As novas tecnologias e a sensação de uma catástrofe em curso mudaram a cara do ativismo ambiental. Desencantados da política tradicional, jovens buscam nas redes sociais uma forma imediata de lutar contra as mudanças climáticas. Apesar de ampliar o alcance do debate, especialistas apontam que a militância digital fragmenta a causa e premia o protagonismo individual.
Luísa Santi, 21, estudante de relações internacionais, começou se voluntariando em atividades de educação ambiental em sua cidade, São Bernardo do Campo (SP). O incentivo veio da escola, que estimulava o engajamento social dos alunos.
Mais tarde, passou a participar das greves pelo clima articuladas pelo movimento Fridays For Future, da ativista sueca Greta Thunberg. Inspirada a formar sua própria rede, Santi cofundou o Climate Activists Defenders, organização online que defende os direitos de ativistas climáticos em todo o mundo.
A experiência da estudante no ativismo é marcada por um incômodo em relação à baixa participação de jovens nos processos de decisão política. “O jovem é chamado para falar, mas nunca para atuar”, diz.
Para ela, o ciberativismo, militância feita nas redes, dá chance para que jovens atuem mais diretamente. “Criou-se um novo espaço de mobilização, de comunicação descentralizada. Você não precisa estar em uma posição de poder para falar com alguém do outro lado do mundo”, diz.
Hoje, o ambiente digital é a principal forma de articulação do ativismo, mas nem sempre foi assim. No Brasil, as redes sociais, como Orkut e Facebook, ambas lançadas em 2004, só se tornaram disponíveis e populares nos anos seguintes. Antes disso, a mobilização de militantes se dava no boca a boca.
A professora aposentada Maria Regina Alves, 82, lembra com saudade da época em que o militante “só tinha a rua”. Aos 13 anos, em 1955, entrou na JEC (Juventude Estudantil Católica) e, em 1979, participou da sua primeira mobilização ambiental, a campanha “Preserve o que é de todos”, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Ela vê a modernização do ativismo com receio. “As redes sociais me assustam. São muitas informações e é difícil saber o que é verdade”, diz. Hoje, Regina participa de todos os protestos que pode, insistindo que o corpo é importante para a luta. Para ela, que viu o movimento “Diretas Já” reunir 400 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, em 1984, é triste ver menos jovens nas ruas.
Segundo o historiador Erahsto Felício, professor no IFBA (Instituto Federal da Bahia), as redes sociais fazem com que as pautas do ativismo climático sejam mais discutidas, mas dificilmente trazem conquistas práticas. Isso porque, para ele, a juventude urbana, já distante da natureza, perdeu a dimensão prática da preservação ambiental e do cuidado com a terra.
Além disso, o professor acredita que as redes sociais premiam a militância difusa e alavancam movimentos protagonizados por figuras populares, como Greta Thunberg. “Ter um rosto falando para milhões de seguidores alcança as pessoas, mas não ajuda na organização política, que prevê a construção de conceitos coletivos”, diz.
A estudante Bianca Géa, 17, aprendeu a ser ativista antes de ter um celular. A mãe, militante das causas socioambientais, a levava desde pequena a protestos e debates.
Hoje, a jovem se prepara para a sua primeira COP (conferência da ONU sobre clima), mais cercada por telas do que por colegas engajados.
Géa integra o Engajamundo, uma organização ativista online de liderança jovem. A estudante reconhece que o meio digital atrai muitos jovens para a causa ambiental, mas acredita que é preciso ter interesse prévio pelo tema.
“Os pais têm muita influência em como os adolescentes buscam se informar sobre política e meio ambiente. As novas gerações devem pensar mais em que exemplo darão aos filhos”, afirma.
Segundo Erahsto Felício, a busca de respostas nas redes sociais reflete uma descrença dos jovens no poder público, que, para ele, foi incapaz de acompanhar a velocidade das mudanças climáticas.
“Para a juventude que já nasceu sofrendo as consequências da destruição ambiental –os indígenas, quilombolas, campesinos– , é difícil escapar do ativismo. É uma questão de sobrevivência: a conta chegou e não tem para onde fugir”, diz.
Sérgio Ricardo Potiguara, 57, militante do Movimento Baía Viva e doutorando em antropologia na UFF (Universidade Federal Fluminense), diz que a geração mais nova sofre de “ecoansiedade”.
“É uma geração que já nasce parecendo que está no fim do mundo, diferentemente da minha e dos meus pais. A poluição é uma das principais causas dos problemas de saúde mental hoje, enquanto na minha geração era o desemprego da juventude”, afirma.
“Hoje estamos vivendo não mais uma crise ambiental, como a minha geração chamava, mas um caos climático”, diz Potiguara. Nesse contexto, ele enfatiza a importância do estudo para a luta pelas causas ambientais.
“Como defender seus direitos sem ter conhecimento sobre eles? É o estudo que vai dar vida longa aos movimentos”, defende.
Mas a educação vai além dos ambientes formais. Para a ciberativista indígena Jennyffer Bekoy Tupinambá, 41, vem também da vontade de aprender com os mais velhos. “Precisamos nos perguntar se estamos parando para escutar os anciãos. São eles que carregam todo o conhecimento para cuidar da natureza”, diz.
Foi da escuta e admiração mútua que nasceu a relação entre a internacionalista Fernanda Banyan, 23, e a aposentada Eleni Rocha, 65. Hoje ativistas da Marcha Pelo Clima São Paulo, uma frente de luta popular contra a crise ambiental, ambas começaram em movimentos estudantis.
Para Rocha, foi em 1970, quando, diz, era mais difícil organizar os movimentos em coletivos. “Nós fazíamos tudo um pouco escondido nos anos de chumbo, sem dizer qual era a corrente política. A polícia não podia nem ver jovens andando em grupo que já encrencava”.
Hoje, acha que os ativistas jovens estão se distanciando dos “movimentos ambientalistas de classe média”, onde a maioria é mais velha e resistente a novas opiniões. Em contrapartida, se organizam por conta própria.
“Foram os meus filhos que me apresentaram a causa ambiental. Então, desde o começo, sinto que os jovens estão sabendo mais do que eu sobre esse tema”, diz. Para ela, é importante que o ativista mais velho busque se aproximar do mais novo.
Banyan, que se aliou à luta climática durante o curso de relações internacionais, diz que, ainda que o colapso ambiental venha acompanhado de uma precarização geral da vida, as pautas estão isoladas.
“Nosso tempo hoje é muito disputado. Trabalhamos, no mínimo, oito horas por dia. E as saídas [do ativismo] comercializadas para nós [jovens] são sempre muito individuais, de se engrandecer individualmente em defesa do clima”, diz.
Para ela, é preciso apostar na coletividade para atrair e manter novos ativistas ao movimento climático.
Além disso, defende que as mudanças climáticas devem ser tema de todos os debates. “A pauta ambiental não pode ser desassociada do modo como a gente produz, vive e organiza a vida política”, afirma.
Esta reportagem foi produzida durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.
Fonte ==> Folha SP