Quem você segue nas redes sociais? A pergunta revela muito sobre os tempos em que vivemos. Influenciadores digitais se tornaram protagonistas da vida pública: promovem produtos, serviços, ideias, estilos de vida e até apostas online.
Na CPI das Bets, não se viu apenas a conexão lucrativa com jogos de azar, mas a consolidação de um novo tipo de poder: performático, midiático, econômico —e ainda fora do alcance de instituições reguladoras e com alto potencial de dano socioeconômico. O Brasil tem mais de 500 mil influenciadores no Instagram, o maior número do mundo. Estima-se que esse total seja ainda maior, já que muitos perfis de menor porte não usam contas comerciais, o que dificulta o mapeamento e reforça sua invisibilidade institucional. Para comparação, o país tem cerca de 576 mil médicos ativos, 800 mil catadores e 1 milhão de engenheiros.
A profissão deixou de ser exceção: virou aspiração legítima. Hoje, 75% dos jovens brasileiros sonham em ser influenciadores. Em vídeos virais, adolescentes dizem ganhar mais vendendo cursos sobre como viralizar do que em profissões convencionais. Ostentam luxo e promovem o abandono da educação formal como atalho ao sucesso. Tendência que acende o alerta sobre os impactos da influência digital na juventude e reforça a urgência de uma regulação mais responsável do ambiente virtual.
O fenômeno afeta desproporcionalmente grupos vulneráveis, como mulheres negras e jovens de baixa renda, atraídos pela promessa de mobilidade social via empreendedorismo digital. Segundo a DeepLab, muitos investem tempo, dinheiro e esperança em visibilidade, mentorias e tráfego pago; e, quando não prosperam, enfrentam frustração, baixa autoestima e autoculpa.
Plataformas como o Instagram, cada vez mais usadas como fonte de renda, seguem à margem da regulação e fora de estatísticas formais. No Brasil, 1 em cada 10 pessoas atua como criador de conteúdo, com 66% da população nas redes e mais de nove horas diárias de conexão —segunda maior média do planeta. Milhões atuam como criadores de conteúdo ou prestadores de serviço, sem respaldo legal ou proteção social. Essa invisibilidade sustenta a “economia de criadores”, marcada por precarização, trajetórias homogêneas e concentração de lucros no topo da pirâmide.
Na economia da atenção, o sucesso passou a ser medido pela visibilidade —especialmente pelo número de seguidores—, inclusive entre profissionais tradicionais que usam as redes como vitrine. Cresce a valorização da imagem acima de critérios de capacitação ou compromisso ético. Influenciadores promovem dietas milagrosas, produtos sem respaldo científico, investimentos arriscados e promessas de sucesso fácil —embalados por uma falsa intimidade com o público. É preciso discutir os limites dessa lógica: tanto para quem influencia quanto para quem consome.
Apesar das diretrizes do Conar sobre publicidade digital, como a exigência de identificar conteúdo patrocinado, a regulação é tímida. Entre os projetos em tramitação, destacam-se: o PL 4.910/24, que propõe um certificado com formação mínima sobre riscos financeiros e psicológicos; o PL 3.137/24, que criminaliza a promoção de apostas por influenciadores; o PL 3.689/24, que impõe regras de transparência e limita publicidade de produtos sensíveis (procedimentos estéticos, fumígenos, apostas); o PL 2.338/23, sobre riscos do uso de inteligência artificial na criação de conteúdo; e o PL 2.630/20, o PL das Fake News. Todas essas propostas reforçam a urgência de uma governança mais robusta e integrada sobre a atuação de influenciadores e plataformas.
Outros países oferecem caminhos. Na França, a Autoridade de Regulação Profissional da Publicidade criou o Certificado de Influência Responsável, envolvendo influenciadores, agências e marcas, com foco educativo e de corresponsabilidade —modelo que já inspira outras nações europeias.
Mesmo sem regulação formal, há reações sociais. Crescem movimentos como o “unfollowing movement”, “blockout” e “digital guillotine”, que boicotam influenciadores que ignoram crises sociais ou promovem conteúdos irresponsáveis. A lógica é simples: se seguir é dar visibilidade e dinheiro, deixar de seguir se torna um ato político. Reduzir o alcance desses perfis chama atenção para o consumo consciente de conteúdo, serviços ou informação.
O ato de “seguir” (“follow”) movimenta mercados, valida discursos e financia estruturas —inclusive as mais nocivas. Influenciadores não são neutros. É uma atuação que influencia comportamentos e escolhas. Influenciar não é só entreter, é exercer poder. E, como todo poder, exige limites, regras e responsabilidade.
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Fonte ==> Folha SP