Acordei hoje com uma sensação diferente. Não era fome, nem vontade de ir ao banheiro, era algo maior. Cósmico. Me olhei no espelho e, pela primeira vez, tive certeza: eu sou.
Não só “sou” no sentido de estar acordado e meio atrasado pro trabalho. Eu sou tudo. O caminhão de lixo que passou fazendo barulho às cinco da manhã? Eu. A mosca que insistiu em pousar na sopa? Também eu. A raiva que senti da mosca? Eu de novo. E o zen budista que tentei ser para não matar a mosca? Surpresa: ainda eu.
No café da manhã, ao derramar leite na pia (acidentalmente… ou talvez por intervenção divina), pensei: “Sou o leite derramado e o arrependimento inútil.” Olhei para o pão e me perguntei se era glúten ou karma.
Enquanto passava manteiga, senti uma epifania: eu era o pão, a manteiga, a faca… e a preguiça de lavar a faca depois. Sou o pecado e a louça suja.
No caminho do trabalho, alguém me fechou no trânsito. A buzina saiu de mim, automaticamente, como um trovão bíblico. Mas em vez de ficar bravo, sorri com sabedoria: “Sou o que buzina e o que é xingado injustamente. Sou o dedo em riste e o perdão celestial.” E segui com uma paz que só os iluminados e os muito cansados conhecem.
Chegando no escritório, percebi: sou o chefe, o funcionário e a vontade de pedir demissão. Sou o relatório mal feito, a impressora travada e o cafezinho requentado. Também sou o grupo do WhatsApp da firma, mesmo sem querer.
No almoço, diante de um PF meio suspeito, pensei: “Sou o arroz, o feijão e a dúvida sobre o que é aquilo ao lado.” E fui feliz.
No fim do dia, olhando pro céu entre os fios dos postes e o barulho dos carros, tive certeza: sou o silêncio que ninguém ouve, a nuvem que parece um jacaré, e o boleto que vence amanhã. Sou o tudo e o nada — com ênfase no nada quando vejo o saldo do banco.
E se alguém me perguntar “quem é você?”, responderei com a mesma firmeza de um guru cansado:
– Eu sou.
– Mas é o quê, exatamente?
– Tudo o que você não queria perguntar porque sabe que a resposta vem com um pouco de loucura.
E sigo… sendo. Até segunda-feira que vem, quando provavelmente serei só mais um tentando não esquecer a senha do e-mail.
O início, o fim e o meio…
Fonte ==> Bahia Notícias