Em esforço para manter a relevância, G7 se aproxima de países do BRICS

Em esforço para manter a relevância, G7 se aproxima de países do BRICS

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que o G7 “vem perdendo peso demográfico e econômico” e busca cooptar lideranças do BRICS por saberem que hoje não há como discutir a dinâmica da economia mundial nem os rumos da governança sem envolver o Sul Global.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa amanhã (17) da Cúpula do G7. O evento ocorre na cidade canadense de Kananaskis. Lula foi convidado a participar da reunião pelo primeiro-ministro canadense, Mark Carney.

Desde que assumiu, em 2023, Lula vem sendo convidado a participar de reuniões do grupo. Além do chefe de Estado brasileiro, foram convidados líderes da África do Sul e da Índia, parceiros do Brasil no BRICS.

O G7 é composto por alguns dos países mais ricos do mundo: Canadá, EUA, Alemanha, Itália, Reino Unido, Japão e França. A Rússia, que antes participava da cúpula no formato G8, foi banida em 2014. Em declarações anteriores, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que banir a Rússia do grupo foi “um grande erro” e que gostaria de ver o país de volta às discussões.

À Sputnik Brasil, Diego Pautasso, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e analista de relações internacionais, aponta que o G7 é uma organização política que representa o centro do sistema mundial emergido pós-Segunda Guerra e toda a institucionalidade derivada dessa época, junto com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) — substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC) —, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

“Portanto, foi o conjunto de instituições que pavimentou a hegemonia dos EUA ao longo da segunda metade do século XX. A questão é que, com a virada para o século XXI, a correlação de forças mudou drasticamente pela emergência do assim chamado Terceiro Mundo, desde os anos 60 e 70; depois, o fortalecimento do BRICS a partir do século XXI e todo um conjunto de arranjos de integração regional, de desenvolvimento, de bancos de fomento”, afirma o analista.

Nesse contexto, ele afirma que o Sul Global está emergindo demográfica e economicamente, mas emergindo também do ponto de vista da inovação institucional, a fim de representar e servir de alternativa à paralisia das organizações internacionais criadas após a Segunda Guerra Mundial e do seu caráter refratário às reformas e à adequação dessas organizações com a nova realidade internacional emergente.

Pautasso acrescenta que outro ponto é que o G7 “vem perdendo peso demográfico e peso econômico”. Por isso, busca atrair algumas outras lideranças, entre elas o BRICS, que hoje, sobretudo após a expansão, detém “um contingente populacional, econômico e político muito mais representativo”. Segundo ele, por um lado, o G7 busca atrair e estabelecer um diálogo com esses países na tentativa de manter representatividade, peso e protagonismo.

“Por outro lado, obviamente, que também há uma tentativa de cooptação dessas lideranças, de atração delas, de divisão do bloco do Sul Global ou do BRICS, ou seja, de quem for, porque sabem […] que hoje em dia, bem ou mal, não há muito como discutir nem a dinâmica da economia mundial nem os rumos da governança sem envolver os emergentes, sem envolver Brasil, África do Sul, Índia, China, Rússia. Seja para as questões econômicas, seja para resolver os grandes conflitos mundiais, cada vez mais se torna imperativa a participação desses países.”

Ele afirma que, embora ainda haja certa presunção imperial dos EUA, de seus aliados e uma negação destes em relação às mudanças que vêm ocorrendo de forma acelerada, o cortejo a países do Sul Global, “ainda assim, é uma sinalização no sentido de sublinhar, destacar a relevância dessas lideranças”.

Pautasso acrescenta que, no caso de Lula, pesou “a desenvoltura muito fora da curva” que o presidente detém nas relações internacionais. Ele sublinha que Lula, desde seu primeiro mandato (2003–2006), mostra-se uma personalidade política capaz de transitar entre as principais arenas internacionais e os principais fóruns decisórios.

“Nesse sentido, a volta do Lula [à presidência] representa uma recuperação do Brasil, que sempre foi um país importante nas relações internacionais, e que nos governos Bolsonaro — sobretudo [de Michel] Temer e [de Jair] Bolsonaro —, o Brasil perdeu muito protagonismo, rompeu com uma tradição diplomática do Itamaraty, com vários princípios que guiavam a política externa brasileira. E eu acho que, nesse sentido, o Lula está recuperando um pouco do terreno perdido, e isso é absolutamente importante para o país.”

Guilherme Conceição, doutorando em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), afirma à Sputnik Brasil que “a crise do G7 é evidente” e que o grupo hoje “não representa mais o mesmo dinamismo econômico que se tinha há cerca de alguns anos atrás”.

“Em termos de PIB [produto interno bruto] ajustado por paridade de poder de compra, o BRICS já ultrapassou o G7. Então, além disso, os países ocidentais enfrentam inúmeros períodos internos, desigualdade social, polarização política, estagnação econômica. Isso acaba limitando muito a sua capacidade de liderança no plano internacional. E, nesse contexto, em que o G7 perde progressivamente a sua centralidade enquanto diretório informal do capitalismo global, ele tenta se reposicionar, mas está em um processo de reconfiguração defensiva”, afirma.

Em paralelo, ele aponta que “o BRICS, especialmente com a expansão recente, desde 2023, aparece como polo de resistência à hegemonia unipolar dos EUA e do dólar norte-americano”.

Segundo Conceição, o convite a Lula e a líderes da África do Sul e da Índia sinaliza uma tentativa do G7 “de cooptar vozes influentes do Sul Global”.

“Então é importante a gente fazer essa distinção aqui. Trata-se muito menos de uma aproximação genuína e mais de uma tentativa estratégica de contenção. Isso porque, diante das crescentes articulações em volta do BRICS e de outras iniciativas Sul-Sul, esses países que acompanham o G7 buscam manter algum grau de influência sobre esses atores periféricos ou semiperiféricos do sistema internacional, como é o caso do Brasil.”

Ele explica que isso pode ser considerado um engajamento assimétrico, em que essas potências hegemônicas tentarão incorporar vozes dissidentes, de forma controlada, com o intuito de neutralizar projetos alternativos à ordem global vigente.

O especialista acrescenta que o cortejo a líderes do Sul Global é uma maneira de conter os movimentos de mudança na estrutura financeira global, mas não por convicção, e sim por necessidade, uma vez que “a economia global depende muito desse Sul Geopolítico, seja por suas reservas em termos de recursos naturais, pelo dinamismo dos seus mercados internos ou, até mesmo, pela crescente capacidade de articulação política no nível internacional”.

“O G7 não tem mais as condições que se tinha de deliberar, pelo menos sozinho, os rumos do sistema econômico internacional, sem considerar pelo menos ali formalmente essas potências emergentes. Mas a gente precisa manter um olhar bastante crítico em relação a essa aproximação, porque o objetivo do G7, ao incluir, por exemplo, os líderes do Sul Geopolítico nessas cúpulas não é criar uma governança mais equitativa, digamos assim, mas sim preservar a ordem existente sob novas roupagens.”

Ele observa que a emergência de alternativas ao dólar, como as moedas soberanas digitais e uma moeda única em torno do BRICS, desperta preocupação nos países centrais. Diante disso, o convite a Lula e a outras lideranças do grupo é parte de uma estratégia diplomática preventiva que visa “conter uma nova institucionalidade econômica fora da órbita do FMI, do Banco Mundial e, propriamente, do dólar”.

“E esse cortejo, digamos assim, não é uma novidade. Historicamente, instituições dominadas pelo Norte Global sempre buscaram integrar atores do Sul Geopolítico para legitimar essas estruturas. Desde que, claro, esses atores não ameaçassem os seus fundamentos. Então, a gente pode entender essa aproximação como uma forma de domesticação, e não tanto como uma forma de transformação desse sistema.”

Para Conceição, o que Lula certamente vai fazer é “usar o convite, a participação nessa cúpula, como forma de reafirmar a importância de uma governança global multipolar, que cada vez é mais urgente”, além de defender a reforma das instituições financeiras internacionais e promover a pauta da transição energética justa, que ele aponta ser “algo que o Brasil vem defendendo bastante” e que possui ativos importantes nesse sentido, como os biocombustíveis.

“Então eu acho que isso ajuda a utilizar o espaço proposto pelo G7 para também fortalecer a imagem do Brasil enquanto uma liderança global que é capaz de dialogar com todos os lados, inclusive em tempos de guerra e de reconfiguração geopolítica que, enfim, estamos vivendo.”

Porém, ele afirma que é necessário que o Brasil “evite cair em determinadas armadilhas, como ser o ‘bom aluno’ do Ocidente”. Segundo o analista, o ideal é que o Brasil atue como representante legítimo das demandas do Sul Global, sobretudo em temas como financiamento climático, justiça econômica e democratização das instituições multilaterais.

“Eu acho que, do ponto de vista estrutural, em contrapartida, o G7 possui uma contribuição muito limitada para com o Brasil. Porém, ainda assim, o Brasil pode obter alguns compromissos pontuais, como investimento em infraestrutura verde, cooperação em ciência e tecnologia, apoio à reforma da governança global. São compromissos que, para saírem dessa agenda meramente simbólica, o Brasil vai precisar manter uma autonomia estratégica e alinhar sua política externa a uma lógica solidária e mais emancipadora, digamos assim, e não apenas a reprodução de uma dependência”, conclui o analista.



Fonte ==> Bahia Notícias

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