Uma onda de calor em setembro transformada em nevasca no dia seguinte nas Montanhas Rochosas, nos Estados Unidos. Neve acumulada no inverno derretendo de forma repentina, encharcando plantações dormentes antes de voltar a congelar e cobri-las com uma camada de gelo. Calor precoce na primavera fazendo plantas florescerem, seguido de uma onda de frio que congela e derruba as pétalas.
Eventos de mudanças bruscas de temperatura como esses se tornaram mais frequentes e intensos nas últimas décadas, segundo estudo publicado nesta terça-feira (23) na revista Nature Communications.
Planeta em Transe
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas
As transições entre essas oscilações também ficaram mais curtas, dificultando a adaptação de comunidades e ecossistemas. Isso pode representar um desafio ainda maior do que ondas de calor ou frio isoladas, segundo Wei Zhang, professor de ciências climáticas da Universidade Estadual de Utah (EUA) e um dos autores do estudo.
“O impacto pode ser em cascata, em outro nível”, afirmou Zhang.
Os pesquisadores alertam que essas oscilações podem causar prejuízos à população e à natureza, como destruição de lavouras, danos a ecossistemas e sobrecarga de sistemas de energia. Países de baixa renda, com menor acesso a previsões meteorológicas e infraestrutura menos resiliente, são mais vulneráveis.
O estudo analisou dados de temperatura de 1961 a 2023 para identificar padrões globais de mudanças súbitas, em que a temperatura de uma região sobe ou despenca no intervalo de até cinco dias. Os pesquisadores constataram que a frequência dessas oscilações aumentou em mais de 60% das regiões analisadas.
Os maiores aumentos ocorreram na América do Sul, Europa Ocidental, África e sul e sudeste da Ásia. Algumas áreas, como regiões polares, mostraram comportamento distinto, com queda no número de eventos.
Embora os mecanismos climáticos que impulsionam essas oscilações ainda não sejam totalmente compreendidos, Zhang afirma que há uma tendência clara: esses eventos estão se tornando mais frequentes, intensos e rápidos em muitas partes do mundo.
“É um resultado instigante”, disse Philip Mote, professor da Universidade Estadual do Oregon que revisou o estudo. “Eles decidiram observar o sistema climático de um jeito novo, como uma sequência de fenômenos meteorológicos.”
Mudanças abruptas de temperatura podem interferir no desenvolvimento das plantas e criar dificuldades para a agricultura.
As plantas dependem de sinais térmicos para se desenvolver. Oscilações rápidas entre quente e frio podem desregular seus mecanismos internos, explicou Corey Lesk, pesquisador do Dartmouth College que estuda os impactos das mudanças climáticas sobre pessoas e ecossistemas. Essas variações também dificultam o planejamento agrícola, incluindo o uso de fertilizantes e pesticidas.
“É como lutar contra a própria lógica de funcionamento das plantas, porque elas não podem se mover para escapar do estresse”, disse Lesk.
O aumento de temperatura no fim do inverno sinaliza para muitas plantas que é hora de brotar. Oscilações repentinas, como as chamadas “primaveras falsas”, podem matar brotos que recém emergiram. Um caso citado no estudo ocorreu na Europa, em abril de 2021: após um período de calor, uma geada atingiu plantas frágeis em início de crescimento, causando perdas generalizadas.
Oscilações de frio para calor também trazem riscos. O trigo de inverno, por exemplo, é plantado no outono e passa o inverno sob a proteção da neve. Se uma mudança brusca provocar o derretimento repentino dessa cobertura, a água pode congelar e formar uma camada de gelo, danificando as plantas antes da retomada do crescimento na primavera.
Na natureza, a perda de vegetação pode desencadear efeitos em cadeia, como a escassez de alimento para animais, disse Zhang. Outro risco é a sobrecarga de sistemas elétricos em situações de calor ou frio extremos em sequência, o que pode deixar pessoas sem aquecimento ou refrigeração.
O estudo menciona o caso ocorrido em setembro de 2020 nas Montanhas Rochosas, quando uma onda recorde de calor foi seguida por uma nevasca precoce. Em algumas áreas, as temperaturas caíram mais de 28°C em um único dia. A mudança abrupta causou apagões que afetaram milhares de pessoas.
Os pesquisadores projetam que a tendência de aumento das oscilações continuará conforme o aquecimento global se intensifica. Novas pesquisas são necessárias para entender melhor as causas desses eventos e desenvolver métodos de previsão mais eficazes.
Os cientistas também pedem a adoção de medidas para reduzir os impactos das variações extremas de temperatura, como ampliar o acesso a centros de resfriamento durante ondas de calor, melhorar a previsão do tempo em escala global e tornar os sistemas de energia mais resilientes.
“É uma ideia muito nova”, disse Zhang. “Ainda não tivemos tempo para avaliar plenamente os impactos.”
Fonte ==> Folha SP