O que vai, volta. Pouco antes de embarcar para o conclave que definiu Leão 14 como novo papa, o arcebispo de Manaus, dom Leonardo Steiner, contou à Folha que, pelas suas bandas amazônicas, tem visto muita gente retornando às origens católicas.
“Aqui em Manaus, na Páscoa, foram batizados vários adultos. Temos recebido pessoas voltando para a Igreja depois de um tempo ausente.”
Não é uma impressão só dele. Em vários cantos do mundo, clérigos relatam uma expansão na base de devotos adultos. Tomemos a França, país de alta voltagem laica, como exemplo.
Segundo a Conferência Episcopal Francesa, o número de adultos batizados foi de 5.423 em 2023 para 7.135 em 2025 até agora, um salto de 31,5%.
O batismo de adolescentes impressiona ainda mais: 2025 já acumula 7.404 jovens de 12 a 18 anos que foram atrás desse primeiro sacramento católico, 2,5 vezes mais do que a adesão vista dois anos antes nessa faixa etária.
Sabe aquele papo de que os católicos estão perdendo espaço no Brasil? Ele continua de pé. Ainda não há dados sobre religião do Censo 2022 para mensurar o fenômeno, mas tudo indica que a sangria de fiéis continua. O levantamento populacional feito pelo IBGE em 1960 registrou 93% adeptos do catolicismo, enquanto eram 64% segundo a estatística oficial mais recente, de 2010.
Ainda não se sabe de quanto, mas é de se esperar um novo tombo na representatividade católica, quando enfim saírem os números mais atualizados do Censo. Por que falar, então, numa onda de filiações tardias a essa aba do cristianismo?
“A gente não tem dados confiáveis que mostrem um crescimento claro desse tipo de conversão, sobretudo entre adultos que escolhem a fé católica mais tarde, por vontade própria, e não por tradição familiar ou batismo infantil”, afirma o antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ.
“Mas dá pra notar, sim, um movimento curioso. Em alguns círculos urbanos, mais escolarizados, tem gente se reaproximando do catolicismo. Não daquele jeito automático, de rotina, mas buscando formas mais intensas, mais pensadas da religião. Liturgias mais elaboradas, leitura de autores católicos, uma religiosidade que envolve disciplina, ritos.”
A popularidade do papa Francisco e a atenção dada à sua sucessão, ou mesmo de fenômenos virtuais como frei Gilson, ajudam a renovar o fôlego católico.
Coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto aponta que há também o convertido “de dentro”, que a estatística dá de barato que já estava lá.
É o que poderíamos chamar de “católico de IBGE”, “que não praticavam sua religião e passaram a fazê-lo”. O pessoal que, se pisava na igreja uma vez por ano, era muito, mas foi batizado bebê, talvez até tenha feito primeira comunhão na escola, mas só agora busca a fé para valer.
Alguns vieram de outras religiões, ou nenhuma. E tem os que são católico de berço, experimentaram outras crenças ao longo da vida e agora entendem que elas não lhes bastam. A Igreja Católica entra como “velha de guerra”, que está aí há mais de dois milênios —bem menos fluida do que religiosidades mais recentes, sem o poder central de um Vaticano para oferecer estabilidade diante do que é encarado como modismo teológico.
Esse interesse por um relacionamento sério com a Igreja “aparece como uma resposta à bagunça do presente: um mundo acelerado, instável, sem muitas certezas”, diz Toniol. “Tem também quem veja nisso um contraponto à multiplicação de ofertas religiosas que, por vezes, parecem rasas ou muito ligadas ao mercado. O catolicismo, nesse caso, reaparece como um espaço de sentido, com memória, com espessura simbólica.”
A administradora de empresas Daniela Grelin, 55, leitora da Bíblia desde os 11 anos, conta que cresceu numa casa muito cristã, filha de mãe católica e pai adventista. A crença paterna acabou prevalecendo na criação.
A rotação religiosa acelerou na pandemia, quando ela lidou com problemas de saúde dos pais, “e “situações muito turbulentas demandaram de mim um embasamento espiritual vivo, uma experiência de intimidade com Deus”.
Daniela descobriu no período a oração centrante, método silencioso herdado de monges. Sentiu que era disso que precisava.
O mergulho no catolicismo a revelou outra forma de viver sua fé, diz. Ali encontrou “uma tradição incrível, sólida, que lê a Bíblia como livro inteiro, e não pinça versículos dela, como se tornou o costume no meio evangélico para defender um ou outro ponto de vista”.
Outro ponto forte que viu no catolicismo: achou tudo bonito demais. Os cantos, o escrito dos santos (que não são venerados por evangélicos), a arquitetura. “A experiência estética mesmo.”
O teólogo Eduardo Faria, 43, foi pastor presbiteriano por uma década. Mas não conseguia deixar de lado o “incômodo crescente com a falta de unidade doutrinal entre os protestantes acerca de assuntos centrais da fé”, como o batismo —algumas igrejas, como a sua, permitiam batizar crianças, por exemplo, enquanto muitas outras não
“Ora, se todos afirmavam crer somente na Bíblia e que o Espírito Santo os iluminava na leitura, como eles poderiam chegar a conclusões tão divergentes?”
Atraiu-se “pela unidade que há no catolicismo”. Reconhece movimentos internos distintos, claro, mas tudo “sob o pastoreio de um só papa, um só batismo, uma só eucaristia”.
A retomada católica não deixa de ser uma resposta a “uma modernidade líquida, que parecia emancipadora no passado, quando as pessoas viviam presas a normas sociais”, diz o sociólogo Borba. No furdunço contemporâneo, quando “tudo parece ter se liquefeito, as pessoas procuram por algo sólido que lhes dê a segurança para embasar suas vidas”, afirma.
A universitária Marcela Sousa, 23, perdeu a mãe para o câncer no final de 2024. No mesmo mês, terminou um namoro e foi dispensada do estágio.
Até o ano passado, ela brinca, sua única religião “era o carboidrato”. Entrar para um grupo de WhatsApp com jovens católicos, convidada por uma colega da faculdade, lhe renovou “a fé na vida”, diz.
“Eu fui no terreiro, no culto, fui em tudo. Até hare krishna eu ensaiei ser. Mas entrei numa igreja [católica] um dia e me senti muito bem. Não compactuo com muitas coisas da Igreja. Mas eles estão no ‘business’ faz tempo, tem que respeitar.”
Fonte ==> Folha SP