Identificação de ossadas é feita por comparação e exclusão – 25/10/2025 – Cotidiano

Homem de jaleco branco e luvas azuis examina ossos humanos dispostos sobre mesa branca em laboratório. Ao fundo, prateleiras com caixas, crânios e outros materiais organizados.

“A gente quase que casa com os nossos casos. Não podemos deixar passar nada”. É assim que o auxiliar de necropsia Fabrício Auad Spina, 40, explica seu trabalho de identificar ossadas e cadáveres em estado de putrefação ou carbonizados, que são encaminhados para o Núcleo de Antropologia Forense do IML, localizado na zona oeste de São Paulo.

Espécie de versão paulista do CSI, o órgão é responsável por identificar corpos em casos de maior complexidade.

Policial civil há 11 anos, Spina explica que o núcleo tem dois objetivos: a tentativa de identificar o morto, permitindo que a família consiga se despedir, e a busca pela causa da morte. Atualmente são cerca de 150 casos novos por ano, sendo que a maioria chega ao local já em estado avançado de decomposição.

O trabalho dele e dos outros quatro funcionários do núcleo começa quando não há possibilidade de coletar digitais ou amostras de sangue dos mortos.

Uma das técnicas que eles usam para ajudar na identificação é a maceração. Primeiro, passam uma escova delicadamente para retirar todo o tecido mole, até restar uma ossada limpa. Depois, fazem uma análise minuciosa dos ossos, para achar fraturas significativas e marcas de tiros ou de politraumatismos.

Além dessa análise, também fazem confrontos de exames e extração de DNA —através de pequenos fragmentos de ossos removidos com serrote enviados para um setor específico no Instituto de Criminalística, explica o médico legista Valdisnei Alfredo Rodrigues, 58.

Os corpos que chegam ao local têm origens diversas, de cemitérios clandestinos a furtos em necrópoles.

Um exemplo recente foi o encontro de 22 crânios e outros fragmentos humanos e de animais em um apartamento na rua Guarará, nos Jardins, no último sábado (18). Um idoso guardava os itens em casa, que foram descobertos por parentes durante uma limpeza uma semana depois da morte dele.

Os ossos estão agora armazenados em uma sala no prédio do IML e passam por análise. Devido ao péssimo estado de preservação, os especialistas trabalham com a hipótese de que eles foram furtados de algum cemitério após exumações.

Como nesse caso não se sabe de quem seriam os ossos, o trabalho fica ainda mais difícil. Não há por exemplo, exames anteriores para os técnicos compararem.

“Se não tiver suspeita, a gente faz um exame. Um exame de crânio, que é para determinar sexo. Faixa etária. Em todas as ossadas a gente monta em posição anatômica e mede osso por osso e vê se tem alguma particularidade, se tem fratura antiga, se tem fratura recente que possa ter dado causa à morte”, diz Rodrigues.

O trabalho ainda busca por pinos, parafusos e placas que podem ter sido fixados em ossos durante a vida da pessoa. Todos esses itens devem ser informados por familiares para ajudar na identificação. Essas informações vão para um laudo, que recebe uma numeração para auxiliar em uma possível identificação caso alguém familiar apareça.

“Às vezes vem a suspeita meses depois. Vai falar: ‘ó, meu filho tinha uma placa na perna’. Aí a gente levanta o caso, os casos que têm placa na perna. Fala, ‘ó, pode ser esse daqui’. E aí se tiver documentação, a gente pode confrontar a documentação”, explica Rodrigues.

Caso não tenha documentação, é necessário a extração de DNA do osso, um trabalho ainda mais complexo e que pode levar ainda mais tempo. O dente é um dos elementos que mais preservam conteúdo biológico que auxilia os especialistas.

O trabalho dos legistas possui algumas curiosidades. Segundo Spina, não é incomum que as ossadas encontradas em terrenos cheguem com escorpiões e aranhas dentro dos sacos, por exemplo.

Fragmentos de ossos de animais vez ou outra também fazem parte do conjunto de material enviado para análise como se fossem de pessoas. “O delegado e o perito criminal não têm competência médica para identificar o que é humano ou o que não é humano. Então, na dúvida, eles mandam para a gente. A gente recebe, faz o laudo, não é humano, não se aplica”, diz Rodrigues.

Outro pedido de análise recente encaminhado para o Núcleo de Antropologia Forense foi o de 15 ossadas encontradas em um cemitério clandestino na zona sul de São Paulo em junho. Os ossos estavam em melhores condições do que os encontrados nos Jardins, mas ainda seguem sem identificação.

Familiares de pessoas desaparecidas chegaram a levar documentação odontológica para confronto, mas nenhum até aqui deu positivo.

Rodrigues diz que sempre que é divulgada a notícia de que uma vala clandestina foi achada, pessoas vão até o núcleo em busca de algum parente desaparecido. Nesses casos, é feita uma coleta de material biológico das famílias para comparar com o DNA extraído das ossadas.

Diferentemente de filmes de ficção, que geralmente mostram salas de necropsia escuras, os especialistas do IML afirmam que quanto mais iluminado o ambiente melhor para as identificações.

As ossadas encaminhadas para o IML não são descartadas. Após analisadas e catalogadas, elas são ensacadas e numeradas. O destino por um tempo é o ossário em uma das salas do prédio. Anos depois, sem identificação, elas são levadas para um repouso definitivo no cemitério do Araçá.

Passo a passo na identificação de ossadas

  1. Ossos chegam ao IML e são examinados (para saber de são de humanos), descritos e fotografados
  2. Na sequência são limpos através de maceração e escovação, para fim de identificação
  3. Ossada é montada e médicos legistas e auxiliares tentam identificar sexo biológico, altura e idade
  4. Com a formação do esqueleto é verificado possíveis fraturas
  5. Entrevistas da equipe de antropologia com familiares em busca de desaparecido
  6. Confrontos de documentação pregressa, exames, entre eles radiografias odontológicas
  7. Históricos de fraturas, fixação de pinos, placas e parafusos podem auxiliar em uma identificação ágil
  8. Coleta de amostras de familiares de primeiro grau com o extraído do osso para confronto de DNA



Fonte ==> Folha SP

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