O desconto de mensalidades associativas em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) atingiu patamares bilionários após 2022, com movimentações políticas que impediram o endurecimento de regras para barrar débitos ilegais.
Investigação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) na operação Sem Desconto, desencadeada na manhã desta quarta-feira (23), apontam descontos de R$ 6,3 bilhões nos benefícios previdenciários entre 2019 e 2024 —entre valores legais e ilegais—, que levaram ao afastamento de quatro servidores públicos federais e à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Relatório da CGU aponta que os débitos começaram em 2016, mas ganharam força a partir de 2019, chegando a patamares exorbitantes após 2022.
Em 2016, os descontos somaram R$ 413,2 milhões. Já em 2024, chegaram a R$ 2,637 bilhões, aumento de 538,24% em menos de dez anos.
As associações são entidades às quais aposentados e pensionistas podem se filiar para ter benefícios como plano de saúde, academia, dentista, colônia de férias e consultoria jurídica para entrar com ações judiciais, entre outros. É descontada uma mensalidade diretamente do benefício previdenciário.
A operação investigou 13 associações e sindicatos e denunciou 11, que tiveram os ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) com a Previdência Social suspensos.
Mais de 5,4 milhões de aposentados e pensionistas pediram a exclusão do desconto em seu benefício apenas no primeiro trimestre de 2024.
Os pedidos de exclusão, no entanto, não significam que todos os débitos eram ilegais.
A partir de março de 2024, com a publicação de uma instrução normativa que dificultou os descontos nos benefícios, feita a pedido do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, os segurados passaram a a ter opção de pedir a exclusão automática.
Essa solicitação pode ser feita em diversos casos, como quando o beneficiário não reconhece a associação, o que indicaria uma possibilidade de fraude; quando o segurado era associado mas desiste; nos casos em que chegou a assinar o contrato, mas diz não ter entendido os termos e quer desfazer o credenciamento; ou quando realmente não se lembra de ter se associado.
Tonia Galetti, advogada do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), afirma que a instituição, uma das que teve o ACT suspenso na investigação, vem denunciando o aparecimento de associações fraudulentas ao INSS desde 2019.
Segundo ela, a mudança que afetou os sindicatos e permitiu o aumento dos descontos ilegais saiu do Congresso Nacional, que barrou regra em medida provisória do então presidente do INSS, Leonardo Rolim, para que houvesse, a cada três anos, uma revalidação do aceite do aposentado em se associar.
O projeto do Revalida também foi levado ao Congresso por Stefanutto, mas está parado. O princípio é o mesmo: a associação não poderia renovar o contrato automaticamente. Após um período específico, teria de procurar o aposentado para saber se ele segue com o desejo de ser associado e ter o desconto em seu benefício.
A biometria nos contratos, exigência implantada por Stefanutto em 2024, já estava sendo feita no Sindnapi desde janeiro daquele ano, antes mesmo da publicação da instrução normativa do instituto.
“O sindicato percebeu um aumento do número de ações judiciais [contra a entidade] e, quando isso começou a acontecer, implantou o ‘Confia’, um sistema próprio de biometria. Eu também pedi a contratação de uma auditoria, finalizada em janeiro de 2024, demonstrando a assertividade de toda a documentação dos segurados [associados ao Sindnapi]”, diz ela.
Tonia diz que a entidade tem todo o levantamento e documentação, e que as informações não foram solicitadas em nenhum momento da investigação feita pela PF e pelo CGU. A advogada tenta fazer parte do processo de investigação, que corre em sigilo.
Folha Mercado
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O advogado Rômulo Saraiva, especialista em Previdência e colunista da Folha, diz que a autorização para descontos de valores em benefícios previdenciários existe desde 1991, com a publicação da lei 8.213, que trata sobre as regras da Previdência Social.
A previsão está no artigo 5º da lei, que determinada ser autorizadas “mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados”.
“Não era tão frequente [o desconto] porque havia uma obscuridade em relação às normas executórias ou procedimentais para se fazer isso. Então, em 2022, com a edição das duas INs [instruções normativas], a 128 e a 138, principalmente a 138, há o beabá para fazer as averbações de descontos”, diz.
O “endurecimento” contra fraudes, segundo Saraiva, veio somente em março de 2024, quando “o estrago estava feito”.
Em sua opinião, faltou “pulso firme” do INSS. “O INSS tem uma faca muito bem amolada para cortar benefícios irregulares, mas não foi assim neste caso”, afirma.
O que diz a investigação
Segundo a investigação, o esquema teria começado em 2016, ainda na gestão de Michel Temer (MDB), mas ganhou força a partir de 2019, no primeiro mandato do então presidente Jair Bolsonaro (PL), e atingiu a casa dos bilhões a partir de 2023, com medidas legais que teriam facilitado os descontos.
Em 2024, uma instrução normativa conjunta do INSS e do Ministério da Previdência Social, publicada por determinação do próprio Stefanutto, impôs regras mais duras para tentar conter o avanço dos descontos ilegais.
Entre as normas estavam a biometria do aposentado que autorizava o desconto e assinatura eletrônica confirmando que estava ciente de que se filiou à associação ou sindicato. A biometria, no entanto, foi implantada apenas em fevereiro deste ano, quase um ano depois da normativa.
Ainda em 2024, a Polícia Civil de São Paulo e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) passaram a investigar associações que movimentavam milhões por mês no estado em valores descontados de aposentadorias e pensões.
A investigação começou após uma aposentada do litoral paulista entrar na Justiça contra o órgão. Foi descoberto que ao menos cinco associações teriam funcionários laranjas e cometeriam fraudes nos benefícios.
Fonte ==> Folha SP