Político de ascensão meteórica na juventude —deputado aos 31 anos, ministro aos 36, primeiro-ministro aos 37—, Laurent Fabius é hoje, aos 78, um dos decanos da política francesa. Sua nova missão é presidir um círculo de ex-presidentes de COPs (conferências do clima da ONU), em um papel consultivo para que a COP30 de novembro, em Belém, vá além das declarações de intenções.
“Implemente, baby, implemente”, defende, parodiando o mantra dos defensores dos combustíveis fósseis, “Perfure, baby, perfure”, usado amplamente por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.
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Então ministro das Relações Exteriores da França, Fabius presidiu a histórica COP21, dez anos atrás, na capital francesa. Dela saiu o famoso Acordo de Paris, primeiro tratado universal com metas bem definidas contra o aquecimento global.
Embora o objetivo de limitar a alta da temperatura do planeta a 1,5°C pareça cada vez mais distante, Fabius ressalva que a situação estaria bem pior sem o acordo: “Cada décimo de grau [a menos] representa dezenas de milhões de vidas salvas”.
Fabius está acostumado a negociar em situações de crise —além dos inúmeros cargos políticos que exerceu, ele presidiu durante nove anos, até março passado, o Conselho Constitucional, a corte suprema francesa.
A crise do clima é um dos maiores desafios de seu meio século de carreira, que exigirá, segundo ele, ainda mais cooperação diante do boicote dos EUA de Donald Trump. “O multilateralismo é uma necessidade absoluta. Espero que a COP demonstre isso.”
Ele recebeu a Folha para esta entrevista em seu escritório, bem em frente à Ópera de Paris.
Em seu discurso na cúpula de prefeitos na Prefeitura de Paris, em junho, o sr. mencionou o trabalho do presidente Lula e do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, para garantir o sucesso da cúpula. Como avalia esses esforços e que vantagens específicas o Brasil traz para essa conferência, como país anfitrião?
O contexto é difícil, mas a COP30 se beneficiará especialmente de três grandes vantagens. A primeira é que está sendo realizada no Brasil, que tem uma posição de influência no mundo. O fato de ser o país anfitrião é fundamental.
A segunda é o próprio presidente Lula, conhecido por seu compromisso com o multilateralismo e a justiça social.
O terceiro ativo é o presidente da COP, André Corrêa do Lago, um diplomata altamente competente, assim como toda a equipe que prepara a COP. Essa combinação será extremamente útil para enfrentar os desafios consideráveis da COP30.
O senhor agora preside um círculo de ex-presidentes de COPs. Qual é o seu papel e que trunfos pode alavancar?
Nossos amigos brasileiros tiveram a ideia de criar esse círculo de ex-presidentes da COP. Eles me pediram para presidi-lo, provavelmente por causa do meu papel na COP21 e no Acordo de Paris, que se tornou a referência mundial na luta contra o aquecimento global.
Somos dez homens e mulheres que presidiram COPs. Nosso principal ativo é nossa experiência. Todos nós vivenciamos a preparação das COPs em condições mais ou menos difíceis, com seus altos e baixos e questionamentos, e com a necessidade de liderar e garantir seu acompanhamento.
Nossas alavancas são a experiência, a escuta e o aconselhamento. Não tomamos as decisões, mas trabalhamos em estreita colaboração com o presidente da COP e os líderes, pois nosso único objetivo é o sucesso da COP30.
O senhor mencionou a necessidade de que a COP30 seja “a COP da ambição e da ação”. Poderia desenvolver essa ideia?
A ambição é essencial, porque a situação climática é crítica. A perspectiva é preocupante. 2024 foi o ano mais quente já registrado, com uma série de desastres, inclusive no Brasil, onde eu estava durante as enchentes no Rio Grande do Sul.
As projeções científicas apontam para uma deterioração ainda maior, com consequências temíveis para milhões de pessoas. Esse é um desafio existencial, que exige compromissos que atualmente são inadequados.
Saberemos mais quando as NDCs [contribuições determinadas nacionalmente, metas climáticas de cada país no Acordo de Paris] forem publicadas, em setembro, mas podemos nos preocupar legitimamente.
Precisamos não apenas de compromissos, mas de ações alinhadas a esses compromissos. O próprio André Corrêa do Lago fala sobre implementação e aplicação.
Acho que alguém disse: “Drill, baby, drill” [a expressão, “perfure, bebê, perfure”, foi popularizada por Sarah Palin, ex-candidata republicana à vice-presidência dos EUA, e retomada por Donald Trump em campanha]. Eu preferiria dizer: “Implement, baby, implement” [implemente, bebê, implemente].
Como conciliar o desejo de salvar o planeta com os projetos de exploração de combustíveis fósseis que continuam, inclusive no Brasil e na França, ao mesmo tempo em que ocorrem as discussões da COP?
Essa é uma pergunta complicada, que deve ser feita aos próprios líderes. Não quero nem posso tomar o lugar deles.
De modo geral, a linha a ser seguida foi definida pela COP28 e pela declaração final em Dubai, que se refere à “transitioning away” [transição para longe] dos combustíveis fósseis. Os fatos científicos mostram que a maior parte da mudança climática se deve às emissões de gases de efeito estufa, CO2 e metano.
Para combater isso de forma eficaz, precisamos aplicar essa abordagem de “transitioning away”. Mas ainda não chegamos lá.
Em 2015, o sr. foi beneficiado por uma combinação favorável de fatores políticos e científicos, com uma convergência entre cientistas, sociedade civil e governos. Agora, essa dinâmica parece ter se rompido. Como analisa isso?
Sim, não estamos na mesma situação que em 2015. O sucesso da COP de Paris não se deveu apenas à diplomacia francesa. Houve uma combinação positiva de fatores objetivos.
Em primeiro lugar, o papel da ciência, em especial as publicações do IPCC [painel científico do clima da ONU] e da Agência Internacional de Energia. Apesar de alguns desafios, não tínhamos o questionamento virulento da ciência que estamos vendo agora, principalmente por parte do presidente de um grande país.
Ainda podíamos contar com um apoio muito forte da sociedade civil, das cidades e das regiões e, embora o setor de combustíveis fósseis fosse reticente, muitas empresas estavam comprometidas.
Acima de tudo, havíamos conseguido reunir governos. Era uma época em que o multilateralismo era menos contestado do que é hoje. Obtivemos o acordo da China, dos Estados Unidos, da Índia, do Brasil, da África, da Europa e das ilhas etc.
Hoje, esses três fatores não estão mais presentes.
Acima de tudo, o multilateralismo está sendo prejudicado pelo aumento das taxas alfandegárias e, é claro, pelos conflitos armados. A força está substituindo cada vez mais o estado de Direito.
Essa atmosfera desfavorável torna o esforço ainda mais necessário. É um grande paradoxo: em um momento em que a ação climática é particularmente útil, os números mostram um enfraquecimento.
Novos fatores estão surgindo: a independência dos países europeus é mais bem garantida por energias limpas do que por energias baseadas em carbono importadas da Rússia. Além disso, agora percebemos que tudo está ligado: clima, saúde, biodiversidade. Como podemos não ficar chocados?
Na Covid, descobrimos uma vacina e mobilizamos rapidamente centenas de bilhões de euros; enquanto diante de um mal que não tem vacina e ameaça a própria existência da humanidade, não conseguimos mobilizar somas equivalentes.
Ainda podemos acreditar no papel da diplomacia multilateral em um mundo em que as políticas unilateralistas estão aumentando?
Em 2015, como ministro das Relações Exteriores, negociei o acordo nuclear iraniano em Viena e o Acordo de Paris. Em ambos os casos, chegamos a soluções positivas, que foram posteriormente questionadas, pelo mesmo presidente [Donald Trump tirou os EUA dos dois acordos].
Ainda acredito que a força não substitui a lei. Isso é óbvio quando se trata do aquecimento global: aumentar o número de guardas de fronteira não deterá as moléculas de CO2 ou CH4. A história mostra que, como disse o filósofo Blaise Pascal, “a justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica”.
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O sr. tem um lema sobre a questão do clima: “Melhor, mais rápido e juntos.” Dez anos após o Acordo de Paris, quais são as decisões prioritárias para colocá-lo em prática?
As linhas gerais foram bem definidas, principalmente em Dubai [na COP28, em 2023]. Há várias questões fundamentais. Primeiro, o financiamento.
O combate às mudanças climáticas exige financiamento público e privado, principalmente para os países em desenvolvimento, tanto para a redução de emissões quanto para a adaptação. Estamos muito longe de conseguir isso.
Outra prioridade são os compromissos e o cumprimento deles. Desde o Acordo de Paris, cada país tem que apresentar sua contribuição nacional a cada cinco anos. Todos deveriam ter feito isso até fevereiro, mas muitos não o fizeram. O prazo foi adiado para setembro.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, deve falar sobre esse assunto em breve em Nova York e, depois, novamente em setembro, especialmente com relação aos 35 principais emissores de gases de efeito estufa. Esses países precisam assumir compromissos que correspondam às nossas metas, e precisamos ser capazes de verificar se eles as estão cumprindo.
Também precisamos desenvolver novas energias, que tiveram um bom progresso com uma redução significativa nos custos e preços, e melhorar a eficiência energética.
Em Belém, também devemos insistir na justiça climática. Em todos os países, se a ação climática não for acompanhada de justiça social, ela enfrentará a resistência da população. Essa dimensão deve estar presente. Outras questões importantes precisam ser abordadas, por exemplo, a luta contra o desmatamento e a inclusão dos povos indígenas. Nesses dois pontos, acho que teremos sucesso, mas a tarefa é imensa.
Quais são as principais mudanças que o senhor viu desde 2015, especialmente em termos de tecnologia e justiça social?
Mesmo que a meta de 1,5°C provavelmente seja ultrapassada, o Acordo de Paris nos permitiu passar de uma tendência de +3°C a +5°C até o final do século para menos de +3°C. Cada décimo de grau de aquecimento representa dezenas de milhões de vidas salvas.
Houve uma melhora relativa, mas a situação continua difícil. Há dez anos, não medíamos a ligação entre clima, biodiversidade e saúde como fazemos hoje. Essa é uma lição poderosa: a maioria dos principais problemas contemporâneos é interdisciplinar, intergeracional e internacional, o que torna o multilateralismo ainda mais necessário.
Outra mudança é que estamos mais conscientes da necessidade de agir na questão da adaptação. Mesmo que estejamos lutando para impedir as mudanças climáticas, elas já existem e estão causando enormes danos. Diante de enchentes, incêndios e fome, precisamos de medidas de adaptação poderosas e urgentes que, muitas vezes, dependem de financiamento público.
A COP pode ser bem-sucedida sem os Estados Unidos?
A retirada do governo dos EUA é um fato. Daí a necessidade ainda maior de ação positiva e cooperação de outros governos: Brasil, União Europeia, China etc. Por outro lado, o papel dos atores não governamentais precisa ser fortalecido.
As cidades e regiões não são meros implementadores, mas verdadeiros atores na luta contra as mudanças climáticas, provavelmente os primeiros.
Isso tem duas consequências. Em primeiro lugar, esses atores devem estar presentes, particularmente no Rio, na reunião preparatória antes de Belém, especialmente os estados e as grandes cidades americanas que assim o desejarem. Em segundo lugar, na própria COP, o papel desses atores locais deve ser fortalecido.
Raio-X | Laurent Fabius
Nascido em Paris, em 1946. Membro do Partido Socialista, foi primeiro-ministro (1984-86), presidente da Assembleia Nacional (1988-92 e 1997-2000), ministro da Economia (2000-02), das Relações Exteriores (2012-16) e presidente do Conselho Constitucional (2016-2025). Presidiu a COP21, em Paris, em 2015.
Fonte ==> Folha SP