EUA: Trump ameaça status de porto seguro para investimento – 18/05/2025 – Mercado

A imagem mostra um ambiente de trabalho com várias telas de computador ao fundo, onde um homem está sentado, aparentemente concentrado em suas atividades. Em primeiro plano, há uma foto emoldurada de Donald Trump, um boné vermelho com a palavra

Não existem muitas certezas em um mercado tão volátil quanto o financeiro –e o governo Donald Trump está pondo à prova uma das poucas que conseguiram se manter de pé ao longo das últimas décadas.

Desde que assumiu a Casa Branca pela segunda vez, em 20 de janeiro deste ano, os títulos do Tesouro dos Estados Unidos têm titubeado à luz da política tarifária do presidente.

Tradicionalmente, os investidores compram os apelidados “treasuries” como uma espécie de aposta segura. O fundamento por trás é que, aconteça o que acontecer, de guerras a choques econômicos, o governo dos EUA será capaz de honrar suas dívidas.

É o equivalente ao Tesouro Direto, no qual títulos públicos federais são emitidos como forma de financiar parte da máquina do Estado, e o rendimento desses papéis é a remuneração paga pelo governo pelo empréstimo recebido.

Os títulos têm vencimentos variados. O mais monitorado é o de dez anos, considerado um indicador da confiança dos investidores sobre a economia dos EUA no longo prazo.

Quando Trump anunciou o tarifaço do último 2 de abril, o “dia da libertação”, houve uma venda em massa dos papéis por causa dos temores de uma recessão. O rendimento do de dez anos subiu de pouco menos de 4% para cerca de 4,5%, no que foi a alta mais expressiva em quase 25 anos. O de 30 anos saiu de 4,52% para 4,80%. A rentabilidade é inversamente proporcional aos preços, isto é, os investidores estão pagando menos e exigindo mais retornos para enfim dar o voto de confiança de que a dívida será paga.

Em paralelo, o valor do dólar frente às principais moedas globais se deteriorou. Os índices de Wall Street tombaram, resultando em perdas acumuladas de 11,53% no Nasdaq Composite, 7,8% no S&P 500 e 7,5% no Dow Jones nos primeiros cem dias de governo Trump.

Os movimentos denunciam que parte da confiança depositada nos Estados Unidos está se erodindo e, ainda, que o status de porto seguro global de investimentos está ameaçado.

Na sexta-feira (16), a agência Moody’s rebaixou a nota de crédito dos títulos da dívida dos EUA, que perderam o nível máximo (triplo A, de menor risco), devido a preocupações com o aumento da dívida pública. Quanto maior a percepção de risco, maior a taxa de retorno cobrada pelos investidores, o que explica a alta de juros desses títulos após o anúncio. Pela primeira vez na história, o país não mantém a nota máxima em nenhuma das três principais agências de classificação de risco.

“É como se os investidores estivessem vendo os Estados Unidos, a economia mais forte e robusta do mundo, como um mercado emergente. Nos últimos 25 anos, se buscou muito os títulos americanos com a narrativa de que eram os mais seguros. E essa mudança na política americana pode levar a uma diversificação de lugares para se colocar o dinheiro”, diz Lourenço Neto, economista e diretor de operações na Miura Investimentos.

O efeito no mercado de títulos, segundo a maioria dos analistas, foi o que fez Trump recuar de sua cruzada tarifária. Em tese, equacionar a dívida pública americana é a principal razão por trás das medidas, que elevariam a arrecadação do Estado. No entanto, se o investidor cobra mais para financiar essa dívida, ela fica mais cara para o governo.

Trump não chegou a admitir publicamente, mas disse ter achado “que o pessoal [os investidores] estava passando um pouco dos limites”. Na sequência, anunciou uma trégua de 90 dias para a maioria dos parceiros comerciais aos quais tinha imposto “tarifas recíprocas” e estabeleceu um piso básico de 10% sobre todas as importações.

“Os treasuries seguraram ele. Mas não sei até que ponto é um recuo substancial. Diria que ele estava blefando e piscou”, diz André Perfeito, economista-chefe e sócio da consultoria APCE (Associação Brasileira de Produtos Controlados).

Os títulos de dez anos ensaiaram uma recuperação conforme o presidente “piscava”. No início deste mês, o movimento foi mais acentuado depois que os EUA e a China sinalizaram a possibilidade de uma trégua para cessar a guerra tarifária, oficializada no dia 12.

Ficou acertado que, durante 90 dias, os EUA reduzirão de 145% para 30% as tarifas adicionais sobre produtos chineses, enquanto a China diminuirá as taxas para 10%, ante os 125% de hoje. O resultado foi uma melhora nos ativos norte-americanos. O dólar voltou a subir globalmente, embora ainda aquém dos níveis anteriores à posse de Trump, e os índices de Wall Street seguiram o mesmo caminho.

Mas a incerteza persiste. “Não vejo como uma solução duradoura. O que aconteceu foi uma corrida contra o tempo para evitar que a economia global desligasse antes do meio do ano. Vejo esse acordo apenas como uma tentativa bastante desesperada para limpar a barra de Trump, que blefou alto na guerra tarifária e agora precisa ganhar tempo”, diz Perfeito.

E, na visão do economista, há ainda outro problema que precisa ser equacionado: a força do dólar. Uma moeda mais fraca impulsionaria exportações, o que ajudaria a balancear o “insustentável” déficit público dos Estados Unidos. “Se as tarifas são de 30% e o dólar sobe 30%, ficou no zero a zero e o problema não foi resolvido”, afirma.

A principal moeda do mundo tem perdido força em resposta ao comportamento errático de Trump. “Talvez minar a credibilidade do presidente dos EUA seja o instrumento necessário para desvalorizar o dólar. Se for intencional, é uma jogada de mestre, mas duvido que seja o caso.”

No meio acadêmico, a tese de declínio da hegemonia do dólar tem ganhado força. Professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Nacional), Kenneth Rogoff afirma que há em curso um processo estrutural de enfraquecimento da moeda desde antes da posse de Trump. Com a volta do republicano à Casa Branca, o processo pode ter sido acelerado.

“Embora o dólar quase certamente continue sendo a moeda dominante do mundo por pelo menos mais algumas décadas, é provável que ele caia alguns degraus. Espere que o iene e o euro ganhem espaço na economia legal, e as criptomoedas farão o mesmo na economia subterrânea”, escreveu ele em artigo para a The Economist, no início deste mês.

Enquanto os rumos da economia global –e dos ativos norte-americanos– seguem indefinidos, há ao menos um consenso entre os especialistas: a postura errática de Trump inspira incerteza nos operadores.

“Construir reputação é difícil; destruir é facinho. Um pedaço dessa reputação não vai ser de fácil retorno, mas não acho que políticas pouco cuidadas de um presidente poderão corroer toda a solidez de uma economia como a americana”, diz Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.

“Acredito que a credibilidade e a segurança dos ativos estão, sim, um pouco balançadas. Mas a extensão e a magnitude disso são outros fatores de incerteza nessa história.”



Fonte ==> Folha SP

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