EUA: seis meses depois, Musk fracassa em entregar cortes – 17/05/2025 – Mundo

Um homem com uma camiseta preta e um boné levanta os punhos em um palco, demonstrando entusiasmo. Atrás dele, há uma multidão com cartazes que dizem

Seis meses após ser anunciado como a principal aposta do governo para cortar gastos e melhorar a gestão, o Doge (Departamento de Eficiência Governamental, na sigla em inglês) ainda não conseguiu atingir nem uma fração das economias prometidas.

Nunca foi para ser um corte de US$ 2 trilhões (R$ 11 trilhões). A promessa de Elon Musk, feita no ano passado durante um comício de Donald Trump no Madison Square Garden, em Nova York, surpreendeu até mesmo os organizadores do evento. Diante de uma multidão entusiasmada do Maga —acrônimo em inglês para “Faça a América Grande Novamente”, lema do trumpismo—, Musk afirmou que cortaria quase um terço do orçamento federal anual.

“O acordo era que ele iria [dizer que cortaria] US$ 1 trilhão (R$ 5,6 trilhões)”, reconheceu posteriormente Howard Lutnick, proeminente apoiador de Trump e atual secretário de Comércio — que havia convidado Musk ao palco. “O que eu deveria dizer?”

A promessa improvisada tornou-se cada vez mais um fardo para Musk. Seis meses após Trump anunciar oficialmente sua formação, o Doge não chegou nem a uma pequena fração da meta inicial, tampouco fez o tipo de cortes que reduziriam os gastos ano após ano.

Enquanto o site do departamento fala em economia de US$ 170 bilhões (R$ 957 bilhões), uma investigação do Financial Times mostra que apenas uma pequena parte desse valor pode ser realmente verificada.

Desses US$ 170 bilhões, só US$ 31,8 bilhões (R$ 178 bilhões) estão vinculados a contratos alterados — e apenas 6.700 documentos foram verificados. Há ainda US$ 12,8 bilhões (R$ 71,7 bilhões) ligados à Usaid sem dados públicos, além de valores inflados em contratos detalhados.

Parte da economia vem de US$ 840 milhões (R$ 4,7 bilhões) em contratos vencidos e US$ 289 milhões (R$ 1,6 bilhão) em acordos prestes a acabar.

Nos contratos com termos claros, a economia real foi de US$ 12,4 bilhões (R$ 69,4 bilhões), incluindo US$ 1,4 bilhão (R$ 7,8 bilhões) de um contrato já reduzido sob Biden, que custou até agora apenas US$ 73 milhões (R$ 409 milhões).

Há evidências de avaliações inflacionadas para aumentar os números, enquanto contratos que já estavam expirando foram reivindicados como novas economias. Ao mesmo tempo, dados do Tesouro dos EUA até agora não mostraram queda nos gastos governamentais.

O Doge tem se esforçado para pintar um quadro positivo: seu site mistura cortes recorrentes nos gastos federais por meio de reduções na força de trabalho junto com ingressos temporários ou únicos de dinheiro provenientes da venda de propriedades federais e de cancelamentos de contratos.

“Com toda probabilidade, o valor das economias apontadas pelo Doge é significativamente menor do que o que Elon Musk originalmente queria”, diz Dominik Lett, analista do Instituto Cato de livre mercado. “O Doge não deve ser visto como um esforço muito bem-sucedido de redução de déficit.”

Musk e a Casa Branca não responderam a pedidos de comentário.

O bilionário começou a se afastar do comando do Doge diante da pressão do Congresso e de membros do gabinete de Trump. A atuação política também teve custo pessoal: sua participação reduziu o valor das ações da Tesla e levou à perda de contratos da Starlink.

Trump chegou a comparar o Doge ao Projeto Manhattan, mas a iniciativa ficou aquém das expectativas. Mesmo com metas vistas como inalcançáveis, a promessa de cortar desperdícios conquistou apoio — até de figuras como Bernie Sanders, que sinalizou apoio parcial, especialmente na redução do orçamento de defesa.

Pesquisas mostravam respaldo popular: antes da posse de Trump, dois terços dos americanos acreditavam que o governo fosse ineficiente e desperdiçasse quase 60% de seus recursos.

A decisão inicial de Musk de desmontar a Usaid — agência dos EUA para ajuda externa — teve apoio popular, mesmo com cortes em programas vitais.

Mas a boa vontade começou a se erodir rapidamente, quando jovens programadores recrutados por Musk e capitalistas de risco do Vale do Silício começaram a aparecer em numerosos departamentos governamentais, exigindo acesso a dados sensíveis.

A demissão de dezenas de milhares de servidores, incluindo guardas florestais e profissionais de saúde, gerou caos fora de Washington e reação até de aliados de Trump. Mesmo com ordens judiciais para reintegrações, o ritmo e a aleatoriedade dos cortes causaram insatisfação popular.

“O diagnóstico do Doge estava correto”, disse Seb Wride, da Public First US. “Mas a abordagem pareceu imprudente.”

Emissários do Doge, segundo pessoas consultadas pela reportagem, pouco entendiam o funcionamento das agências que atacavam, o que alarmou setores da Casa Branca.

O governo precisou suspender demissões na agência nuclear, e até aliados de Musk pediram recuos. “O Doge poderia ter feito coisas boas”, disse a economista Valerie Ramey. “Mas eles precisavam de um ano para entender o governo antes de desmontá-lo.”

Secretários como Scott Bessent e Marco Rubio enfrentaram Musk pelas ações do Doge. Em março, Trump interveio e recomendou que ele usasse “um bisturi em vez de um machado”.

Musk passou a chamar o Doge de “suporte técnico”, mas a meta de economizar US$ 1 trilhão (R$ 5,6 trilhões) perdeu força diante de estimativas infladas.

“Embora o Doge tenha chamado a atenção para alguns gastos desnecessários, prometeu demais e cumpriu de menos em cortes verificáveis”, afirmou Michael Cembalest, do JP Morgan. “Pode levar anos para avaliar completamente os efeitos negativos de cortes amplos em departamentos focados em saúde pública, aviação, energia, segurança cibernética, tributação e educação.”

Avaliar o impacto do departamento é difícil por falta de transparência, dizem analistas. Musk fala em “extrema transparência”, mas o programa não informa dados básicos, como número de funcionários ou agências envolvidas. Quando programadores do Doge apareceram na TV, seus nomes foram ocultados.

Trump chama Musk de líder do Doge, mas registros apontam Amy Gleason como administradora interina. “Ainda não sabemos nem quantos trabalham lá ou quem são essas pessoas”, disse o senador Jack Reed.

O senador Richard Blumenthal afirmou no mês passado que Musk e suas empresas teriam de pagar até US$ 2,37 bilhões (R$ 13,3 bilhões) em multas vindas de investigações federais e de ações conduzidas por agências que o Doge estaria desmontando.

Ainda assim, houve avanços. Um documento interno da Casa Branca destacou a criação da “primeira aposentadoria federal totalmente digital e sem papel”. Joe Gebbia, cofundador do Airbnb e membro do conselho da Tesla, liderou a digitalização de processos em uma antiga mina na Pensilvânia.

Mais de 75 mil servidores aceitaram indenizações oferecidas pelo Doge. Vários contratos com consultorias também foram cancelados ou reduzidos.

Segundo analistas, porém, algumas ações do Doge podem ter efeito contrário ao esperado. A ONG Partnership for Public Service estima que as demissões decorrentes de ações do departamento custarão US$ 135 bilhões (R$ 756 bilhões) em produtividade neste ano. Até março, mais de 11 mil servidores do IRS, equivalente à Receita Federal nos EUA, já haviam saído ou estavam de saída.

Segundo a Universidade de Yale, cortar 7.000 funcionários pouparia US$ 6,9 bilhões (R$ 38,6 bilhões), mas geraria perda de US$ 64 bilhões (R$ 358 bilhões) em arrecadação.

Musk, agora focado em suas empresas, deixou sua sala na Casa Branca e acompanha o Doge à distância. No mês passado, ele demonstrou ter dúvidas sobre a continuidade do departamento sem sua liderança. Questionado se a iniciativa funcionaria sem ele, respondeu: “Buda é necessário para o budismo?”



Fonte ==> Folha SP

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