Cortella lança biografia ilustrada e encara fraudes da IA – 08/07/2025 – Educação

Um homem com cabelo grisalho e barba espessa, vestido com um paletó escuro e uma camisa azul, está sentado em um ambiente interno. Ao fundo, há uma estante repleta de livros. O homem parece estar em uma conversa, gesticulando com as mãos. À frente dele, há uma planta e um copo de água sobre uma mesa.

Rotineiramente, às 4h, o filósofo e professor Mario Sergio Cortella, 71, desperta e começa seus rituais matutinos, entre eles navegar pelas plataformas digitais. Invariavelmente, ele encontra a própria voz, fisionomia e pensamentos manipulados pela inteligência artificial em postagens variadas.

“Não recuso nenhum uso da inteligência artificial desde que ela seja algo que favoreça o automatismo. Automático significa fazer uma série de operações que poupam a mim o esforço e o tempo. Autônomo significa fazer por mim sem que eu possa escolher”, diz ele.

Com 54 obras publicadas e cerca de 3,5 milhões de cópias vendidas, ele se empenha agora em divulgar uma biografia ilustrada que conta de forma simples, colorida e com frases reflexivas sua trajetória.

“Tenho fama, mas eu não quero que ela me tenha”, diz, em entrevista à Folha. “Tenho condição econômica, mas não quero ser por ela tido. Tenho respeito, sim, mas não quero ser tido a ponto de conduzir a arrogância. Não quero ser servo daquilo que eu quero criar. Aquilo que me sirva, não que eu sirva”.

Sobre a obra “Cortella – O Professor que Levou a Sala de Aula para o Mundo”, de Simara Rascalha Casadei, com desenhos de Ednei Marx, publicado pela editora Cortez, o filósofo se entusiasma com o formato por, segundo ele, atender a quem hoje é um dos seus principais públicos, os mais jovens.

“Os jovens dizem que me assistem no TikTok. Se você imaginar que não faço dancinha, que não canto… Essa geração que chega é aquela com quem tenho uma afinidade mais forte”, diz ele, que tem cerca de 23 milhões de seguidores nas redes sociais.

E ele justifica o feito com sua própria carreira. “Comecei a dar aulas, tinha 20 anos e meus alunos tinham 18. Fiz 30 e eles tinham 18. Fiz 50 e eles tinham 18. Essa linguagem utilizada pela Silmara [Casadei], que aproxima de uma geração que tem de ter também o livro na base física, é uma geração que tenho gosto de ir com ela, estar e por ela ser apreciado.”

A autora conta que, embora a ideia inicial fosse um livro voltado ao público infantojuvenil, o caminho foi mudando à medida que ela escrevia.

“Algumas trilhas você escolhe, outras surgem à sua frente. Nesse percurso, surgiu a ideia de uma biografia ilustrada que pudesse alcançar diferentes faixas etárias de modo que todos compreendessem. Percebi que seria possível incluir elementos que também contemplassem, especialmente, os professores e tantas pessoas que já assistiram às suas palestras”, afirma ela.

Um dos momentos tratados pelo livro é a passagem do filósofo, em 1973, pela ordem religiosa dos Carmelitas Descalços, onde Cortella viveu por três anos, sob votos de pobreza, castidade e obediência.

“Sempre quis ter uma experiência religiosa mais densa, aí busquei fazê-la dentro de um convento. Não imaginei, de modo algum, quando eu saí e eu comecei a ir à docência, que uma série de circunstâncias me levariam a ter uma popularidade que, em tese, estar numa sala de aula não me levaria”.

Foi o que o levou a ser um dos palestrantes mais cobiçados do país, atraindo públicos que lotam teatros e compram seus livros.

“A glória do mundo é passageira, mas ela não é algo que deixe de lado se a gente tiver consciência. Se eu sou da filosofia como sou, estar na praça é o lugar mais importante. O que eu faço, aprecio e tomei como ofício é fazer com que a filosofia chegue até as pessoas.”

Cortella lança mão de uma personalidade literária para aprofundar a questão de sua popularidade. “Oswald de Andrade dizia que era preciso levar o biscoito fino às massas. Um pouco do pedantismo vem de imaginar que aquilo que faço é biscoito fino. Mas ele é um biscoito que eu acho que precisa ser apreciado, fruído. Levar às massas supõe uma certa missão iluminista, algo que é sempre perigoso.”

André Cortella, filho do filósofo, foi uma espécie de consultor da produção do livro de Casadei, segundo ela. “Além disso, fui sua aluna [do Cortella pai] no mestrado, o que me permitiu conhecer suas aulas, sua forma única de escrever na lousa com muitas anotações. Alguns exemplos e frases apresentados no livro estão diretamente ligados ao que aprendi com ele.”

Outro momento que desperta atenção na biografia é a passagem do educador Paulo Freire pela vida do filósofo —foi seu chefe, amigo e orientador de doutorado na PUC de São Paulo.

As ondas de críticas e ataques às ideias do pensador não abalam o discípulo. “Esse é o sinal de que a obra de Paulo Freire tem relevância. As pessoas, quando não encontram importância em algo, não tocam no tema, desprezam. Paulo Freire jamais seria contra que alguém contra ele fosse. Paulo Freire seria contra que quem contra ele fosse não pudesse ser contra ele. Paulo Freire era um democrata.”

O filósofo avalia que telas e livros podem conviver bem, desde que se saiba a função e o papel de cada um no cotidiano. Ele também comemora o que enxerga como um crescimento do interesse por leitura.

“Houve um incremento, segundo as editoras, da venda de livros para crianças e jovens, nos últimos tempos. Porque, primeiro, pais passaram a incentivar, e segundo, porque eles conseguem retirar de algo que é o mundo das telas, em que essa exclusividade passiva leva à possibilidade de você manusear algo que não é marcado pela passividade. Um livro, ele recusa a passividade.”

Segundo Cortella, “a tela é necessária”. “Mas ela é distrativa em algumas situações. Existe o distrativo de nos divertir. Existe o distrativo de nos afastar. O bandido que quer te roubar busca te distrair. Se alguém quer ser sugador de cérebro, muitas vezes faz isso pelo modo distrativo. Existe um outro modo que é atrativo. O livro é atrativo. A tela também. Quando você tem um balanceamento das duas coisas…”



Fonte ==> Folha SP

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