Diversidade e gênero terão menos acesso à filantropia – 24/04/2025 – Folha Social+

A imagem mostra quatro pessoas sentadas em um palco

Causas progressistas e países com governos de esquerda devem ter menos acesso à filantropia enquanto Donald Trump estiver na presidência dos Estados Unidos.

Esse foi um dos recados dados por tomadores de decisão do setor filantrópico no Global Philanthropy Forum, realizado em março, durante as repercussões da extinção da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).

“Direitos humanos, equidade racial e diversidade devem deixar de ser prioridade”, diz Paula Fabiani, CEO do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social).

O instituto levou uma delegação de 13 brasileiros para o evento que reuniu 250 pessoas em São Francisco, nos EUA.

A economista, acostumada a frequentar o fórum há mais de dez anos, voltou assustada com o iminente retrocesso (“Existe uma sensação de medo que nunca vi”), mas otimista com a reação do Brasil à crise. “Estamos acostumados e temos mais resiliência diante de um cenário de incertezas.”

Uma das maneiras de contornar a falta de recursos seria a empatia estratégica. “Precisamos direcionar nossa empatia para causas e alianças com maior potencial de avanço. Ou pelo menos proteger avanços que tivemos nessas áreas”, afirma Paula Fabiani.

Em entrevista à Folha, a economista faz um balanço do evento internacional e anuncia para 1º de outubro o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, versão local do Global Philanthropy Forum.

O fórum trouxe como tema a filantropia que abraça o risco e se adapta a uma era de complexidades. Que complexidades são essas que afetam doadores e doações? São ligadas a uma era de mudanças rápidas, impulsionadas por transformações tecnológicas. Temos policrises cada vez mais imprevisíveis, que escancaram desigualdades, enquanto aceleram mudanças nas expectativas sociais e no comportamento de investidores.

A ideia inicial do fórum era debater como a filantropia tem se adaptado e arriscado para solucionar problemas profundos. A filantropia americana se tornou burocrática e engessada, por isso era também uma provocação por um modelo mais ousado, que invista em inovação.

Mas não se imaginava um cenário tão complexo com o novo governo nos Estados Unidos. Ficou claro que o cenário de financiamento mudou.

Mudou como? Está mudando por causa do Trump. Por causa da extinção da Usaid e de organismos multilaterais fundamentais no financiamento a certas áreas e países.

Causas mais progressistas, ligadas a direitos humanos, equidade racial e diversidade, e países com governos de esquerda devem deixar de ser prioridade. Organizações filantrópicas estão amedrontadas com retirada de incentivos fiscais, investigações e ações persecutórias.

De que maneira a filantropia pode ousar se organizações e financiadores estão com medo? A importância de correr mais riscos foi apontada por lideranças, não por financiadores. É quase um contrassenso, um retrocesso, mas o medo paralisa. Houve pedidos do governo americano para evitar palavras como diversidade e gênero, para usar termos que não criem constrangimentos que possam encerrar apoios. Isso é triste.

Será preciso criar novas narrativas de impacto, mais criativas, que usem dados, que naveguem contra essas incertezas.



A importância de correr mais riscos foi apontada por lideranças, não por financiadores. É quase um contrassenso, um retrocesso, mas o medo paralisa.

Um conceito de que gostei é o da empatia estratégica. Precisamos direcionar nossa empatia para causas, ações e alianças com maior potencial de avanço —ou pelo menos proteger alguns dos avanços que tivemos em áreas como democracia, equidade racial, gênero e direitos humanos.

Qual o impacto desse recuo na destinação de recursos para certas causas no Brasil? Algumas organizações estão sendo impactadas, empresas —principalmente multinacionais— vêm reduzindo orçamento para diversidade. Mas não é algo que impacte o setor como um todo. Nossa capacidade de recuperação será mais rápida que a de outros países.

O Brasil tem uma crise atrás da outra. Estamos acostumados e temos mais resiliência diante de um cenário de incertezas. E, por incrível que pareça, temos mais liberdade de expressão e um ambiente mais democrático do que se tem nos Estados Unidos neste momento.

O Brasil e o Sul Global foram citados diversas vezes como modelos de empreendedorismo social. Não se falou em Canadá, Europa ou Austrália. Vou ao Global Philanthropy Forum há 13 anos e achei interessante essa mudança de percepção.

Haverá menos recurso disponível para diversidade, segundo o fórum, mas há cada vez mais mulheres filantropas no mundo. Elas não tendem a equilibrar essa balança? Quem está à frente da caneta para repasse de recurso geralmente é um homem, principalmente no Brasil. Mas um dos painéis do fórum apontou uma enorme transição global de patrimônio nos próximos anos.

Mulheres viúvas e filhas vão herdar grandes fortunas. Essas mulheres terão poder de decisão sobre esse capital. E poderemos ter exemplos como Mackenzie Scott e Melinda Gates [que fazem doações substanciais para igualdade de gênero].

Onde os filantropos brasileiros estão colocando mais dinheiro? Meio ambiente é a bola da vez? O debate está concentrado no clima, mas os recursos financeiros não. Eles continuam indo fortemente para educação [setor é destino de 71% dos investimentos, indica Censo Gife 2023]. Os recursos para meio ambiente vêm dos EUA e da Europa.

Temos exemplos interessantes de filantropos com causas progressistas, mas a filantropia familiar é pouco desenvolvida no Brasil. Apesar dos bons exemplos de empreendedorismo social, ainda existe uma percepção de que a cultura de doação e a filantropia estratégica têm que avançar no Sul global.

O brasileiro é emotivo na sua doação. Ele não faz doação recorrente. Doa mais para aliviar um sofrimento imediato do que para causar uma transformação.

Esse é um ponto de atenção para o desenvolvimento no nosso campo filantrópico. Mas essa escassez de recursos nos levou a ser mais criativos, a fazer mais com menos capital.

A senhora saiu otimista do fórum? Foi um sentimento ambíguo. Já fui para os Estados Unidos muitas vezes e tenho amigos para além do campo filantrópico. Existe uma sensação de medo que nunca vi lá antes. A fragilidade dos sistemas de governo me deixou assustada.

Por outro lado, é revigorante ver que tem gente pensando em alternativas. A situação está complexa, mas o Brasil vive um momento positivo diante de tudo isso, sem ser muito afetado no campo filantrópico ou no campo financeiro.

Voltei com a missão de trazer otimismo. É importante porque a gente só avança quando tem perspectiva de um mundo melhor, de um futuro melhor.

Raio-X

Paula Fabiani é CEO do Idis e co-fundadora do Catalyst Now. Economista formada pela FEA-USP, tem MBA pela New York University e doutorado em administração pela FGV. Lidera a Pesquisa Doação Brasil, o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais e a Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Foi destaque no Prêmio Empreendedor Social 2020.

Esta reportagem foi produzida para a Causa do Ano: Doar É Transformar, que conta com apoio do Movimento Bem Maior.



Fonte ==> Folha SP

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