entre os resultados a serem comemorados, o Tratado de Alto Mar fez um progresso notável. Com 19 países ratificando-o em Nice e outros 12 se comprometendo a fazê-lo, estamos agora no caminho certo para tornar esse acordo global histórico operacional até o início de 2026, permitindo a criação de áreas marinhas protegidas em alto mar. Isso preencherá uma enorme lacuna na governança dos oceanos.

Não é possível atingir a meta de proteger pelo menos 30% dos oceanos do mundo até 2030 sem reservar grandes áreas do vasto alto-mar —área que representa dois terços do oceano e metade da superfície do nosso planeta. O estabelecimento de uma proteção marinha eficaz é especialmente urgente nas regiões polares, que estão na linha de frente da crise climática.

A situação no oceano Antártico é terrível, exigindo ações imediatas para avançar com propostas de áreas marinhas protegidas há muito tempo paradas. Essas proteções salvaguardarão a capacidade do oceano de ajudar a mitigar a mudança climática (absorvendo carbono) e aumentarão a resistência das espécies marinhas contra o aquecimento das temperaturas (removendo, por exemplo, as pressões da pesca excessiva).

Em Nice, vários países também anunciaram novas e significativas proteções marinhas em suas águas nacionais, com a Polinésia Francesa anunciando o que, com quase cinco milhões de quilômetros quadrados), será a maior rede de áreas protegidas do mundo. Além disso, a conferência apresentou um bem-vindo progresso no combate à poluição por plásticos e na restrição das práticas de pesca mais prejudiciais.

Mas nenhum desses marcos deve ser confundido com uma virada da maré para a proteção dos oceanos. Em vez disso, cada um deles deve fazer parte de uma mudança mais ampla: uma maré crescente de ambições mais elevadas que ainda tem muito a avançar.

Considere o que ainda precisa ser feito. Primeiro, continuamos muito aquém de designar e aplicar a proteção marinha. Mesmo depois de Nice, só 10% do oceano está protegido de alguma forma. Isso está muito longe dos 30% que precisamos proteger até o final da década.

Pior ainda, muitas áreas protegidas são protegidas só no nome. Por exemplo, muitos esperavam que um campeão ambiental como a França tivesse anunciado uma proibição rigorosa da pesca de arrasto de fundo em suas áreas protegidas. Ainda assim, há tempo para que mais países deem o exemplo, inclusive na COP30.

Em segundo lugar, os dólares ainda contam. Ainda há uma grande lacuna entre o que foi prometido e o que foi entregue. Globalmente, só US$ 1,2 bilhão por ano é destinado à proteção dos oceanos, menos de 10% do necessário, mesmo quando estudos mostram que a proteção de 30% dos oceanos até 2030 poderia liberar US$ 85 bilhões por ano até 2050.

Na verdade, o redirecionamento do dinheiro alocado para subsídios prejudiciais à pesca em apenas dez países preencheria a lacuna de financiamento para a proteção dos oceanos. Os gastos governamentais devem reabilitar, e não debilitar, esse recurso fundamental.

Em terceiro lugar, o silêncio em Nice sobre o fim de nossa dependência de combustíveis fósseis foi ensurdecedor. Embora o mundo tenha se comprometido há dois anos, na COP28 em Dubai, a fazer a “transição” dos combustíveis fósseis, essa questão parece ser reavaliada em todas as reuniões multilaterais.

Com a crise climática representando uma ameaça existencial a toda a vida em nosso planeta azul, um novo desenvolvimento não mitigado de petróleo e gás no mar é a antítese de todas as nossas metas declaradas. Ainda assim, um ponto positivo foi o Desafio NDC Azul, lançado pelo Brasil e pela França e apoiado por oito países inaugurais, que pressiona para os os planos climáticos nacionais incluírem medidas baseadas no oceano.

A conferência de Nice deve se tornar um trampolim para uma ação oceânica maior em Belém. A COP30 é a plataforma ideal para anunciar novas proteções marinhas e financiamento para esforços de conservação em países em desenvolvimento e para a construção de resiliência em países insulares e costeiros vulneráveis.

Como presidente da COP30 e país costeiro, o Brasil tem a oportunidade de usar o impulso gerado em Nice para integrar a resposta do mundo às nossas crises climáticas e oceânicas conectadas. Nós temos escolha. Podemos ser a geração que transformou a ambição em ação ou podemos deixar que nosso bem comum global mais importante entre em colapso irremediável. O oceano não pode esperar. A COP30 deve apresentar resultados.



Fonte ==> Folha SP

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