Políticos atuam em quatro frentes para barrar a oferta de cotas para pessoas trans, travestis e não binárias na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), aprovadas no dia 1º de abril.
A instituição não é a primeira a anunciar reserva de vagas do tipo em solo paulista, mas todas as outras são federais.
Justiça e Ministério Público foram procurados contra a norma. Um projeto de lei e uma proposta de decreto legislativo estão protocolados na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) também visando derrubá-la.
Primeiro, o vereador da capital Rubinho Nunes (União) acionou o Tribunal de Justiça para questionar a resolução. A ação popular foi protocolada no dia 2.
“A Unicamp usurpou a competência do Congresso Nacional ao criar um critério de acesso baseado em identidade de gênero, sem qualquer respaldo legal. Essa política, além de inconstitucional, discrimina os demais candidatos que também enfrentam desigualdades e não podem concorrer a essas vagas”, argumenta no texto, que aguarda manifestação da Promotoria.
Já no dia 4, o deputado estadual Guto Zacarias, correligionário de Nunes, enviou uma carta ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, solicitando que Ministério Público estadual entre com uma ação direta de inconstitucionalidade contra as cotas.
Segundo ele, a novidade confere tratamento desigual a candidatos e não encontra respaldo em legislação estadual ou federal. Zacarias diz que seria competência do Legislativo criar projetos do tipo. Ainda não houve resposta do procurador.
Em resposta às críticas recebidas, a Unicamp argumenta que as cotas para pessoas trans, travestis e não binárias não irão tirar vagas da chamada ampla concorrência do vestibular. Ou seja, ninguém será prejudicado.
Segundo José Alves de Freitas Neto, responsável pela comissão de vestibular da instituição, os cursos tentarão criar vagas adicionais para as cotas. Quando isso não for possível, explica, haverá uma redistribuição das vagas exclusivamente no sistema Enem-Unicamp.
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“A expectativa é que tenhamos 120 vagas para pessoas trans, travestis e não binárias, sendo que aproximadamente 80 deverão ser adicionais/novas”, afirma ele, que também presidiu o grupo de trabalho que elaborou a nova política de cotas.
Na questão legal, a Constituição garante à universidade autonomia didático-cientifica, acadêmica e financeira. Assim, a instituição pode tomar decisões do tipo sem interferência externa.
Rapidamente, o tema chegou também à Alesp. No dia 3, o deputado Tenente Coimbra (PL) protocolou um projeto de lei para proibir a reserva de cotas para candidatos trans, travestis, intersexo e não binários em universidades estaduais. A proposta seguirá para análise das comissões temáticas e, caso necessário, votada em plenário. Depois, precisa da sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A justificativa apresentada por Coimbra segue a mesma linha da de Zacarias e Nunes.
É, porém, uma proposta do deputado Tomé Abduch (Republicamos) que mais anima os contrários às cotas. Na última segunda (7), o parlamentar apresentou um decreto legislativo para suspender os efeitos da decisão da Unicamp.
Abduch diz que a instituição, como autarquia, integra o Executivo, de modo que seus atos devem respeitar os ditames legais, também sujeitando-se à fiscalização e aprovação pelo Legislativo.
Diferentemente de um projeto de lei, o decreto legislativo não depende de tantas etapas para ser aprovado. Ele é votado pelos deputados e, havendo maioria, começa a valer, sem necessidade de sanção do governador.
Violência
A Unicamp denunciou ataques online e presenciais de manifestantes ligados a movimentos políticos de direita contrários à aprovação de cotas para pessoas trans, travestis e não binárias.
Uma das manifestações de opositores da medida, conforme a universidade, aconteceu no dia da aprovação, e outras haviam ocorrido anteriormente, em 24 e 27 de março.
Os atos aconteceram no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e envolveram manifestantes que seriam ligados ao MBL (Movimento Brasil Livre) e fizeram filmagens de murais do movimento trans e de banheiros neutros (que podem ser utilizados por qualquer pessoa, independentemente de gênero), além de arrancar cartazes e de provocar estudantes e professores.
Boletim de ocorrência registrado no 4º Distrito Policial de Campinas, em 27 de março, afirma que uma viatura da Polícia Militar foi chamada para atender um conflito entre manifestantes e estudantes, com xingamentos e agressão física. Um aluno relata no boletim que levou um soco no estômago, na genitália, foi jogado ao chão por um manifestante, além de ter sido chamado de “viadinho do PT”.
Na noite do dia 7, o reitor da Unicamp, José de Almeida Meirelles, postou um vídeo na conta oficial da universidade no Instagram afirmando que “nos dias 24 e 27 de março e no dia 1º de abril, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas foi vítima de ataques”.
“Esses ataques”, disse o reitor, “se configuraram através da gravação de vídeos não autorizados, da divulgação de imagens e mensagens distorcidas, da interrupção de aulas e do prejuízo do desenvolvimento dos trabalhos em nossa universidade”. “Estou aqui, como reitor da Unicamp, para condenar essas ações.”
Fonte ==> Folha SP