Para que todas as escolas públicas do país tivessem condições mínimas de ofertar um ensino de qualidade, o governo Lula (PT) precisaria destinar R$ 61,3 bilhões a mais para a educação básica em 2025.
Em vez de aumentar os recursos para as redes de ensino, a gestão do petista, no entanto, estuda travar e não ampliar o percentual de complementação da União ao Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica.
Neste ano, o governo federal repassou 21% do que arrecada de complemento ao fundo. Pela emenda constitucional, aprovada em 2020, essa fatia deveria aumentar progressivamente, chegando a 23% no ano que vem. É essa ampliação que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estuda travar.
Caso aprovada, a medida deixaria as escolas ainda mais longe de ter os recursos financeiros mínimos para seu funcionamento.
Procurados, os ministérios da Fazenda e da Educação não comentaram sobre os recursos insuficientes. Também não responderam sobre o estudo para travar o aumento de repasses para a educação básica.
O complemento necessário de R$ 61,3 bilhões foi calculado por um indicador, chamado CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial). Ele busca traduzir, em valores por aluno, o investimento necessário para o mínimo de qualidade a partir da realidade de cada escola.
O cálculo foi feito pela Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Parte da pesquisa é financiada pelo próprio MEC (Ministério da Educação).
Caso fosse disponibilizado, o complemento representaria um aumento de 13,9% do que os estados e municípios brasileiros devem ter disponível para investir neste ano, cerca de R$ 441,8 bilhões.
O CAQi é um mecanismo que calcula quanto cada unidade precisa de recursos para garantir, por exemplo, que os alunos tenham todas as aulas previstas, que os professores recebam salários adequados e que as turmas não fiquem lotadas. Ou ainda o quanto seria necessário para que todo estudante esteja matriculado em uma escola com biblioteca, laboratório, quadra e até mesmo energia e água potável.
Por esse cálculo, o indicador aponta qual deve ser a ampliação da União no financiamento da educação pública brasileira. Ou seja, o governo federal seria responsável por complementar o valor por aluno em cidades ou estados que não conseguissem atingir o mínimo de recursos.
Dos 5.570 municípios brasileiros, 4.794 (86% do total) não têm neste ano recursos mínimos suficientes para garantir as condições da oferta de educação, atendendo a esses padrões. Quatro redes estaduais de ensino também não têm —Amazonas, Ceará, Maranhão e Piauí.
O cálculo considera, por exemplo, que para ofertar uma educação com padrões mínimos de qualidade na creche seria preciso investir R$ 1.158 ao mês para cada criança matriculada em uma unidade de tempo parcial e em área urbana.
Esse valor asseguraria, por exemplo, que as turmas tivessem no máximo 10 alunos por professor. Também garantiria que todos os docentes contratados tivessem formação em ensino superior e ganhassem, no mínimo, o piso salarial nacional.
Dados do Censo Escolar 2022 mostram que 32% dos professores do país que trabalham na educação infantil não têm formação adequada para atuar com crianças dessa idade.
“O indicador não estabelece padrões nada exacerbados de qualidade, ele apenas calcula o valor que seria suficiente para que as redes de ensino conseguissem cumprir o que já está previsto em lei. Para ter escolas que atendam os alunos com um mínimo de dignidade, tendo, por exemplo, água potável e saneamento básico”, diz Adriana Dragone, professora da USP e uma das coordenadoras da Fineduca.
Os dados do último censo mostram que quase 1,2 milhão de estudantes da rede pública do país estudam em escolas sem acesso a água potável.
Para o ensino fundamental e ensino médio, os valores são mais próximos, sendo de R$ 740 por mês por aluno no período parcial na área urbana. Segundo o estudo, o custo mínimo é menor para essas etapas em decorrência do tamanho das turmas e das características das escolas que resultam em maior eficiência.
A maior parte do recurso destinado para garantir as condições mínimas nessas etapas seria destinada para a contratação adequada de professores. Ou seja, para que todos os estudantes tivessem aulas com docentes com formação na área em que lecionam, que ganhassem o equivalente a profissionais de outras áreas com graduação e tivessem contratos estáveis.
“Se as escolas não têm recursos nem para garantir o básico, como vamos cobrar que elas apresentem bons resultados em aprendizagem? Uma educação de qualidade pressupõe que uma série de condições sejam atendidas e o país não consegue garantir isso com os recursos que disponibiliza atualmente”, diz Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Segundo o estudo, a complementação de R$ 61,3 bilhões da União representa cerca de 0,52% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. “Não estamos falando de um montante astronômico de recursos, é uma parcela pequena do que o país produz e poderia ser usado para garantir uma educação de qualidade”, diz Pellanda.
Os dados também mostram que, se implementado, o CAQi iria beneficiar sobretudo as escolas em regiões mais pobres. Dos R$ 61,3 bilhões de complemento, 55,7% seriam destinados para redes de ensino do Nordeste e 14,3% para as do Norte. Em alguns municípios, o complemento significaria, por exemplo, ter três vezes mais recursos para a educação. É o caso de Aramari, Rio do Pires e Rio do Antônio, todos na Bahia.
Além disso, 83,6% desse recurso de complementação seria destinado para as redes municipais com a maior proporção de alunos com menor nível socioeconômico.
Pela lei do PNE (Plano Nacional de Educação), o Brasil deveria ter definido e iniciado a operacionalização do CAQi para financiar a educação básica até 2015. No entanto, até hoje o mecanismo não foi criado.
A fixação do dispositivo é responsabilidade do MEC. Em nota, a pasta comandada pelo ministro Camilo Santana reconheceu a importância de se instituir o CAQi, mas não informou prazo que isso aconteça.
O ministério disse apenas que acompanha o Projeto de Lei Complementar, que cria o SNE (Sistema Nacional de Educacional) e ao qual está atrelada a criação do mecanismo.
“O texto regulamenta o CAQ, conforme previsto na Constituição Federal. Por determinação constitucional, o CAQ será pactuado em regime de colaboração na forma disposta em lei complementar”, diz a nota.
Fonte ==> Folha SP