O gigante de relações públicas Edelman está ajudando o Brasil, anfitrião da COP30, a aprimorar sua estratégia de mídia para a conferência climática da ONU deste ano. A empresa trabalha também para a Shell, uma das maiores empresas de combustíveis fósseis do mundo.
A Edelman ganhou o contrato de US$ 835 mil (cerca de R$ 4,76 milhões) neste mês, por meio de uma agência da ONU, para ajudar a equipe da COP30 do Brasil a “elaborar uma narrativa estratégica”, gerenciar relações com a mídia internacional, criar conteúdo digital e conduzir crises de relações públicas na cúpula de novembro, segundo o acordo registrado junto ao governo dos EUA.
O site Climate Home News apurou que a mesma executiva que supervisiona o trabalho da empresa com a Shell no Brasil —onde a companhia de energia está aumentando a produção de petróleo e gás— também trabalhará no contrato da COP30.
O Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que gerenciou o processo de contratação para a presidência da COP30, informou ao Climate Home News que a seleção da Edelman não contraria suas regras sobre conflitos de interesse.
Mas críticos afirmam que o trabalho da agência de RP (relações públicas) relacionado a combustíveis fósseis, por si só, deveria excluí-la de realizar relações com a mídia nas negociações climáticas da ONU.
Procurada, a Edelman disse que acredita que a mudança climática seja “a maior crise do nosso tempo, exigindo soluções ousadas, colaboração e inovação”. A presidência da COP30 também defendeu a contratação.
“A Edelman tem óbvios conflitos de interesse e é completamente inadequada para um papel nas negociações climáticas”, criticou Duncan Meisel, diretor executivo da Clean Creatives, grupo ativista de profissionais de RP que pede que agências parem de trabalhar para clientes de combustíveis fósseis.
Rachel Rose Jackson, diretora de pesquisa e política climática da ONG Corporate Accountability, afirmou que “ter um apoiador de combustíveis fósseis e facilitador da crise climática desempenhando um papel fundamental na COP30 é absurdo”.
Planeta em Transe
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas
A Edelman, que renovou sua parceria global com a Shell no ano passado, tem sido repetidamente criticada por ativistas climáticos por sua associação com a indústria de combustíveis fósseis.
A empresa rebateu as críticas. “A Edelman está comprometida em fazer parte da mudança trabalhando com diversos clientes, incluindo empresas de energia, que têm um papel vital a desempenhar na transição, como afirmado na COP28 e no Consenso dos Emirados Árabes Unidos”, disse o porta-voz, referindo-se ao acordo na cúpula de Dubai que pediu a transição dos combustíveis fósseis.
A presidência da COP30 afirmou em comunicado que a Edelman atendeu aos critérios desejados para o papel e venceu um processo de seleção “rigoroso”, realizado em nome do Brasil pelo Pnud, com contribuições da presidência.
Um porta-voz do Pnud disse que a proposta da Edelman foi considerada em conformidade com as suas políticas. A agência da ONU define conflito de interesse como qualquer situação em que uma empresa licitante esteja envolvida na preparação do programa ou projeto em licitação ou qualquer parte de seu processo de aquisição —ou ainda quando “esteja em conflito por qualquer outro motivo”.
Os esforços mundiais para se afastar dos combustíveis fósseis —a principal causa do aquecimento global— será uma das questões mais quentes na agenda da COP30.
Para limitar o aquecimento global à meta do Acordo de Paris de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, nenhum novo campo de petróleo e gás natural deve ser desenvolvido, alertou a AIE (Agência Internacional de Energia) em 2021.
Mas gigantes de combustíveis fósseis, incluindo a Shell, não pararam de expandir suas atividades de perfuração. Maior produtora estrangeira de petróleo e gás no Brasil, a Shell, que tem sede em Londres, está investindo em nova produção de petróleo e gás no país sul-americano.
Em março, deu sinal verde para um vasto projeto offshore no Rio de Janeiro que, em seu pico, poderia aumentar a produção de petróleo e gás da Shell no Brasil em pelo menos um quarto dos níveis atuais, e adquiriu quatro novos blocos de exploração em um leilão no mês passado.
Enquanto isso, a empresa anunciou este ano que abandonaria projetos solares e eólicos terrestres no Brasil, alinhando-se a uma estratégia global de renovar seu foco em combustíveis fósseis.
Ana Julião, executiva da Edelman que lidera as operações no Brasil, está entre os funcionários da companhia designados no contrato da COP30, de acordo com o registro no Departamento de Justiça dos EUA, que disponibiliza online o documento.
Com quase três décadas de experiência, Julião é destacada em seu perfil corporativo online por sua expertise em ajudar a promover empresas, incluindo Petrobras, Shell e Chevron, e proteger suas reputações.
No ano passado, ela falou em um evento organizado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás —grupo que representa o setor— sobre o papel das relações públicas na “construção e gestão” da reputação das empresas em questões de sustentabilidade.
O escritório da Edelman no Brasil informou ao Climate Home News que Julião supervisiona o trabalho contínuo da empresa com a Shell.
Outro executivo da Edelman inscrito para a missão da COP30 trabalhou no passado em um contrato com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, conhecida como Abiove, entidade do setor de soja. A Abiove foi acusada por grupos ambientalistas de tentar enfraquecer medidas para prevenir o desmatamento da amazônia.
Em 2014, a Edelman também se envolveu em uma polêmica ao assessorar a empresa TC Energy (então chamada de TransCanada). Documentos vazados pelo Greenpeace mostraram que a estratégia de comunicação envolveria “trabalho com terceiros para pressionar oponentes” de um projeto de gasoduto.
O Brasil não é o primeiro anfitrião da COP a utilizar os serviços da Edelman. Em 2023, a empresa global de RP recebeu mais de US$ 3 milhões (R$ 16,8 milhões) dos Emirados Árabes Unidos para apoiar a presidência da COP28, o que também gerou críticas de ativistas à época.
Já no ano passado, a concorrente da Edelman, Teneo, ganhou um contrato de US$ 5 milhões (R$ 28 milhões) da equipe da COP29, do Azerbaijão.
Os serviços da Edelman para a COP30 serão pagos pela agência da ONU com recursos provenientes de doadores nacionais e internacionais, disse um porta-voz.
Tanto a licitação quanto o contrato assinado pela Edelman contêm disposições sobre prevenção de conflitos de interesses, incluindo a divulgação ao Pnud de qualquer situação que possa constituir um potencial conflito de interesse ou que possa “razoavelmente ser percebida” como tal.
Esta reportagem foi publicada originalmente no site Climate Home News. Colaborou Ana Carolina Amaral, de São Paulo.
Fonte ==> Folha SP