Os estados interessados em aderir ao novo programa de renegociação de dívidas com a União poderão pedir um aditivo provisório para usufruir dos descontos de forma imediata, enquanto o Tesouro Nacional analisa o plano de investimentos ou entrega de ativos apresentado pelo governo estadual.
Na prática, antes mesmo de ter aval formal para ingressar no socorro, os estados já terão um alívio no valor da parcela paga mensalmente ao governo federal.
A medida está prevista na regulamentação do Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados), a ser publicada nesta terça-feira (15) no Diário Oficial da União. As regras foram detalhadas nesta segunda-feira (14) pelo Tesouro Nacional em entrevista coletiva.
A renegociação das dívidas permite reduzir de 4% para 0% o juro real dos contratos e ainda diminui a correção monetária. A União pode abrir mão de até R$ 1,3 trilhão em receitas financeiras até 2048 caso todos os estados ingressem no programa, como mostrou a Folha. O prazo para adesão vai até 31 de dezembro de 2025.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que os estados precisarão enviar um ofício assinado pelo governador manifestando interesse na adesão, junto com detalhes da modalidade do programa pretendida e, se for o caso, a lista dos ativos a serem entregues à União para abater parte do saldo devedor.
No ofício, o estado deverá indicar se tem interesse na assinatura de um aditivo provisório, caso a análise definitiva demore mais que os 30 dias estipulados na regulamentação. Para este pedido, a lei estadual que autoriza a adesão ao Propag precisa estar aprovada. As demais leis, por sua vez, poderão tramitar ao longo de 2025.
“Se houver razoabilidade no que está sendo oferecido, vamos processar o aditivo provisório sem maiores polêmicas”, disse Ceron. Segundo ele, o órgão quis dar essa opção para se blindar de eventuais acusações de demora na análise para prejudicar um ou outro estado.
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O secretário argumentou ainda que a estratégia mantém a União no controle das adesões, diferentemente do que aconteceu no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), que teve várias adesões determinadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) porque os estados alegavam dificuldades em cumprir todas as exigências legais.
Pela lei do Propag, estados poderão ter os juros reais da dívida reduzidos a zero caso façam uma amortização extraordinária de 20% da dívida, via pagamento à vista ou entrega de ativos (como imóveis, créditos da dívida ativa ou participações acionárias em empresas).
Do alívio de quatro pontos percentuais nos juros, o valor equivalente a um ponto precisará aportado no FEF (Fundo de Equalização Federativa), que vai redistribuir os recursos entre os demais participantes do Propag —uma tentativa de compensar estados menos endividados e que teriam poucas vantagens com o programa.
Outro ponto precisará ser aplicado em investimentos nas áreas de educação, saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública.
O Tesouro terá até o fim deste ano para analisar os ativos apresentados e entrar em acordo com o estado em torno dos valores de avaliação. Também será necessário atestar a compatibilidade da operação com a meta de resultado primário do governo federal, já que algumas operações —como a federalização de empresas estaduais— têm impacto e podem aprofundar o déficit federal.
Caso um ativo seja desqualificado em alguma dessas etapas (porque não foi aceito, não houve acordo sobre valores ou não há espaço na meta fiscal para absorver a transação), o estado será reenquadrado, segundo o valor da amortização efetivamente realizada.
Isso significa que ele pode migrar para outras condições dentro do programa. Na prática, ele ainda pagaria juro zero sobre a dívida, mas precisaria fazer aportes adicionais no FEF e nas áreas designadas para investimentos, inclusive com restituição retroativa pelos meses pagos a menos em 2025. Nesse caso, a regularização precisaria ser feita até, no máximo, 2026.
Ceron disse que não há risco de um estado usufruir benefícios por tempo indeterminado enquanto a União protela a análise dos ativos, já que a regulamentação estipula que essa avaliação seja feita até o fim de 2025. O tempo exato vai depender da complexidade de cada caso.
Técnicos ouvidos sob reserva pela Folha, no entanto, avaliam que a oferta de alívio imediato, antes mesmo da adesão formal ao programa, também abre brecha para judicialização. Caso o plano seja rejeitado pelo Tesouro, parcial ou totalmente, o estado poderá recorrer ao STF para manter os benefícios do Propag.
O secretário, porém, vê um risco menor de isso acontecer. Segundo ele, nessa situação, o pedido do estado significaria, na prática, não recolher recursos para o FEF (que beneficia outras unidades da federação) nem investir nas áreas pré-definidas.
“Sempre que há judicialização [hoje], a discussão é pagar ou não pagar, reclamação de que o juro é abusivo. Há uma mudança muito relevante agora. Se houver judicialização e afastar aplicação dos recursos, vai prejudicar a população, não a União. O Judiciário vai analisar e dizer se é razoável não cumprir as metas e prejudicar todos os outros estados”, disse Ceron.
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O governo estima que a renegociação do Propag tenha um impacto de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões ao ano para a União. São recursos que ela deixará de receber, devido à redução das parcelas da dívida.
Em termos de contrapartidas, o Tesouro prevê que R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões serão destinados ao FEF, e montante semelhante deve ir para investimentos.
Segundo o secretário, as regras do programa dificultam o uso de subterfúgios para mascarar o uso do dinheiro para outras finalidades, prática conhecida como “troca de fontes”: os estados usam o alívio obtido para bancar investimentos já previstos, e o caixa que sobra financia outras despesas, como pessoal.
Ceron disse que os estados precisarão criar fundos para aplicar os recursos poupados, para facilitar o rastreamento das despesas. O processo também deverá ser acompanhado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado). Além disso, ele citou que os valores das obrigações serão expressivos. “É difícil imaginar um caso relevante de burla”, disse.
Quatro estados respondem, sozinhos, por 90% da dívida com a União: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Eles são os principais interessados na adesão ao Propag e aguardam a apreciação dos vetos presidenciais, que barraram algumas vantagens adicionais no programa, para decidir sobre a adesão.
Fonte ==> Folha SP