Fenícios espalharam cultura, mas não genes no Mediterrâneo – 24/04/2025 – Ciência

A imagem mostra um relevo de um navio antigo, com remos visíveis e barris na parte superior. O fundo apresenta ondas estilizadas, sugerindo movimento na água. O navio é representado de forma detalhada, com uma estrutura longa e estreita, e os remos estão dispostos em fileiras. O material do relevo parece ser uma pedra clara, e a textura é bem definida, destacando os elementos do navio e do ambiente aquático.

O povo fenício, que reunia os maiores navegantes do mundo antigo e fundou uma cidade que chegou perto de destruir Roma, quase não contribuiu geneticamente para a população de suas colônias, sugere um novo estudo.

Os dados de DNA indicam que os locais colonizados pelos marinheiros abrigavam majoritariamente pessoas oriundas do lado europeu do Mediterrâneo, e não do Oriente Médio (região de origem dos fenícios “originais”, no atual Líbano). Em alguns locais, também houve miscigenação com grupos oriundos do norte da África.

Publicadas em artigo na última edição da revista científica Nature, as conclusões surpreendem por fugir ao padrão de várias outras expansões coloniais ao longo da história.

Em muitos casos, em especial em períodos como a Era das Navegações, a partir do século 15, é comum que colonizadores do sexo masculino se unam a mulheres das populações colonizadas. Esse tipo de processo dá origem a uma população miscigenada na qual o elemento dominante em termos políticos, econômicos e culturais é o da linhagem masculina dos recém-chegados. Trata-se do padrão que predomina no Brasil e no resto da América Latina, por exemplo.

À primeira vista, no caso dos fenícios e de sua principal colônia, a antiga cidade de Cartago (na atual Tunísia), parecia ter predominado a cultura vinda do Oriente Médio. Os fenícios falavam uma língua semita muito próxima do hebraico antigo e cultuavam deuses citados no Antigo Testamento, como Baal (cujo nome está presente, por exemplo, no nome de Aníbal, maior general da história de Cartago e arqui-inimigo dos romanos).

Inscrições usando o alfabeto fenício, que acabaria inspirando quase todos os outros alfabetos do planeta, podem ser encontrados tanto em Cartago quanto nas demais colônias que os navegantes fundaram em outros locais do norte da África, nas ilhas italianas da Sicília e da Sardenha e no sul da Espanha (a cidade de Cádiz é um dos exemplos mais conhecidos), entre outros lugares.

Tudo indica que essa expansão começou a acontecer depois do ano 1000 a.C., embora as cidades-Estado fenícias de Tiro, Sidon e Biblos já existissem séculos antes. Diplomáticos e com excelente domínio das técnicas de navegação de longa distância, os marinheiros atravessaram o Mediterrâneo de uma ponta à outra comerciando matérias-primas (em especial metais úteis ou preciosos, como o cobre, o estanho e a prata) e produtos manufaturados.

Nesse processo, fundaram entrepostos comerciais que, em muitos casos, tornaram-se cidades e, com o passar dos séculos, entraram em conflito com outro povo de navegantes e colonizadores, os gregos —e, mais tarde, também com os romanos.

Esse processo era razoavelmente bem conhecido dos estudiosos da Antiguidade há muito tempo. Mas a grande surpresa veio quando a equipe liderada por David Reich, especialista em DNA antigo da Universidade Harvard (EUA), examinou dados do genoma de quase 200 pessoas que viveram no antigo território fenício e em colônias espalhadas da Sicília à Argélia. São indivíduos que viveram entre os séculos 6º a.C. e 2º a.C., o que abrange mais ou menos o período que vai do auge ao declínio do poderio fenício e cartaginês no Mediterrâneo.

Nesse tipo de estudo, os pesquisadores costumam usar uma biblioteca com pouco mais de 1 milhão dos chamados SNPs, que são variações de uma única “letra” de DNA. Essa biblioteca ajuda a identificar a região de origem de membros da nossa espécie, além de estimar eventos de miscigenação. E o que ficou claro é que quase não havia semelhança entre os habitantes das colônias fenícias e os antigos habitantes do Oriente Médio.

Em vez disso, o principal componente genético das populações das colônias, em proporções variáveis, era similar a grupos do mar Egeu (a área que engloba as ilhas gregas e a Grécia continental) e da Sicília —não foi possível estimar um lugar mais preciso de origem nessa região mais ampla. A partir do século 4º a.C., começa a aumentar a contribuição de outro componente genético associado ao norte da África, similar aos ancestrais dos atuais povos berberes, ainda predominantes nessa região.

Ainda não está claro qual seria a melhor maneira de explicar esse padrão. Em parte, falta um “elo perdido” genômico porque os primeiros séculos das colônias não foram documentados, já que na época a prática funerária mais comum era a cremação, que deixa poucos resquícios ósseos a partir do qual seria possível obter DNA.

No entanto, é possível imaginar que, após a chegada de relativamente poucos fenícios na fundação de uma colônia, as cidades cresceram basicamente incorporando membros da população nativa, que adotaram a cultura e o idioma dos marinheiros sem que houvesse grande miscigenação com eles. Com a passagem do tempo, as marcas da presença fenícia no DNA da população teriam quase sumido.



Fonte ==> Folha SP

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