Hanseníase: pesquisa revela presença antiga nas Américas – 30/05/2025 – Ciência

Uma mão com luva branca segura um dente humano, que possui raízes visíveis. Ao fundo, há um pano colorido com um padrão de quadrados em várias cores, incluindo vermelho, azul, verde e amarelo.

Uma forma da bactéria causadora da hanseníase (historicamente conhecida como lepra) já estava presente nas Américas há cerca de mil anos, antes da chegada dos europeus, ao contrário do que se imaginava. Pesquisadores identificaram o DNA do micróbio em antigos indígenas que viviam no Canadá e na Argentina, o que sugere uma distribuição bastante ampla da causadora da doença no passado.

A descoberta surpreende porque a maior parte das doenças infecciosas com impacto relevante para a saúde pública no continente americano tem origem no Velho Mundo. Tais moléstias quase sempre provocavam efeitos particularmente graves sobre as populações indígenas, que passaram muitos milênios sem ter contato com os povos de outros continentes e, por isso, não desenvolveram imunidade natural contra os patógenos (organismos causadores de doenças) da Europa, Ásia e África.

Uma provável exceção a essa regra é a sífilis, doença que, ao que tudo indica, surgiu nas Américas. E algo semelhante deve ter acontecido, numa escala bem mais modesta, com a hanseníase, indica um estudo publicado nesta quinta-feira (29) na revista especializada Science.

O trabalho foi coordenado por Nicolás Rascovan, do Instituto Pasteur, na França, e contou com a participação de uma equipe internacional que inclui os brasileiros Claudio Salgado, da Universidade Federal do Pará, Patricia Rosa, do Instituto Lauro de Souza Lima (Bauru, interior paulista), e Amanda Brum Fontes, da Fundação Oswaldo Cruz (RJ), entre outros pesquisadores.

Até a década de 2000, acreditava-se que o único micro-organismo causador da doença em seres humanos era o Mycobacterium leprae, que pode ter começado a infectar a nossa espécie na África Oriental ou no Oriente Médio, há vários milhares de anos, e já tinha se espalhado por boa parte do Velho Mundo antes da chamada Era das Navegações (séculos 15 e 16).

A doença pode afetar células da pele e do sistema nervoso, causando um tipo de insensibilidade à dor que, no longo prazo, por vezes leva a lesões mais sérias nos membros, por exemplo. É comum que a ação da bactéria seja lenta, na escala de anos ou mesmo décadas –em mais de 90% dos casos, as pessoas que têm contato com ela não desenvolvem a doença. A transmissão provavelmente acontece pelo contato próximo com secreções respiratórias dos doentes. Hoje, o tratamento prolongado com antibióticos permite a cura completa da moléstia.

Em 2008, pesquisadores identificaram uma segunda espécie do patógeno, pertencente ao mesmo gênero e batizada de Mycobacterium lepromatosis. Ela produz sintomas muito parecidos com os da espécie mais comum e foi identificada principalmente nas Américas.

Os casos aparecem com mais frequência no México, mas também há registros no Brasil, nos Estados Unidos, no Canadá e no Caribe. Houve ainda ocorrências no Sudeste Asiático e, curiosamente, em esquilos-vermelhos no Reino Unido e na Irlanda (outros mamíferos também podem ser infectados pela outra espécie causadores da hanseníase, como é o caso dos tatus no Brasil –consumir a carne dos animais traz risco de adquirir a doença).

Para tentar analisar a evolução da bactéria descoberta recentemente, os pesquisadores buscaram identificar seu DNA em mais de 400 amostras, das quais 34 deram positivo para a presença do micróbio –a maioria delas vindas de pacientes da América do Norte e América Central.

O próximo passo foi analisar o genoma (conjunto do DNA) dessas amostras, uma tarefa complexa porque não é possível cultivar a bactéria em laboratório. Usando uma série de estratagemas para contornar esse problema, os pesquisadores identificaram ao menos duas grandes linhagens –uma muito mais comum que a outra– de M. lepromatosis afetando pessoas hoje.

Ao mesmo tempo, eles vasculharam os dados de DNA de quase 400 pessoas que viveram nas Américas antes da invasão europeia em busca de sinais da bactéria. Isso é possível porque qualquer estudo de DNA antigo costuma trazer, junto com o genoma humano, o de muitos micro-organismos que estava presentes no corpo da pessoa, e transformações específicas na estrutura molecular do DNA costumam indicar que o material genético microbiano também é antigo, e não uma contaminação moderna.

Foi assim que eles detectaram a presença do patógeno em um indígena canadense (morto há 1.300 anos antes do presente) e dois argentinos (que teriam vivido há 950 anos e 850 anos, respectivamente).

Ainda segundo a análise genômica, a bactéria que seria o ancestral comum de todos esses ramos da árvore genealógica da M. lepromatosis teria vivido há cerca de 10 mil anos. Ao que tudo indica, houve diversos processos de difusão do patógeno ao longo do continente americano durante milênios, embora ainda não seja possível dizer qual seria a sua região de origem.



Fonte ==> Folha SP

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