Integrantes de povos indígenas Ashaninka, Yawanawá e de outras 12 etnias do Peru e Brasil visitaram ministérios, embaixadas e organizações em Brasília em busca de apoio para barrar, de forma definitiva, a proposta de construção de duas rodovias que atravessam territórios entre os dois países na região da amazônia.
As comunidades expressam preocupação com a construção de estradas devido a impactos ambientais e ao aumento de atividades como narcotráfico e exploração ilegal de recursos.
Segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aproximadamente 33,7% da Amazônia Legal já registram a presença de ao menos uma facção criminosa. Dos 772 municípios que compõem a região no país, 260 enfrentam diretamente a atuação do crime organizado.
O avanço da criminalidade também preocupa indígenas do país vizinho. Os indígenas denunciam a ausência do Estado na região das fronteiras, o que facilita a atuação de grupos criminosos. Ao menos 36 lideranças indígenas foram assassinadas na região desde 2013, segundo informações dos integrantes da mobilização.
O grupo representa a Comissão Transfronteiriça do Alto Juruá/Yurúa/Alto Tamaya, uma articulação formada por uma rede de comunidades e organizações indígenas e não indígenas localizadas na região de fronteira entre o Brasil e o Peru.
Entre os dias 3 e 8 de abril, eles participaram da 8ª Reunião da comissão em Brasília, que teve como foco o diálogo entre os povos e autoridades da capital federal. O objetivo é buscar a implementação de políticas públicas para garantia de proteção e diversidade sociocultural. As duas estradas entraram na pauta do encontro.
As lideranças se reuniram com representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, Justiça e Segurança Pública, Povos Indígenas e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). As atividades foram encerradas na última quarta-feira (9).
“[A construção de novas vias] gera a contaminação de rios, nascentes e compromete a saúde das comunidades, além de causar danos ao meio ambiente. Também afeta a vida social e a cultura dos povos da região”, disse o coordenador da Opirj (Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá), Francisco Piyãko. Ele é da etnia Ashaninka, do Acre.
O território que o grupo representa e é afetado pelas estradas compreende a região de Alto Juruá, no lado brasileiro, e as regiões de Yurúa e Alto Tamaya, no lado peruano. São 11 terras indígenas no Brasil e 10 comunidades nativas no Peru.
Representantes pedem que seja definitivamente rejeitada a proposta de construção de uma rodovia entre as cidades de Cruzeiro do Sul, no Acre, e Pucallpa, na região de Ucayali, no Peru —a distância em linha reta entre Cruzeiro do Sul, no Acre, e Pucallpa, no Peru, é de aproximadamente 250 km. Pelas rotas terrestres disponíveis, são 3.000 km.
O traçado previsto para essa rodovia atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor, importante unidade de conservação ambiental com 837 mil hectares. Ali está o marco divisório das bacias hidrográficas dos rios Ucayali (Peru) e Juruá (Brasil), e parte das terras e comunidades indígenas.
A obra seria a extensão da rodovia federal BR-364, que começa em Cordeirópolis (SP), passa pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e termina em Cruzeiro do Sul, no Acre.
Em maio do ano passado, o secretário de Indústria, Ciência e Tecnologia do Acre, Assurbanípal Mesquita, defendeu —em evento ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB)— a proposta da rodovia sob argumento de desenvolvimento econômico.
O governo do Acre afirmou, em nota, que a rodovia não está prevista em seus “atuais instrumentos de planejamento”. O governo não respondeu sobre a falta de segurança da região.
O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), vinculado ao Ministério dos Transportes, informou que o projeto foi suspenso por decisão judicial em 2023, mesmo após a apresentação de recursos por parte do governo. A suspensão ocorreu por questões ambientais, já que o traçado previsto passaria pelo parque.
Segundo relatos obtidos pela Folha, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional não tem interesse de integrar essa via nas rotas do Plano de Integração Sul-Americana.
Atualmente, a comissão busca impedir o avanço de uma estrada conhecida como UC-105, localizada no lado peruano da fronteira. A via não tem autorização mas tem sido expandida de forma ilegal, a partir da cidade de Nueva Italia com destino a cidade de Puerto Breu.
Um estudo da Absat (Equipe de Análise Espacial das Fronteiras Amazônicas), vinculada ao Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Universidade de Richmond (EUA), mostra que a via ilegal já atingiu 1.012,45 km de extensão entre 2016 e junho de 2024.
Os dados revelam ainda que entre 2016 e 2023, houve um aumento de 4.544 hectares de desmatamento associado a essas estradas clandestinas no Peru. “É um projeto que ameaça invadir, que se impõe sobre essas comunidades, tanto aqui quanto do outro lado da fronteira, destacou o presidente da Orau (Organização Regional Aidesep Ucayali), Jamer López, da etnia Shipibo-Konibo, do Peru.
“Ele só alimenta uma agenda de interesses externos, que querem essa conexão com o Brasil. Falam em conectividade, mas não há conectividade verdadeira, porque não há participação nem escuta dessas comunidades”, acrescentou.
Fonte ==> Folha SP