COP30: Obra em Belém prioriza ‘cartão de visitas’ – 22/04/2025 – Ambiente

A imagem mostra uma área de construção com um terreno de terra vermelha e uma poça de água. Há uma escavadeira amarela e um guindaste amarelo em operação. Algumas pessoas estão trabalhando na área, e ao fundo, há edifícios e vegetação. O céu está nublado, indicando possibilidade de chuva.

O Parque Urbano São Joaquim, em Belém, projeto da prefeitura com apoio financeiro da hidrelétrica de Itaipu, é apresentado como um legado socioambiental da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), que será realizada em novembro deste ano na capital do Pará.

Na prática, o projeto está concentrado apenas no que se propõe a ser um “cartão de visitas”, como chama a gestão municipal, no caminho do aeroporto.

O projeto do parque faz algumas obras marginais de drenagem, mas em nenhum momento contemplou saneamento básico para os moradores do entorno. Apenas uma das quatro etapas previstas –a menor delas, de 720 metros– está em andamento.

Desde a concepção trata-se de uma obra de urbanismo, que reconstitui parte da vegetação e instala equipamentos de lazer às margens do canal São Joaquim. O saneamento depende da Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará), do governo do estado, e não há data para essa intervenção.

A própria obra do parque está atrasada. Correndo contra o tempo, a prefeitura confirmou à Folha que a prioridade é concluir a parte do parque que fica na altura da avenida Júlio César, trajeto do aeroporto, por onde vai circular a maioria dos visitantes internacionais. As obras estão em curso dos dois lados da via.

“O primeiro trecho, que compreende 720 metros, tem previsão de entrega para antes da COP30, passando o local a ser um cartão de visitas da capital paraense para os turistas que chegarem”, afirmou.

As demais intervenções relacionadas ao parque, ao longo do canal, beneficiariam as comunidades no entorno, mas não têm nem dinheiro nem prazo para começar. O moradores temem ficar sem nada, como disse à Folha o líder comunitário Manoel Fonseca, que acompanha a criação do parque desde que era apenas uma ideia.

“Participo já há 40 anos da luta para gente ter moradia digna —o que inclui ter coleta de esgoto, rua asfaltada, iluminação pública, escola, creche, posto de saúde—, e a gente renovou as esperanças de que a Cosanpa entraria junto com a obra do parque, para fazer esse tratamento de saneamento”, afirmou.

“Não foi dessa vez. Mas, agora, a gente não tem garantia nem do parque. Eu acho muito difícil que até aquela parte da avenida seja concluída. A obra está muito atrasada”, disse Fonseca.

A Prefeitura de Belém mudou de mãos na eleição de 2024. O prefeito eleito, Igor Normando (MDB), é primo de segundo grau do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

Ampliar o saneamento, numa cidade onde oito em dez moradores não contam com serviço de coleta de esgoto, é uma das tentativas do Governo do Pará na preparação para a COP30. Com o BNDES, por exemplo, estão em curso obras em 12 canais, que incluem limpeza e restauração de 6 km de vias e a construção de outros 5 km.

O canal São Joaquim não está nessa lista. Foi criado entre as décadas de 1970 e 1980 a partir de intervenções no igarapé de mesmo nome. É o maior de Belém e um dos poucos que não foi aterrado, configurando um grande esgoto a céu aberto.

Com cerca de 9 km de extensão, sua área de influência é estimada em 31 km2. Recebe dejetos sem tratamento de uma área densamente povoada, de bairros como Sacramento, Telégrafo e Barreira. As margens perderam a vegetação original e são tomadas por lixo na maior parte do curso.

A gestão anterior realizou um Concurso Público Nacional de Arquitetura para selecionar ideias para o parque. Venceu a GSR Arquitetos, de Brasília. Os sócios do escritório e coordenadores do projeto, os arquitetos e urbanistas Fabiano Sobreira e Paulo Ribeiro, explicaram à Folha que a proposta original previu a construção de um parque linear, com recuperação das bordas ao longo do canal.

O pacote inclui benfeitorias como criação de ciclovias e praças, reconstrução de passarelas, vias para transporte público e reflorestamento das margens. As calçadas e novas construções, para lanchonetes, por exemplo, seriam feitas no estilo palafitas, para evitar aterramentos, que prejudicariam o leito do igarapé.

O projeto incluiu também mini estações de tratamento em lanchonetes, biblioteca e banheiros públicos. Os arquitetos chegaram a acompanhar discussões sobre eventuais obras de saneamento, em que estavam representantes da Cosanpa. No entanto, não houve avanço.

“Historicamente, Belém investiu muito pouco em saneamento básico, a média ao ano foi de R$ 36 por habitante. O Pará é pior ainda. Somando os municípios, são R$ 22 por habitante ao ano. A média do Brasil ao ano é de R$ 111 por habitante, quando deveria ser de R$ 231”, afirma a presidente executiva do instituto Trata Brasil, Luana Pretto, que considera o quadro um contrassenso para um local que vai sediar uma COP.

No convênio firmado com Itaipu, em maio de 2024, a que a Folha teve acesso, a construção do trecho 1, mais visível aos visitantes da COP30, ficou mesmo como prioridade. Mas o convênio trouxe a previsão de que ocorreriam obras iniciais nos trechos restantes, como sugerido pelos arquitetos.

O investimento total previsto para esse conjunto foi de cerca de R$ 174 milhões, sendo R$ 150 milhões bancados por Itaipu, e o restante pela prefeitura.

A reportagem da Folha visitou as obras e constatou que os trabalhos avançam na fase 1. Segundo os operários do local, nada foi feito nas etapas restantes, as 2 e 3, que incluem intervenções no meio do canal, na altura da avenida Mirandinha, nem na etapa 4, que abrange, ao final de São Joaquim, o canal do Galo.

Segundo a prefeitura, para o trecho 4, o Ministério das Cidades já deixou em caixa cerca de R$ 50 milhões, que aguardam a aprovação do projeto pela Caixa Econômica Federal para então abrir-se o processo licitatório.

Para os trechos 2 e 3, a administração municipal diz buscar financiamento com entidades parceiras.

“O principal objetivo da obra completa do Parque Urbano São Joaquim é ser um legado completo que vai melhorar a qualidade de vida de cerca de 400 mil pessoas que moram às margens do canal e arredores, servindo não apenas aos interesses turísticos, mas principalmente levando saneamento e lazer aos munícipes da região”, afirmou.

Também em nota, a assessoria de comunicação de Itaipu disse monitorar os projetos de apoio à COP30 e que tem cobrado o cumprimento dos cronogramas.

A Folha também procurou representante da gestão anterior na Prefeitura, para entender o atraso, e a assessoria de imprensa respondeu que ocorrera uma intercorrência no início de setembro, durante a campanha eleitoral, quando o governo do estado do Pará, por meio da Secretaria de Obras, invadiu o canteiro do parque anunciando serviço de dragagem do canal, sem possuir a devida Licença de Operação, fazendo sobreposição às obras em andamento no São Joaquim.

“Apesar disso, a gestão entregou essa obra com andamento regular, dentro do cronograma estipulado”, destacou a resposta.

A reportagem fez contato com Cosanpa e Governo do Pará, para saber se há projeto e prazo para o início de obras de saneamento para o entorno do parque. Cosanpa e Seop (Secretaria de Estado de Obras Públicas) não responderam a questão e reafirmaram que não têm relação com a obra municipal.



Fonte ==> Folha SP

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