Condomínio evangélico quer ‘trazer Israel para o Brasil’ – 22/07/2025 – Cotidiano

Condomínio evangélico quer 'trazer Israel para o Brasil' - 22/07/2025 - Cotidiano

Que tal morar em Jerusalém, “a capital espiritual de Israel”, ou Jericó, “cidade de cura e graça, onde Jesus curou o cego Bartolomeu”?

Há outras opções na mesa: Betânia, Nazaré, Belém e outras cidades ligadas à Israel bíblica, que batizarão os 22 blocos de apartamentos previstos para o Residencial Clube Manancial da Fé, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

O CEP brasileiro não é obra do acaso. A cada dez moradores acima de 10 anos de Nova Iguaçu, quatro são evangélicos, bem acima da média nacional, de 26,9%. É o público-alvo do empreendimento imobiliário idealizado pelo empresário Alcindo Plácido, 55, que divulga um condomínio com “conforto, espiritualidade e segurança num só lugar”.

“Você não vai à Terra Santa, mas a Terra Santa vai até você”, ele resume assim seu plano de “trazer Israel para dentro do Brasil”.

São apartamentos de 44 metros quadrados, com dois quartos, ou a versão maiorzinha, de 51,5 metros quadrados, que inclui um garden. A “morada edificada sobre os alicerces da tradição familiar”, como é vendida no folder de divulgação, promete piscinas, quadras, jardins, academia, pet place e espaço gourmet.

A proposta é construir 420 unidades, a serem financiadas com prestações a partir de R$ 600, num custo total que pode chegar a R$ 260 mil. “O brasileiro tem um sonho da casa própria, a gente se emociona com essa ideia.”

Em 2008, Plácido tentou pôr de pé um conjunto habitacional nos mesmos moldes, o Comandante Life 1, que teria uma escultura em bronze no formato de Bíblia e mirava “fiéis em oração pela casa própria”.

Antes mesmo, nos anos 1990, já havia tentado emplacar projeto similar. Nenhum dos dois deslanchou, o segundo por falta de interesse, o primeiro porque a construtora envolvida quebrou.

“Para não frustrar os irmãos” nessa ocasião, ele lançou o Reserva da Paz na década passada. O loteamento de casas, também em Nova Iguaçu, é mais em conta, sem as comodidades do empreendimento atual.

Paula Barbosa, coordenadora de vendas do Manancial, vive no Reserva. A inauguração desse primeiro condomínio, para ela, “foi um diferencial, porque ali sempre foi controlado por facções”. Nova Iguaçu está entre as cem cidades mais violentas do Brasil, com 35,8 mortes por cem mil habitantes, segundo o Atlas da Violência 2024.

Já seu endereço, garante Barbosa, entrega a paz que carrega no nome. Tem muito pastor da localidade que mora ali dentro”, o que o torna mais impermeável à criminalidade da região.

Cerca de 70% dos moradores do Reserva da Paz são crentes, estima Plácido. Se “a maioria é por excelência cristã”, isso reflete na convenção que estabelece “algumas regras interessantes” para o condomínio, “de convívio familiar”, diz. “Se a pessoa tem uma predisposição à bebida alcoólica, que consuma dentro de casa”, exemplifica.

“Não que você vá fazer um trabalho só para evangélicos”, ele faz a ressalva. Diz na sequência que já vendeu um lote do Reserva da Paz “para uma senhora que chegou com uma criança e outra senhora, elas eram um casal”. A mãe de uma das condôminas é fiel e “achava melhor ela ir pra lá, criar a filha num ambiente familiar”. Seja feita a vossa vontade.

Nem haveria por que rejeitar um morador LGBTQIA+, medida discriminatória inclusive aos olhos da Justiça brasileira, afirma. “Sou cristão, e Cristo diz para você seguir as leis do homem.”

Fiel do Ministério Madureira, um dos maiores galhos da Assembleia de Deus, Plácido diz que deve tudo à igreja. Começou entregando jornais, aos 12 anos, e foi “de tudo na vida, com ajuda de irmãos que viram meu potencial e me ajudaram”: feirante, garçom, lavador de pratos, pedreiro, faxineiro, até abrir sua empresa, a MultiplicZ. O nome é inspirado no milagre da multiplicação de pães que a Bíblia credita a Jesus.

Plácido tem por missão “trazer para os empresários essa ideia de que o consumo dos evangélicos é fundamental” e pode multiplicar os lucros, inclusive. É uma turma com renda mais baixa na média, mas com muitas vantagens: não tem vícios em álcool ou drogas que dilapidem suas finanças e não “gasta seu dinheiro em baladas”, argumenta. Sobra mais para investir em áreas tidas como mais nobres para a alma.

Fora que “interagir com o evangélico é muito melhor” também do ponto de vista operacional, afirma. “Conversar com esse público é uma bênção.” Plácido diz que não há tantas despesas com marketing de retenção, porque os crentes teriam mais inclinação a fidelizar com o projeto, dispensando campanhas para retê-los na marca.

Também são menores os gastos com comunicação, porque a estratégia é mais enxuta. Em vez de mandar imprimir 100 mil panfletos para divulgar o Manancial da Fé, encomendou só 10 mil, “e não usamos nem metade”.

O forte mesmo é promover o empreendimento direto nos templos, sobretudo nos cultos de domingo. São dezenas de igrejas só na avenida que acolherá o projeto imobiliário, da Quadrangular à Universal do Reino de Deus.

Denominações evangélicas são “como um ponto de Coca-Cola, tem em todo lugar”, e funcionam como um ponto de apoio importante na comunidade, diz Plácido, citando a “recuperação de drogados e a distribuição de cestas básicas”.

Tanta fé não está espelhada no apartamento decorado montado na sede local da mineira VIC Engenharia, parceira da vez. O design poderia estar em qualquer apartamento moderninho, com móveis estilo Tok Stok, led nos espelhos, um livro do Oscar Niemeyer na mesa de cabeceira e outro com receitas vegetarianas na cozinha integrada à sala.

“Ter uma decoração eclética” mostra que o crente não reflete aquele estereótipo careta que tanto se vê por aí, diz Plácido. “Antigamente, o camarada com tatuagem era mal visto. A igreja tá deixando de ser religiosa para ser mais humana.” E virando um manancial não só de fé, mas também de oportunidades para o mercado.

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Fonte ==> Folha SP

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