Ex-palmiteiros preservam palmeira-juçara com agroecologia – 27/06/2025 – Ambiente

Uma estrada de terra cercada por altas palmeiras e vegetação densa. O caminho é estreito e se estende em linha reta, com árvores e plantas ao longo dos lados, criando um ambiente natural e exuberante. A luz do sol penetra através das folhas, iluminando a cena.

O Vale do Ribeira, cenário histórico da extração predatória do palmito-juçara, tornou-se exemplo de preservação da espécie. Produtores rurais em Sete Barras (205 km de São Paulo), muitos deles ex-palmiteiros, hoje cultivam o fruto da palmeira com técnicas sustentáveis.

A juçara é uma planta nativa da mata atlântica cujos frutos alimentam cerca de 70 espécies de animais. Por décadas, o palmito retirado do tronco dela foi alvo de exploração em larga escala, o que quase levou a espécie à extinção. A extração virou crime ambiental em 1998 (lei nº 9605).

Apesar de a prática ter sido criminalizada, ela continuou por mais de 20 anos na região, por ser a principal fonte de renda da comunidade de Guapiruvu, bairro que reúne cerca de 150 famílias. A organização em assentamentos de reforma agrária, no início dos anos 2000, permitiu a diversificação da atividade econômica.

Atualmente, uma das atividades da região é a extração da polpa do fruto da juçara, cujo cultivo é permitido. Outras fontes de sustento são o palmito pupunha e a banana. Hoje, 11 famílias do Guapiruvu usam o sistema de agrofloresta —método em que se cultivam plantas frutíferas em meio à mata nativa, preservando a biodiversidade e protegendo o solo— e produzem alimentos orgânicos.

Ex-extrativista, Silvino Teixeira Junior, 31, conta que a exploração ilegal era quase obrigatória para sobrevivência, mesmo anos após a proibição. “Dos que têm acima de 25 anos, quase todos daqui cortaram palmito”, diz.

Junior começou a trabalhar aos sete anos com seu pai, com auxílio de mulas. O processo era clandestino, porém lucrativo. Hoje, o produtor tem uma plantação de banana e pupunha em um terreno ocupado, que espera regularizar com decisão judicial. Alguns ex-palmiteiros como ele migraram para o cultivo convencional de banana, que utiliza agrotóxicos e esterco.

Já Narciso Qiuchnin, 69, chegou ao Guapiruvu há 32 anos e encontrou uma paisagem bem diferente da atual. Onde hoje há fileiras de palmitais e bananais, entremeadas por árvores frutíferas e nativas da mata atlântica, havia área desmatada com solo degradado.

Antes, Qiuchnin trabalhava em empreitadas, derrubando as árvores que agora crescem em seu assentamento. Ele, que também foi extrativista, lembra que a rotina para conseguir um palmito “de primeira” era árdua: saía por volta das 4h e voltava às 20h.

Há 24 anos, quando Qiuchnin conseguiu ser assentado, dispersou sementes de juçara e de árvores frutíferas pelo terreno. “A juçara vai aumentando a cada ano que passa, porque dá frutos e os bichos carregam. Parei de semear. Agora, quem semeia são os bichos.”

Mudanças do clima

As mudanças climáticas já interferem na agricultura. Segundo Vânia Trindade, 37, a mudança no regime de chuvas e na temperatura afeta a germinação das sementes de juçara, e a instabilidade do clima dificulta o planejamento das safras. Ela cultiva banana e pupunha, mas vem de uma família que extraía palmito na floresta.

Geraldo Oliveira, 74, chegou ao bairro na década de 1980. Seu primeiro investimento foi o gengibre, que era uma das maiores fontes de renda na região e degradou o solo. Depois, plantou banana, ainda como monocultura e com agrotóxicos.

Em 1999, Geraldo conheceu uma forma de cultivo mais harmoniosa, durante visita ao Guapiruvu do suíço Ernst Götsch —referência em agricultura regenerativa que deixou seu país para se dedicar ao cultivo de cacau no sul da Bahia. O sistema agroflorestal adotado por Geraldo aumentou sua produção, além de trazer benefícios ambientais.

A Cooperagua (Cooperativa Agropecuária de Produtos Sustentáveis do Guapiruvu), que reúne cerca de 110 produtores, movimentou R$ 5,5 milhões em 2024. Segundo a entidade, os principais produtos vendidos são banana, polpa e semente de juçara e pupunha.

Repovoamento

“O palmiteiro não é um criminoso, no aspecto mais deletério da palavra. É uma pessoa que busca oportunidade de renda para sustentar sua família através da floresta”, afirma Rodrigo Levkovicz, diretor da Fundação Florestal, órgão responsável pela administração dos parques estaduais.

Os órgãos ambientais perceberam que não adiantava apenas reprimir a cadeia ilegal da juçara e começaram a trabalhar em conjunto com comunidades tradicionais. Exemplo disso é o Programa de Conservação da Palmeira-Juçara (Pró-Juçara), criado em 2021 para repovoar a espécie nas unidades de conservação paulistas.

Entre 2021 e maio de 2025, a entidade comprou 76 toneladas de sementes de juçara no estado, que foram usadas em parques estaduais –um investimento de R$ 715 mil.

Frederico Viegas, antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), diz que comunidades tradicionais quilombolas e extrativistas ainda carregam o estigma de ser responsáveis pela devastação da espécie, num processo de criminalização que desconsidera os incentivos oficiais do passado.

Segundo Viegas, a relação histórica entre a Fundação Florestal e as comunidades, desde a brusca transição da lei que criminalizou os palmiteiros até a criação de unidades de conservação sem consulta prévia a elas, ainda gera muita desconfiança. “O avanço é lento, mas o Pró-Juçara é um esforço para o diálogo”.

A Polícia Militar Ambiental afirma que as operações contra palmiteiros são complexas devido às longas distâncias percorridas em áreas de mata fechada e às dificuldades de comunicação. Para casos de flagrante, as penas variam de um a cinco anos. Também há multa e apreensão do palmito e dos equipamentos usados.

O registro mais recente de extração ilegal no Guapiruvu ocorreu em 2023, quando um homem foi preso com 387 hastes de palmito-juçara. Já no município de Sete Barras, a última ocorrência foi no ano passado, no bairro Rio Preto, com apreensão de 222 hastes.

Juventude

O trabalho da Cooperagua atrai as gerações mais novas, como a de Luan Gomes Ribeiro, 18. O jovem atua na parte administrativa da entidade e enxerga a tecnologia como aliada da sustentabilidade. Assim como ele, outros jovens vão estudar fora do bairro, mas a maioria fica no Guapiruvu.

O produtor Gilberto Ohta, 65, diz que o baixo êxodo de jovens é resultado das atividades socioambientais desenvolvidas ao longo dos anos. O agricultor tem uma agrofloresta, onde produz juçara, banana e outras frutas.

Os jovens atuam na agricultura sustentável, no ecoturismo e nos programas ambientais. Há três anos, eles buscam formalizar uma cooperativa de serviços, a Cooperjovem. “É uma luta para desenvolver formas eficazes que mantêm o jovem na sua comunidade”, diz Ohta.


Esta reportagem foi produzida durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.



Fonte ==> Folha SP

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