Indígenas sem aula: MPF cobra mais professores do AM – 30/06/2025 – Educação

Galpão de associação dos tenharins, no sul do Amazonas, improvisado como sala de aula e sem professores ao longo de 2024 e 2025

O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas recomendou, em documento assinado na última quinta-feira (26), que o governo do estado providencie professores, aulas e calendário especial em aldeias onde indígenas foram aprovados mesmo sem terem tido aulas de disciplinas básicas –ou mesmo sem nenhuma aula durante o ano inteiro.

Reportagem publicada pela Folha no último dia 2 mostrou que jovens tenharins que cursaram o primeiro ano do ensino médio em 2024 ficaram o ano letivo inteiro sem aulas e sem professores. Mesmo assim, tiveram a aprovação validada no sistema da Secretaria de Educação do Amazonas e passaram para o segundo ano do ensino médio.

Os agora estudantes do segundo ano –da Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no sul do Amazonas– ainda não tiveram aulas em 2025, segundo as lideranças do território.

Problema semelhante ocorre em diferentes aldeias da terra Vale do Javari, onde vivem indígenas de diferentes etnias. O território, na região de fronteira de Brasil, Colômbia e Peru, sofre com falta de aulas em disciplinas básicas e falta de merenda, material de ensino, orientação pedagógica e estrutura física, como mostrou a reportagem.

Apenas cinco disciplinas no ensino médio acabam efetivamente preenchidas por professores. Mesmo assim, a passagem de ano escolar é validada pela rede da gestão de Wilson Lima (União Brasil).

A recomendação do MPF foi feita com base em procedimentos de investigação abertos entre 2022 e 2024 para acompanhar as deficiências de ensino em escolas em aldeias com difícil acesso no Amazonas. O documento levou em conta diversas reuniões com lideranças indígenas de diferentes pontos do estado.

O problema da falta de aulas e professores nas aldeias –com validação de aprovação que ignora os buracos no ano letivo– não se resume aos tenharins e aos indígenas do Vale do Javari.

O órgão constatou realidade semelhante em comunidades nas regiões de Humaitá, Manicoré, Anori, Beruri, Carauari e Eirunepé. E afirmou, na recomendação, que a regularização das aulas e contratação de professores devem ocorrer em “todas as aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas, extrativistas e quilombolas do Amazonas”.

A reportagem questionou o governo Wilson Lima sobre a recomendação do MPF, mas não obteve resposta até a publicação. A gestão já não havia respondido aos questionamentos sobre os problemas na reportagem publicada no dia 2.

A Procuradoria no Amazonas recomendou que não haja impedimentos à contratação de professores, merendeiras, motoristas e pilotos de barcos necessários à regularização das aulas. Educadores pendentes de convocação em processo seletivo devem ser chamados imediatamente, conforme a recomendação.

No caso dos indígenas sem aulas em 2024 e que continuam sem aulas em 2025, a Secretaria de Educação deve elaborar um calendário especial intercultural –em discussão com as comunidades– para os anos letivos de 2025 e 2026, “no intuito de suprir a ausência de aulas efetivas e garantir o montante mínimo de horas/aula anual”.

Tanto o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) quanto o MEC (Ministério da Educação) devem ser avisados da recomendação, para “efetiva coordenação da educação escolar indígena e dos povos tradicionais no Amazonas, considerando o cenário de precariedade e abandono”.

O Governo do Amazonas tem até 15 de julho para informar se acatou a recomendação, sob risco de ser acionado na Justiça Federal para o cumprimento das obrigações em educação pública.

O MEC afirma que a oferta de educação básica é responsabilidade de estados e municípios, como determina a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

“Cabe à União a função supletiva e redistributiva, por meio de diretrizes e programas específicos”, diz a pasta. “O ministério fornece apoio técnico e financeiro aos entes federativos.”

A comissão de financiamento aprovou, em 2023, o aumento do fator de ponderação para matrículas indígenas via Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), conforme a pasta. Uma matrícula que valia R$ 6.378,67 passou a valer R$ 7.506, segundo exemplo dado. Houve ainda repasses de R$ 3,6 milhões a escolas indígenas de municípios do Vale do Javari, diz.

A associação do povo tenharim do Igarapé Preto afirma que, em 2024, houve envio apenas de merenda escolar, e de forma irregular. Um galpão usado pela associação, na aldeia Igarapé Preto Central, foi adaptado para funcionar como sala de aula. O Governo do Amazonas forneceu mesas, armários e um quadro branco, mas não houve aulas por falta de professores.

A unidade escolar é formalmente anexada a uma escola de outro território, distante 926 km pela linha dos rios, onde vivem indígenas de outra etnia –os parintintins–, o que dificulta a gestão e a orientação pedagógica.

Os tenharins querem ter uma escola própria, que oferte ensino médio aos indígenas das aldeias. Cerca de 30 estudantes passaram de ano escolar sem terem recebido aulas, conforme a associação.

No Vale do Javari, a precariedade vem provocando um esvaziamento das escolas do território. Antes, uma unidade de ensino era frequentada por cerca de 50 alunos. Hoje, há escolas com dez alunos.

Indígenas veem cultura ameaçada

Passou a ser comum que os jovens do território migrem para as cidades –como Guajará (AM), Benjamin Constant (AM), Tabatinga (AM), Atalaia do Norte (AM) e Cruzeiro do Sul (AC)– para estudarem em escolas com ensino médio regular.

“As nossas crianças e os nossos jovens estão migrando em massa aos centros urbanos, o que sinaliza o esvaziamento do território e a extinção das nossas culturas sagradas”, diz uma carta de protesto assinada em abril por líderes marubos do alto rio Curuçá, no Vale do Javari. “Nossa integridade cultural entra em vias de esquecimento.”

Na aldeia Nova Esperança, dos mayorunas, o material didático distribuído “não apresenta condições adequadas para o desenvolvimento das atividades escolares”, segundo outra carta assinada por professores. E na aldeia Lago do Tambaqui, dos kanamaris, foi preciso improvisar uma estrutura embaixo de uma árvore para que fossem dadas as aulas, como mostra vídeo feito pelos indígenas.



Fonte ==> Folha SP

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